Por Adriana Mattos
Em cerca de dois meses, a rede de moda Marisa começou a reorganizar o seu braço de negócios financeiros, fez baixas e revisões contábeis de classificações falhas e montou um plano de reestruturação operacional e de dívidas, ainda em andamento, na tentativa de virar uma página.
As ações devem ser concluídas ainda em 2023, mas o maior impacto das revisões de despesas devem aparecer no balanço a partir de 2024, caso as condições atuais não se deteriorem.
“Temos que fazer a nossa parte, que é esse esforço em despesas. A empresa precisa sair mais saudável de todo esse processo, porque é insustentável continuar queimando caixa e não pagando nenhum centavo de dividendo”, disse o presidente João Nogueira Batista, no cargo desde fevereiro, em entrevista após a publicação dos números do quarto trimestre de 2022. A ação fechou o pregão desta segunda-feira na B3 em queda de 6,25%.
— Foto: Valor
O projeto em andamento, liderado pela nova direção com apoio da Galeazzi Associados, envolve o fechamento de 92 lojas das 334 nos próximos meses — sendo 20 até abril — que deve levar a uma geração de quase R$ 70 milhões em lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação (Ebitda, da sigla em inglês) a mais por ano, segundo a empresa.
Isso, obviamente, considerando a manutenção das atuais condições de mercado que afetam o desempenho. A redução da base de lojas equivale a 27% do total.
O plano apontou 25 lojas com margem de contribuição negativa, sem condições de serem mantidas. Descontando essas unidades o total passaria a 309. Mas a consultoria identificou outras 67 lojas que não conseguiriam voltar ao Ebitda positivo, e chegou, assim, a 92 unidades a serem fechadas.
Após os encerramentos, a receita anual deve recuar para cerca de R$ 2,1 bilhões — foi de R$ 2,78 bilhões em 2022, no varejo e na Mbank (braço financeiro), e R$ 2,23 bilhões só no varejo.
Ainda estão previstos outros R$ 20 milhões a R$ 30 milhões em redução anual de despesas operacionais com os fechamentos. “Serão R$ 100 milhões em Ebitda novo para 2024, e com espaço para gerar, ao fim desse ano ano, Ebitda de R$ 15 milhões”, disse o CEO.
O indicador ainda é negativo na rede, apesar de recente melhora. A cadeia apurou Ebitda ajustado em varejo de R$ 17 milhões (era negativo em R$ 107 milhões em 2021) para uma dívida líquida de R$ 560 milhões no ano. Em relatórios ontem, analistas alertaram para risco de a rede quebrar “covenants”, os indicadores ligados a Ebitda, que precisam que ser respeitados nos acordos com bancos credores.
Os fechamentos vão requerer gastos de R$ 50 milhões, mas Nogueira entende que o ritmo de encerramento vai ser gradual, até pela questão da origem dos recursos. “Não temos nenhum problema de financiamento, de redução de despesas com o fechamento de lojas, mas lógico que se o Santander e outros bancos não voltarem a emprestar em breve, talvez tenhamos que desacelerar a redução do SG&A [sigla para despesas operacionais]. Mas estamos contando que devemos fazer tudo até o fim do ano”, disse ele.
Para ter o ganho com o fechamento, é preciso gastar em rescisão de trabalhadores e fim de contrato de aluguel, por exemplo.
Nogueira está no cargo com a função de implementar os ajustes necessários, segundo aval da família Goldfard, que controla a rede.
Como informado, também em fevereiro, a empresa abriu renegociações com quatro bancos (Santander, Bradesco, ABC e Caixa), com apoio da BR Partners, para rolagem das dívidas de curto prazo de cerca de R$ 200 milhões.
A varejista já passou por outras reestruturações e apresentava melhora nas receitas após um plano estratégico em 2019. Só que o aumento do endividamento depois da pandemia, somado a alta nos juros, e vendas afetadas pela crise de demanda, veio pressionando o seu desempenho.
Ontem, em teleconferência sobre resultados com analistas, o CEO ainda comentou o aporte dos sócios controladores no braço da MPagamentos, após reorganização dos negócios financeiros, que estavam “confusos”, disse. Serão aportados R$ 90 milhões na MPagamentos porque a operação estava fora do índice de Basiléia, e mais R$ 26 milhões podem ser injetados pelos controladores, segundo plano apresentado ao Banco Central.
Os papéis do MBank e da MPagamentos foram redefinidos para dar mais transparência a suas funções. A MCartões Administradora de Cartões de Crédito passa a ser apenas uma prestadora de serviços de adquirência, e a MPagamentos concentrará as atividades de serviços financeiros, e nela fica a parte a ser regulada pelo BC.
Ainda sobre a decisão da rede, após a troca de comando, de abrir um processo de revisão e auditoria interna dos números, a Marisa disse que não havia “nada fraudulento”, e era parte do processo de mudança de comando. “Não há nada nem perto ou parecido com o que se viu no setor”, disse, ao citar antes o rombo de R$ 20 bilhões identificado na Americanas em janeiro.
No total, os efeitos para a Marisa foram de R$ 132 milhões. Houve uma baixa de receitas registradas de forma equivocada de cerca de R$ 50 milhões, relativa a bonificação sobre celulares, e a reclassificação de investimentos para a linha de despesas na soma de R$ 48 milhões. No varejo, ambas as linhas são temas comuns de alertas de auditorias em seus pareceres.
Ainda houve a revisão de provisão para contingências de cerca de R$ 34 milhões. O comando da Marisa entende que há limitado efeito contábil desses ajustes no balanço, e diz que a reorganização das operações financeiras mostra maior “transparência” e o comprometimento dos sócios com o negócio.
A direção da Marisa ainda destacou o ganho de margem bruta, que passou de 47,3% no quarto trimestre de 2021, para 51,9% no fim do ano passado (e no ano subiu de 45,3% para 50,1%), com redução de liquidações, melhor mix de venda e queda de 30% nos estoques. (Colaborou Felipe Laurence)
Fonte: Valor Econômico