Por Daniel Salles | Um bilhão de reais não é uma cifra que costuma se ouvir de quem empreende no setor de restaurantes e bares. Entre os sócios do Alife Nino, que controla 17 marcas como Boteco Boa Praça, Eu Tu Eles e Nino Cucina, ela é dita com frequência. É quanto o grupo, que administra 67 casas no total, espera faturar em 2025.
Para este ano, a expectativa é chegar a 87 unidades e a 2.500 funcionários, atender 6 milhões de pessoas e atingir a marca de R$ 700 milhões de faturamento. “Queremos conquistar a liderança nesse setor, que já foi muito maltratado no Brasil”, afirma Alessandro Ávila, CEO da holding, acrescentando que um IPO, eventualmente, pode sair do forno. “Estamos crescendo a um ritmo de cerca de 40% ao ano.”
Egresso do Merrill Lynch, onde negociava derivativos, Ávila é um dos três sócios controladores do Alife Nino, que faturou R$ 483 milhões no ano passado. Os outros dois são fundadores da gestora Upon Global Capital e ex-sócios da XP Investimentos — Fábio Isaack e Pedro Silveira. Um dos acionistas da importadora de vinhos Cellar, especializada em rótulos do Velho Mundo, este último, que muita gente chama de Pedy, já foi CEO da corretora de Guilherme Benchimol. Na holding de restaurantes e bares, uma das que mais tem chacoalhado o segmento, ele preside o conselho de administração. Isaack é um dos conselheiros.
“O que nos motivou a ingressar nesse meio foi a vontade de torná-lo mais profissional”, diz Silveira. “No geral, o segmento é marcado por problemas de gestão.”
“O surgimento de grandes grupos de restaurantes e bares no Brasil é reflexo do amadurecimento do setor no país”, afirma Fernando Blower, presidente do Sindrio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro. “Conforme o número de unidades aumenta, a eficiência do negócio como um todo tende a crescer. Em função da escala, afinal, os custos acabam diminuindo, melhorando os resultados. Negócios pequenos, no entanto, com poucas ou apenas uma unidade, também podem ser lucrativos e exemplos de profissionalismo.”
Foi Silveira que costurou o aporte de R$ 100 milhões do braço de private equity da XP. Amealhada em 2021, a cifra selou a união da holding de bares fundada por Ávila e Silveira, a Alife — dona do Tatu Bola e do Eu Tu Eles, entre outros — com o Famiglia Nino. Este, em cujo portfólio constavam o badalado Nino Cucina e o Da Marino, entre outros endereços concorridos, era encabeçado pelo chef italiano Rodolfo de Santis e pelo empresário Marcelo Guimarães.
A fusão deu origem ao grupo Alife Nino, que nasceu com 21 bares e 9 restaurantes — e um apetite aparentemente insaciável para replicá-los Brasil afora.
Em abril, a holding abocanhou outro grupo, o Irajá. Este é capitaneado pelo chef carioca Pedro de Artagão e deve sua fama, principalmente, ao Boteco Rainha, cuja primeira unidade foi inaugurada na primeira trégua da quarentena — em julho de 2020, quando tudo que muita gente queria era reencontrar os amigos com direito a chope e petiscos.
Sucesso instantâneo, o empreendimento carioca deu origem a três outros bares que também remetem à monarquia, a Taberna Rainha, o Boteco Princesa e o Galeto Rainha. Este último acaba de ganhar uma unidade em São Paulo, no Itaim Bibi, colada à filial paulistana do Boteco Rainha.
Quero que os clientes comam um pastel com o mesmo prazer que sentiam ao provar os menus-degustação do Irajá Gastrô”, disse Artagão, em entrevista ao Valor, referindo-se ao primeiro empreendimento que comandou como sócio. Dedicado à alta gastronomia, o Irajá Gastrô ganhou um ponto final dois anos atrás, quando se encontrava na rua Dias Ferreira, no Leblon, a mesma de outros bares do grupo — fundado em 2011, o restaurante funcionava, inicialmente, em um casarão na rua Conde de Irajá, no Humaitá.
