Com faturamento de R$ 84 bilhões, setor sente efeitos da queda no consumo, mas ainda anima os empreendedores
Em agosto de 2015, os empresários Abilio Diniz e Jorge Paulo Lemann compraram a pequena rede de padarias paulista Benjamin Abrahão. Acostumados com transações bilionárias, os empresários pretendem transformar a marca em uma grande rede nacional. O interesse dos dois neste tipo de negócio também acendeu um alerta de oportunidade para outros empreendedores.
Diniz e Lemann não buscaram o mercado de panificação à toa. Entre 2007 e 2012, o setor cresceu dois dígitos. O país tem mais de 63 mil padarias e, em 2015, elas movimentaram R$ 84,7 bilhões, segundo dados do Instituto Tecnológico de Panificação e Confeitaria (ITPC) em parceria com a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP). São mais de 15 milhões de pãezinhos vendidos todos os dias. Os negócios são, na maioria, pequenos e familiares.
O resultado do ano passado, no entanto, desanimou o setor: o crescimento de 2,7% foi visto como negativo, frente à inflação de quase 11%. “Apesar de baixo, o resultado caiu menos do que o de outros setores de alimentação. Frente ao fiasco da economia brasileira em 2015, não foi tão ruim”, diz José Batista de Oliveira, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip).
Além da alta no preço da farinha impactado pelo dólar, o mercado sofreu um movimento inédito nos últimos anos: a redução na quantidade de consumidores. “Por mais que tenha tido um aumento no ticket médio, o faturamento caiu porque o fluxo de clientes diminuiu”, diz Karina Muniz, consultora do Sebrae-SP.
Como consequência, o setor sofreu com a perda de 32 mil postos de trabalho. “Estamos começando a desempregar e tem padarias fechando. A causa é a falta de dinheiro no bolso do consumidor e o aumento do desemprego. As pessoas ficam com medo e gastam menos”, explica Antero José Pereira, presidente do Sindicato e Associação dos Industriais de Panificação e Confeitaria de São Paulo (Sindipan/Sampapão).
Apesar do resultado ruim de 2015 que deve se repetir nos próximos dois anos, o mercado é cheio de oportunidade e quem consegue inovar escapa dos efeitos da crise.
Uma das saídas para não depender só das vendas matinais do pãozinho francês foi criar as chamadas “superpadarias”. “Hoje, as padarias estão virando multicomércio: tem sopa, varejo, adega, buffet no almoço. É o único modelo que consegue contemplar todos os horários de consumo. É um negócio amplo e geralmente aberto das 6 às 23 horas”, afirma Karina.
Das padarias centenárias, passando pela indústria, a escola de panificação e a inovadora micropadaria, o mercado sente a crise, mas mostra que inovação gera oportunidade e bons resultados. “As empresas precisam ter atitude positiva. Se ficar só olhando para crise e achar que está tudo perdido, cada dia será pior. Mas, se você acreditar que pode, com criatividade, inteligência e ações positivas, eu creio que você minimiza a dificuldade”, diz Oliveira.
Como sobrevive uma padaria centenária
Apesar de conhecida pelos pães de receita centenária, a padaria Basilicata, na região do Bexiga, em São Paulo, parece, na primeira olhada, um armazém. Como nem só de pão se faz o faturamento, garrafas de vinho, azeite e licores dividem espaço com vidros de condimentos, pimentas e queijos.
Passar por crises é quase especialidade da padaria. Fundada em 1914, por um imigrante italiano, o estabelecimento sobreviveu a vários momentos da economia do país. Felipe Ponzio trouxe para o Brasil a tradição de fazer pão em casa que praticava na Basilicata, região no sul da Itália. O pão italiano virou fonte de renda e alimenta a família há mais de 100 anos.
Hoje, é comandada por quatro sócios da quarta geração da família. “Manter um negócio assim é uma grande responsabilidade. A receita é a mesma há anos: farinha, água e sal em um trabalho muito braçal”, diz Antônio Laurenti Neto, 52 anos, um dos sócios.
Com 55 funcionários, a fábrica funciona a pleno vapor. “São 24 horas produzindo. Só para no domingo entre 15 e 23 horas”, diz. Atualmente, o local produz sete mil unidades de pão por dia e boa parte do faturamento – que Neto prefere não revelar – vem dos produtos distribuídos para restaurantes e mercados. “A loja tem um faturamento significativo, mas a maior parte da receita vem dos restaurantes. Atendemos uns 500 pontos de entrega por dia”, diz.
Como a loja é pequena, com apenas 30 metros quadrados, os sócios estavam perdendo vendas nos dias mais movimentados. “Eu deixo de vender porque o produto não está bem visível”, diz. Por isso, mesmo com a queda no consumo, Neto conta que o negócio deve crescer neste ano. “Tomamos uma atitude depois de 100 anos. Alugamos a casa do lado e vamos ampliar a loja, fazer um lugar para petiscos e um restaurante no andar de cima. Não podemos nos inclinar para a crise”, diz.
Da fábrica para as prateleiras
Nem todo pão depende da padaria. É o caso da fábrica de pão sírio Pita Bread, que depende de boa localização nas prateleiras dos supermercados para crescer. Criada em 1991, a fábrica surgiu depois de uma viagem do sócio Ricardo Sayegh para o Líbano. Ele se encantou com a produção do Pita Bread, ou pão sírio, e revolveu investir no negócio no Brasil.
