Um mês após protocolar na Justiça um plano de recuperação extrajudicial, a Máquina de Vendas contratou Luiz Wan-Dall (ex-Atlas Eletrodomésticos) como novo presidente. Ricardo Nunes, que ocupava o posto, passa a ser co-presidente, com uma reorganização de funções. Wan-Dall começou ontem no grupo, que controla a rede de lojas Ricardo Eletro.
A companhia entrou com pedido de recuperação extrajudicial em 25 de agosto, após negociar com indústrias um plano de pagamentos das dívidas de R$ 1,3 bilhão. Após a homologação do pedido, a gestora de private equity Starboard passará a ter 72,5% da varejista. Vinte fornecedores respondem por 78% das dívidas. Nesta operação, além do plano para quitar os débitos, foi fechado um acordo para liberação de novas linhas de crédito para a rede.
Na prática, esta é a peça central do projeto para tentar reerguer o grupo, por meio de um plano de retomada dos negócios, a ser liderado por Wan-Dall. A rede soma 647 pontos no país.
Nas últimas duas semanas, foram liberados R$ 100 milhões da linha de crédito com fornecedores, de um total de R$ 800 milhões negociados para a compra de mercadorias. Esse valor total equivale a três meses de capital de giro. A entrada paulatina dos recursos deve começar a “oxigenar” o negócio, diz o comando do grupo. O desafio passa a ser administrar este capital — ou seja, comprar aquilo que a empresa conseguirá vender, e com maiores margens, para que a venda gere caixa mais rapidamente.
“Não é mais possível pensar com a cabeça que tínhamos, é preciso virar o chip. Já tivemos discussões sobre isso aqui. Não dá para liberar determinada negociação com fabricante se aquela compra não trouxer rentabilidade também. Vender só por vender não existe mais”, disse ontem Wan-Dall, em entrevista ao Valor na sede da companhia.
Nos últimos anos, a política comercial e de marketing esteve pautada pela aquisição de altos volumes e exposição forte da marca. A linha central, defendida em ações na mídia, era a “briga pelos menores preços” ao consumidor, representada na figura de Nunes. “Não quer dizer que isso acabou, mas temos que vender, além de produtos, serviços e a experiência de compra na loja. É com essa forma de pensar que vamos atingir equilíbrio de novo”, afirmou Nunes.
Pela reorganização, Nunes vai atuar “nas lojas, em motivação e assuntos institucionais”, informou a companhia. A área de vendas ficará ligada ao novo CEO. De certa forma, parte dessa estrutura chegou a ser adotada em 2014, quando a Máquina de Vendas promoveu o sócio Richard Saunders, na época presidente da Eletroshopping, uma rede do grupo, ao cargo de CEO. Era um início de profissionalização, e Saunders teria sinal verde na gestão. A estrutura montada não funcionou.
A empresa alegou que Saunders saiu por razões pessoais, mas o mercado levantou dúvidas sobre o nível de autonomia do CEO numa empresa de donos. Questionado sobre as garantias de que o modelo agora funcionará, o comando do grupo afirmou que, naquela época, o formato de governança corporativa não era tão eficiente.
O conselho de administração era formado pelos próprios sócios, como Ricardo Nunes e Luiz Carlos Batista, acionista minoritário da Máquina de Vendas. “A Starboard passa a ter três conselheiros e a Máquina, dois. É um outro cenário. Antes éramos conselheiros e os administradores também”, disse Pedro Magalhães, diretor financeiro.
Nos projetos que têm sido definidos nesta atual fase está o foco maior no digital. A rede opera há alguns anos um modelo chamado Ricardo Eletro Digital, oferecendo aos clientes que vão às lojas a opção de comprar produtos catalogados no sistema, além dos expostos nas prateleiras.
“A intenção é ampliar esse portfólio de produtos mais pesados, como móveis e eletrônicos, com novos itens de fornecedores. Com essa carteira maior, poderemos complementar o mix à venda”, disse o CEO, que dirige pela primeira vez uma varejista. Wan-Dall, de 37 anos, foi CEO da Atlas Eletrodomésticos (trabalhou em controladoria e gestão de custos) e seu nome foi escolhido pela Starboard, com aval dos sócios da rede.
Outra iniciativa prevê aumentar a oferta de produtos na operação de “marketplace” (shopping virtual). Hoje, a empresa diz ter entre 20 mil e 30 mil itens na venda direta pela internet e cerca de 150 mil produtos de parceiros. Cerca de 40% das vendas da rede ocorrem pelo site. “O portfólio que vendemos diminuiu [após problemas de desabastecimento] e isso deve subir, mas não vai disparar. E estamos olhando novas opções. Temos centros de distribuição mais ociosos que podem ser locados por marcas [do marketplace], por exemplo”, disse Nunes.
A empresa projeta fechar o ano com vendas brutas na faixa de R$ 3 bilhões — a metade dos R$ 6 bilhões de 2017. São sete centros de distribuição em 21 Estados
O plano de recuperação extrajudicial ainda aguarda a homologação. Isso deve ocorrer até o fim de novembro. Segundo o grupo, cerca de 60% dos credores, dos 250 que ainda não fecharam acordo até agosto, sinalizaram que aceitam receber pela primeira opção do plano. Havia uma cautela sobre como os demais fornecedores, fora dos grupo dos grandes credores, reagiria à proposta.
Por esta primeira opção, o credor não terá desconto na dívida total, mas concorda em operar dentro do modelo “pay if you can” (pague se você puder). Qualquer valor que entrar no caixa da empresa acima de R$ 350 milhões será usado para pagar esses fornecedores.
Fonte: Valor Econômico