Derivado dele, o Irajá Redux é uma versão mais acessível, com unidades só em shoppings. “Montei o Redux para saciar os clientes que iam ao Irajá Gastrô atrás de receitas que não estavam mais no cardápio”, explicou o cozinheiro. “Quando era um chef jovem, tudo o que eu queria era mudar o menu o tempo todo. Mas isso é tudo o que os clientes não querem. Eles querem voltar para comer os pratos de que gostaram. Se eu tivesse me dado conta disso mais cedo, teria tido menos problemas.”
Outra marca do grupo Irajá é a Bastarda Pizza, que nasceu como uma dark kitchen na pandemia, e ainda há um braço de eventos. Com a venda para o Alife Nino, Artagão e seus antigos sócios abocanharam uma cifra não revelada, livraram-se das dívidas contraídas com a expansão e viraram sócios minoritários da holding de Silveira, Ávila e Isaack. O chef agora está à frente das cozinhas de todos os bares do grupo e do Irajá Redux.
Rodolfo de Santis não trabalha mais na holding, embora continue a figurar como sócio. Foi substituído por outro chef italiano, Marco Renzetti, que vai se ater ao cardápio do Nino Cucina, hoje com unidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e Belo Horizonte.
Ele despontou na extinta Osteria del Pettirosso, nos Jardins, e hoje comanda o Fame, na mesma região, agraciado com uma estrela Michelin neste ano. Para selar a contratação de Renzetti, o Alife Nino virou sócio minoritário do Fame. Marcelo Guimarães deixou o grupo.
O dinheiro injetado pela XP já foi embora faz tempo. “A expansão tem sido alimentada pelo dinheiro gerado pela própria empresa”, explica Silveira. Ele e os demais sócios controladores, diz, não têm a intenção de passar o negócio adiante e que outras operações de M&A (fusões e aquisições) estão nos planos.
“Não temos restaurante japonês, por exemplo, nem de comida francesa e de frutos do mar, assim como casa de carne, padaria, confeitaria ou hamburgueria”, enumera. “Não traremos tudo isso para o grupo, necessariamente, mas são possibilidades.”
Ao que Ávila acrescenta: “Estamos de olho, principalmente, em grupos que faturam entre R$ 50 milhões e R$ 150 milhões por ano”. A aquisição de empresas maiores não está descartada, mas demandaria a obtenção de novos aportes. O foco do Alife Nino, que também cogita criar novas marcas por conta própria, são estabelecimentos “com DNA gastronômico”, como os sócios controladores costumam falar — eles torcem o nariz, por exemplo, para redes que apostam em praças de alimentação de shoppings. Não que sejam contrários à abertura de unidades em centros comerciais: a meta é replicar marcas como Ninetto e Irajá Redux em tudo que é shopping.
Hoje o grupo marca presença em quatro regiões do país — só falta o Norte, que também está nos planos. Acostumados a tomar decisões baseadas, principalmente, em cifras, Silveira, Ávila e Isaack dizem que não têm nenhum problema em fechar unidades que não vingaram — diferentemente de muitos empresários do ramo que se deixam levar pelo apego ao que construíram.
“Se erramos um tiro, vamos para o próximo”, resume o CEO. A expansão do grupo se traduz em faturamentos maiores e também em negociações melhores com fornecedores — daí a eficiência financeira crescente da holding. Os custos fixos dela, atualmente, representam 6,5% do faturamento e a meta é baixar para 5%.
Foi-se o tempo em que os restaurantes e os bares do país tinham dois ou três donos. “Temos mais sócios que o Clube Pinheiros”, Edgard Bueno da Costa chegou a brincar, em entrevista ao Valor, ao resumir o quadro societário de sua empresa, a Cia. Tradicional do Comércio (CiaTC).
O estabelecimento de número 1, o bar Original, em Moema, abriu as portas em 1996. De lá para cá, a companhia se converteu em um gigante com uma porção de redes, a exemplo da Bráz, do Astor, do Pirajá e da Lanchonete da Cidade. Em 2014, uma fatia da companhia foi abocanhada pelo fundo 2+Capital, que pertence aos maiores acionistas do Boticário, Artur Grynbaum e Miguel Krigsner, o fundador da marca de perfumes e cosméticos.
A receita de crescimento seguida pela CiaTC é a de replicar suas próprias marcas, criando uma novidade ou outra pelo caminho, a exemplo da Bráz Trattoria e do speakeasy Câmara Fria.