A fábrica, instalada em Atibaia, a 55 quilômetros da capital paulista, já trabalhava com moagem de trigo para kibe. “Hoje, nossa capacidade de produção diária é de 21 mil pacotes de pão sírio e 20 mil de outros produtos, como os snacks”, diz Suely Sayegh, gerente de marketing da Pita Bread e filha dos fundadores.
Assim como a Basilicata, as indústrias de pães também sentiram a queda na circulação, que afeta principalmente os supermercados. “Como todos os setores foram afetados, o de alimentos também, refletindo diretamente na circulação de pessoas nos supermercados”, diz Suely.
Com 217 colaboradores, a empresa fechou 2015 com um faturamento de R$ 25 milhões. Um dos desafios para crescer é a logística. “Hoje, nossos produtos vão para São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, Santa Catarina, Espírito Santo e Brasília. Mas, na panificação, o desafio é sempre abrir novos mercados e conquistar novos consumidores”, diz Suely.
O mestre dos padeiros
Apesar dos problemas enfrentados pelo mercado, ainda há espaço para quem sabe inovar. O empreendedor Rogério Shimura é um exemplo. Conhecido por criar pães para chefs renomados, como Alex Atala, Shimura fatura, hoje, ensinando panificação para quem pensa em entrar neste mercado ou quer fazer seus próprios pães. “A família do meu pai tem padarias desde 1942. Sempre atuei neste ramo”, diz.
Depois de comprar negócios e reformá-los, Shimura ganhou fama ao aparecer em programas de televisão. Sem querer, começou a ensinar como fazer pão e enxergou ali um mercado mais promissor do que as próprias padarias. Foi quando criou a Levain Escola de Panificação e Confeitaria. “Em 2012, achamos um espaço, no Ipiranga, em São Paulo, com 1000 metros quadrados. São 500 de fábrica e 500 de escola, que começou a funcionar em meados de 2013. Nesses quase três anos, já ensinamos 3200 alunos, sendo 80% de fora do estado de São Paulo, inclusive de outros países”, diz.
Sem fugir das raízes, o mestre padeiro voltou a investir, no ano passado, em padarias com o seu nome. A primeira unidade foi um quiosque, em um shopping de São Paulo. Em 2016, a marca deve ampliar e abrir mais uma padaria. “Por enquanto, a gente trabalha com loja própria, já que não sabe como vai ficar mais para frente”, afirma.
Na produção própria, Shimura atende hotéis, restaurantes e empresas de catering. No total, produz 45 toneladas de pães diversos ao mês. “Temos um mix muito grande, de pão de hambúrguer a baguetes”, afirma. Na escola, o dia a dia é com futuros empreendedores. “Setenta por cento dos nossos alunos são futuros empreendedores, que vem fazer um curso básico e descobrem a panificação”, diz Shimura.
O curso básico, com 40 horas, exige investimento de R$ 1700. “O desafio é sempre entregar para o cliente o melhor produto possível em frescor. Nada muito industrializado. Por isso, ensinamos fórmulas. No final do curso, o aluno sabe formular um pão. É um pouco de química e muita matemática”, diz Shimura, que não revela o faturamento do negócio.
Beth Bakery e a micropadaria
Fórmulas matemáticas nunca assustaram Beth Viveiros, 38 anos. Depois de trabalhar durante anos em escritórios de engenharia, Beth se viu em um dilema de vida e carreira depois que o pai sofreu um acidente. “Eu via meu pai no hospital e pensava que não queria ficar o resto da vida trabalhando em um escritório. Queria fazer algo que gostasse”, diz. Foi aí que começou a cozinhar e procurou a escola de Shimura.
Os testes de receita domésticos foram ganhando alcance graças às redes sociais. Hoje, aBeth Bakery tem mais de 20 mil seguidores nas redes. “Quando comecei, decidi que ia usar a internet para vender os pães. Foi vendo exemplos de padarias do exterior que pensei no formato de assinatura, para ter um pão fresquinho uma vez por semana no café da manhã”, diz. Ao lado do marido, Tiago Mascarenhas Brandão, 36 anos, a empreendedora começou as vendas pela internet e fazia as entregas de encomendas pessoalmente.
Depois de pedidos para distribuir os produtos em restaurantes e bares e quase dois anos de experiência, Beth resolveu que era hora de deixar a cozinha de casa e encontrar um ponto comercial. “Eu não concordei no começo, faltou coragem. Mas nossa capacidade saltou de seis para 90 pães assados por vez”, conta Brandão.
O imóvel, em uma rua tranquila na Vila Mariana, em São Paulo, era para ser só uma fábrica. O apelo dos vizinhos, porém, fez o casal abrir as portas ao público em um novo formato: a micropadaria. “A gente abre às 16 horas e fica até as 20 horas. Vendemos só o que produzimos durante a manhã. O cardápio muda todo dia e varia conforme os produtos sazonais que encontramos”, diz Beth.
No local, não há venda de frios, nem serviço de mesa. A ideia é passar e levar para comer em casa, como antigamente. E, apesar da demanda constante pelo famoso pão francês, a empreendedora resiste. “Não vou fazer pão francês. A ideia é oferecer panificação internacional e apresentar novos sabores”, diz. Toda semana, Beth produz, pessoalmente, 500 pães, sem contar bolos e biscoitos.
Entre as opções, pães com passas, nozes, tomate e cebola. “Para não perder o cliente, produzimos também baguete, bolos e cookies todos os dias”, diz. Com um formato inovador, Beth Bakery faz parte dos milhões de microempreendedores individuais (MEI), mas já se prepara para mudar de regime. “Este ano vamos ter que mudar. Não sei como será daqui cinco anos, mas a ideia é continuar pequeno”, diz Beth.