Por Fátima Fernandes | No último dia 27 de junho, a Zara do shopping Pátio Higienópolis lembrava aquelas lojas de preços baixos no Centro de São Paulo, com peças amontoadas em mesas e socadas em cabides.
Pela movimentação da clientela, de fora, era possível ver que a rede espanhola tinha dado início à sua liquidação de inverno, bem no auge da estação, com descontos de até 70%.
Em busca de boas oportunidades de preços, clientes, com amontoado de peças nas mãos e até nos ombros, aguardavam em fila a vez para entrar nos provadores da loja.
Assim como a Zara, outras redes reduziram os preços da coleção de inverno, justamente em um mês em que, no passado, seria um dos melhores para vender com preços cheios.
As altas temperaturas em pleno inverno estão mexendo com o planejamento das coleções e levando as redes a antecipar cada vez mais as liquidações para acabar com os estoques.
Quando as estações eram mais definidas, as liquidações de inverno ocorriam no final de julho e início de agosto. Neste ano, em maio e junho as redes viram que já era a hora de liquidar.
“Cada lojista sabe quando aperta o sapato. Se não tem frio e tem estoque, é hora de liquidar”, diz Nelson Tranquez, vice-presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) do Bom Retiro.
Não é de hoje que os lojistas estão diminuindo o volume de peças para o inverno. Lojistas ouvidos pelo Diário do Comércio mencionam redução de 25% na quantidade de peças.
Tranquez, diretor da Loony, confecção especializada em jeans, diz que, no passado, a confecção fazia entre 600 e 900 peças por modelo. Hoje, entre 300 e 400.
“Diminuímos a quantidade por modelo e aumentamos o número de modelos, com uma redução de 10% a 12% no volume total em comparação com período antes da pandemia.”
Hoje, diz ele, o lojista não pode ter coleções engessadas como antigamente e tem de ser muito mais rápido na desova de estoques, observar muito mais o mercado e, agora, o clima.
“As coleções estão bem mais versáteis, mais adaptáveis, até porque as taxas de juros estão muito altas e não dá para ficar com estoque parado”, afirma.
O INMET já anunciou que as temperaturas estão acima da média histórica neste ano, situação que não deve mudar nos próximos meses.
Como consequência, o varejo brasileiro deve vender neste inverno cerca de R$ 600 milhões a menos do que em igual período do ano passado.
O faturamento do varejo no período de inverno (maio e junho) deve ser da ordem de R$ 14,09 bilhões, 4,1% menor do que em igual período do ano passado (R$ 14, 66 bilhões).
O cálculo foi feito pela CNC (Confederação Nacional do Comércio), cruzando dados da PMC (Pesquisa Mensal do Comércio), de crédito do BC (Banco Central) e de rendimento (PNAD).
“Os números mostram que as altas temperaturas já provocam um efeito de ordem econômica, tirando quase R$ 600 milhões de vendas das lojas”, diz Fábio Bentes, economista da CNC.
Marilene Araújo, head de expansão do grupo Soma, que reúne 12 marcas, entre elas Reserva, Farm, Maria Filó, Hering e Schutz, diz que, em geral, está mais difícil planejar as coleções.
A cada ano, diz ela, as coleções estão menos caracterizadas e mais focadas em tendências, cores. No inverno, cores mais sóbrias e, no verão, mais quentes, por exemplo.
“O que muda são as paletas de cores. Agora, os lojistas têm de ter peças de inverno para alguns dias de frio, mas não em grandes volumes”, afirma.
Leninha Palma, CEO da Caedu, com 89 lojas, a maioria na Grande São Paulo, diz que a falta de frio já comprometeu as vendas para o Dia das Mães, em maio.
“As promoções começaram logo depois, já que o Dia das Mães já é um evento de inverno. Para animar as vendas, reduzimos em 20% os preços de algumas peças”, diz.
Nesta semana, a rede deu início à sua liquidação, com descontos de até 70%. “O nosso estoque já está equilibrado”, afirma.
A Caedu não investe mais em peças pesadas, como casacos e jaquetas, e sim em malhas de manga longa e moletons. “As peças já estão adaptadas para o nosso clima”, diz.
Fonte: Diário do Comércio