Já os irmãos Antonio e Manoel Alves são adeptos da mesma estratégia adotada pelo Alife Nino. A dupla está por trás das redes Graal, América, Barbacoa, Due Cuochi e Rancho Português, num total de 150 casas. Dois anos atrás, a empresa abocanhou metade do grupo Adega Santiago, comandado pelo restaurateur Ipe Moraes. Engloba a rede de bares de mesmo nome e dois estabelecimentos restritos a São Paulo, a Casa Europa e a Taberna 474, além do Arroz Malandro, uma marca de delivery.
Com a venda, Moraes passou a ser dono só de metade da Casa Europa, da qual era o único proprietário, e de 25% das demais marcas. Nelas, seus sócios eram os irmãos Marcos e Marcello Bandeira de Mello, que passaram a ter, cada um, só 12,5% de participação.
“Basicamente, os novos sócios me procuraram dizendo que queriam se juntar a nós e que não tinham nenhuma intenção de encher o saco”, disse Moraes ao Valor. “Respondi que, da minha parte, as intenções eram as mesmas.”
Empresários do ramo decididos a se contentar com apenas um endereço são cada vez mais raros, aparentemente. O grupo Ráscal, por exemplo, surgido em 1975, hoje tem 18 unidades de cinco marcas — Ráscal, Cortés e Più são as mais conhecidas — e 1.400 trabalhadores. No ano passado, atendeu mais de 3,5 milhões de clientes. Fundada em 1983, a pizzaria 1900 já possui 11 unidades e 280 trabalhadores fixos, além de 180 terceirizados. Serve 570 mil pizzas por ano e atende 290 mil pessoas.
Um dos grupos gastronômicos mais conhecidos do Rio de Janeiro pertence ao restaurateur Marcelo Torres. O BestFork faturou R$ 160 milhões no ano passado e pretende chegar a R$ 200 milhões neste ano. São 1,2 milhão de clientes por ano, quase 1.000 funcionários e 8 empreendimentos, todos na capital fluminense, entre o Centro e a Barra da Tijuca: Giuseppe, Giuseppe Grill, Giuseppe Mar, Giuseppe SQ, Nolita, Nolita Roastery, Yusha e Xian, além de um espaço de eventos em São Conrado, o Villa Riso, e do bufê Laguiole.
Torres é o único dono de tudo, à exceção do Xian, do qual detém 70% — o percentual restante pertence a investidores. “Não ter um bando de sócios foi positivo para a expansão da minha empresa”, avalia o restaurateur, que passou a conceder pequenas participações a alguns funcionários de uns anos para cá. “Diria que 90% dos passos que dei foram baseados na minha intuição.”
Desde 2002, ele não exerce nenhum cargo operacional no BestFork. “Já fui gerente de diversas áreas, mas hoje não faço nada”, brinca. “Assim, consigo ter uma visão global da empresa e identificar o que está dando errado.”
Quando abriu seu primeiro restaurante, o Giuseppe, em 1993, Torres trabalhava na Multiplan. A sede da empresa de investimentos imobiliários fundada por José Isaac Peres ficava no Centro do Rio de Janeiro — daí sua vontade de montar o italiano no mesmo bairro.
“Para almoçar, faltavam boas opções, com comida autêntica e serviço diferenciado”, recorda. Em 1997, no imóvel vizinho, Torres inaugurou o extinto Laguiole, que depois foi transferido para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e ganhou uma estrela Michelin.
Inaugurado em março, o Nolita Roastery ocupa 3.500 m2 do New York City Center, que integra o BarraShopping — é um dos centros comerciais mais conhecidos da empresa de Peres, de quem Torres é muito amigo. Na novidade, o restaurateur investiu R$ 24 milhões. Com capacidade para atender mil pessoas simultaneamente, dispõe de cinco operações distintas: o restaurante Nolita NY; a confeitaria Milkbar; a Fantástica Fábrica de Doces Nolita; um bar e o Nolita Roastery. Este último tem capacidade para fazer a torrefação de até meia tonelada de grãos de café por dia.
“Se eu fosse dono de uma única marca com várias unidades seria muito mais fácil”, diz Torres. “Mas não consigo repetir quase nada, o que dá muito mais trabalho.”
Fonte: Valor Econômico