Segunda maior favela de SP aguarda investimentos em urbanismo e transporte no pós-Covid
Por Jéssica Bernardo e Cléberson Santos
Por trás das ruas movimentadas e das dezenas de pequenos comércios que contrastam com as casas de alto padrão, a favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, completa 100 anos nesta quinta-feira (16) com altas expectativas para o futuro.
Enquanto o comércio da região movimenta a economia local, promessas de melhorias feitas ao longo do tempo pelo poder público seguem sendo repetidas na comunidade que hoje concentra quase 100 mil moradores e é uma das mais famosas do Brasil.
Tudo era bem diferente no início dos anos 1920, quando o terreno que deu origem à segunda maior favela de São Paulo foi loteado e a região deixou de se chamar Fazenda do Morumbi para ganhar o nome de Paraisópolis pela primeira vez. O boom populacional, porém, só aconteceria décadas depois.
Por conta da geografia irregular, os 2.200 lotes do empreendimento foram um fracasso de vendas, e muitos compradores nunca ocuparam esses terrenos.
Nos anos 1950, o panorama era de uma área rural na cidade. A região contava com pequenas chácaras onde eram plantados milho, batata doce e mandioca. Foi quando começaram a ser erguidas as primeiras residências e alguns comércios.
Tudo se transformaria após as mudanças no Morumbi, que passaria a ganhar interesse econômico com a criação de um bairro de alto padrão se tornando uma das regiões com maior concentração de renda.
Essa mudança trouxe mais trabalhadores para a construção de grandes obras, como o Hospital Albert Einstein e o estádio do Morumbi.
Uma onda de novos moradores viria entre as décadas de 1960 e 1970, com o êxodo dos migrantes nordestinos que chegaram à capital em busca de emprego. A extinção de outras favelas de São Paulo trouxe mais moradores para os becos e vielas da região no final dos anos 1990.
Antônio Joaquim dos Santos —ou Tonho do Palácio, como é conhecido no bairro— é um símbolo dessas mudanças. Sergipano de 72 anos, ele chegou na comunidade em 1974, cerca de duas décadas após o início das ocupações no antigo loteamento.
Tonho é um dos pioneiros entre os comerciantes da região. O primeiro boteco dele, aberto alguns anos depois, transformou-se em uma mercearia durante a década de 1980, até virar o mercado fundado em 1996 e em funcionamento até hoje.
“Você não precisa sair daqui para fazer nada, desde coisas práticas até diversão, lazer”, conta Tatiana Bastos, 39, filha e funcionária de Antônio.
“O pessoal está investindo em empreendimentos, trabalhando por conta própria. Aqui cresceu demais e ainda vem gente de fora para comprar aqui. Essa parte de empreendedorismo está super em alta aqui na comunidade”, ressalta.
Segundo a associação de moradores, atualmente há 14 mil estabelecimentos comerciais, como mercadinhos, lojas de roupa, marcenaria, adegas e seis bancos. Além disso, 21% dos moradores trabalham dentro da própria comunidade.
Givanildo Pereira, 21, é um dos empreendedores de Paraisópolis. Depois de perceber a dificuldade das pessoas em conseguir receber encomendas na comunidade, ele desenvolveu um sistema de entregas próprio, a Brasil Favela Express.
As encomendas chegam na sede do projeto e, de lá, são levadas até a casa dos moradores. “Além de desbloquear o CEP das favelas dentro do ecommerce, esse trabalho gera emprego, renda e desenvolvimento econômico para as comunidades”, conta.
Mas o crescimento ainda contrasta com a urbanização travada e uma série de projetos abandonados ao longo de diferentes gestões da prefeitura e do estado.
“Nós temos 3.000 famílias morando em cima do Córrego Antonico, temos problemas de infraestrutura, falta água, a situação da fome se alastrou”, conta o líder comunitário Gilson Rodrigues, 37, que mora na favela desde criança.
Por isso, como parte das ações de comemoração do centenário, a associação de moradores está organizando uma campanha de doação de cestas básicas, em uma tentativa de minimizar o aumento da fome durante a pandemia.
Com filho e neto desempregados, Marinalva Pereira, 64, depende dessas doações da associação para alimentar a família. “Se não fosse pela ajuda deles aqui da favela, a gente passaria necessidade”, afirma.
A distribuição de comida contou com a ajuda dos chamados “Presidentes de Rua” —cabia aos voluntários que assumiram a função monitorar os casos suspeitos de Covid na comunidade, além de ajudar na entrega das cestas básicas a quem enfrentasse dificuldade na pandemia.
Assim como o resto da cidade, porém, Paraisópolis também já começa a pensar no futuro pós-coronavírus. Com isso, a região volta a cobrar demandas antigas nunca atendidas em outras áreas, como os problemas de urbanização.
As ações nesse sentido começaram a ganhar força no início dos anos 2000, com a construção de um conjunto habitacional e de um CEU na comunidade. A iniciativa cresceu ainda mais em 2006, com a elaboração de um projeto que previa uma série de melhorias na região.
O projeto, liderado pela arquiteta Elisabete França, incluía a canalização do Córrego Antonico e a construção de moradias populares, além da criação de parques, de equipamentos públicos e até de uma escola de música.
“Paraisópolis tinha o maior programa de urbanização do mundo, mas foi paralisado. Era melhor que o projeto de Medellín”, lembra Gilson —a cidade colombiana se tornou referência mundial em urbanismo social por reduzir índices de violência ao investir na qualidade de vida dos moradores de áreas periféricas.
Um dos arquitetos a participar do projeto de urbanização em Paraisópolis, Ciro Pirondi diz que uma das únicas ações que saíram do papel nesta época foi a construção do pavilhão social que hoje abriga a sede de organizações como o G10 Favelas, voltado ao empreendedorismo, e o projeto Mãos de Maria, que oferece marmitas diariamente para moradores do local. “O resto não foi pra frente quando mudou a gestão”, conta Ciro.
O mais recente dos pacotes de promessas para a região foi feito no fim de 2019, quando o governador João Doria (PSDB) e o então prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciaram juntos o Programa Comunidade.
O projeto prevê um investimento de R$ 250 milhões e foi uma tentativa de resposta do governo depois da ação policial que resultou na morte de nove jovens durante uma festa na favela em dezembro daquele ano.
Obras no Córrego Antonico, citado por Gilson, estão na lista de ações do programa. A previsão da prefeitura é retirar as famílias do local e efetuar os trabalhos de contenção de alagamentos até o início de 2024.
“A obra vai levar o conforto de conter a questão dos alagamentos. Fora isso vamos entregar um parque linear com equipamentos públicos, com pista de skate, quadra poliesportiva, playground, ciclovia, junto com a canalização”, diz Orlando Faria, secretário municipal de Habitação.
O projeto está na fase de cadastramento das famílias atualmente. A expectativa é terminar essa etapa e iniciar as obras a partir do próximo ano.
Segundo a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, 23 das 54 ações previstas no programa já foram realizadas. A mais recente é o Parque Paraisópolis, que deve ser inaugurado nesta semana.
O espaço causou polêmica em 2020, quando moradores do Morumbi pediram autorização para construir um muro para separar o parque do bairro —a prefeitura não autorizou a divisão.
A área vai ajudar no futuro da comunidade, afirma a estudante e diretora do coletivo “Um Verso em Mim”, Fernanda Borges, 22. “Espero que a nossa quebrada tenha mais verde, que a gente tenha um ar melhor, que as crianças consigam colocar a mão na terra”, diz ela.
“Espero que todo mundo consiga ter uma estrutura de conforto melhor, sabe? Que a gente consiga estar num lugar confortável, não faltando nada dentro de casa, não tendo o que se preocupar com o que será que vai comer amanhã”, conta.
Além disso, a mobilidade é outro desafio na região —os moradores ainda enfrentam dificuldade para acessar o bairro e, muitas vezes, são recusados por motoristas de aplicativos.
No início da década passada, Paraisópolis chegou a sonhar em receber uma estação da então nova linha 17-ouro do monotrilho, prevista para ser inaugurada antes da Copa do Mundo de 2014. Mas com o atraso das obras o governo estadual diminuiu o número de estações e a comunidade acabou ficando de fora.
Em nota, o Metrô disse que a prioridade do governo estadual é entregar, até o fim de 2022, apenas as obras do trecho entre o Aeroporto de Congonhas e a estação Morumbi da CPTM
Fonte: Folha de S. Paulo