Entrevista com Flávio Rocha, CEO da rede varejista Riachuelo
Rodrigo Carro
rodrigo.carro@brasileconomico.com.br
Patrícia Büll
pbull@brasileconomico.com.br
Qual a sua expectativa para a gestão do novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior?
Na última segunda-feira, foram duas reuniões com o Armando Monteiro.
Lá na Federação do Comércio, onde estive representando o IDV (Instituto de Desenvolvimento do Varejo), que eu presidi, e, depois, na Fiesp, usando meu outro chapéu, de industrial.
Ele está muito focado nessa questão da exportação.
Com muito menos esforço, você consegue capturar US$ 100 de mercado que os chineses ou a concorrência internacional estão perdendo aqui dentro. O esforço para você atravessar o oceano e ganhar essa quantia é muito maior.
O país tem condições de concorrer com os chineses?
Tanto na Fecomercio como na Fiesp, a constatação geral é a perda vertiginosa de competitividade. Primeiro, você pede a capacidade de exportar. Depois, começa a perder o seu quintal, o mercado doméstico. Isso ficou muito claro. Nós tivemos um grande momento de exportação, por volta de 2005, quando foi o pico de exportação. Deixamos de exportar, a balança se tornou negativa e começamos a perder terreno dentro de casa. O ministro só está falando em armas, linhas de crédito subsidiadas pelo BNDES, só fala em exportação. Só que é tãomais fácil você recuperar o terreno que perdeu aqui. Primeiro, você já causou uma estranheza no varejo, que foi o grande propulsor do que aconteceu de bom nessa década. Foi o instrumento da inclusão, de que o governo tanto fala.
A inclusão social não tem a ver, também, com o aumento da renda da população?
É uma discussão entre o que veio primeiro, a galinha ou o ovo. O ganho de produtividade da economia que leva ao aumento da renda. Se essa revolução, cujo grande impacto é o aumento de produtividade, não só no varejo. Nasce no varejo, mas contamina toda a cadeia com aumento de produtividade. O melhor cenário seria se nós tivéssemos conseguido conter a pesada carruagem que nós carregamos nas costas, chamada Estado, no mesmo tamanho de quando esta revolução começou, de 20% do PIB. Aí, a China seria aqui. Mas, infelizmente, nesse ganho de produtividade, os efeitos positivos foram parcialmente consumidos pelo inchaço da parcela improdutiva da sociedade pelo Estado, que cresceu por causa da formalização.Enquanto ela tem um efeito positivo de aumento na produtividade, tem um negativo de aumento no tamanho da carruagem. É como se você tivesse um automóvel, no qual você colocou um tubo compressor que ficou duas vezesmais potente. Mas a carroceria ficou duas vezes mais pesada. E a sinalização do governo é o ajuste fiscal pela via fácil, com ainda mais aumento no peso da carruagem. Ninguém está preocupado em mexer nas raízes da perda de competitividade, que é o inchaço dessa carruagem.
Qual o peso da formalização nessa expansão do varejo?
Na última reunião do IDV, a gente apresentou um estudo feito com a McKinsey, que mostra uma transformação muito interessante, na qual o varejo é protagonista. Foi a década da formalização. O Brasil é o país que mais se formalizou nesses dez anos. Dentro desse universo do Brasil, o setor que mais se formalizou foi o varejo. E a correlação entre formalização e produtividade é de um para um, total. Quando você formaliza, automaticamente vem um ganho enorme de produtividade. Uma farmácia de cadeia, de alta produtividade, é oito vezes mais produtiva do que a farmácia de fundo de quintal. Um supermercado de alta produtividade, um Carrefour, um Extra é seis vezes mais produtivo do que um supermercado de fundo de quintal. A loja de departamentos é cinco vezes mais produtiva. Esse efeito de ganho de produtividade tem um contágio em toda a cadeia de suprimentos. Quando você formaliza, o varejo tem esse poder de contágio.
A ênfase nas exporações atrapalha o varejo?
Acho que ele (Armando Monteiro) vai pegar o artilheiro, que fez boa parte dos gols nesse período, e colocar no banco de reservas.
Não dá para varejistas e exportadores caminharem juntos?
Não sei qual é a dose de competitividade adicional que ele (Armando Monteiro) tem na manga do colete para nos proporcionar. Tomara que seja grande a ponto de nos permitir recuperar não só o mercado doméstico, como vender camisa para a China. Não sei qual é a dose de surpresas boas que ele tem. Mas com a mesma dose de competitividade que ele puder proporcionar à indústria hoje, ou à economia brasileira… O timing é este: você perde a capacidade de exportar. A balança comercial de cada setor, em diferentes momentos, vira negativa. Ele (o concorrente estrangeiro) começa a invadir o seu jardim. Em nossa empresa, por exemplo, nós produziamos 80% de toda a confecção vendida. Nossa importação era de 5%. Isso em 2010. Em cinco anos, nós fomos de 5% para 35%. E nossa produção própria caiu para os mesmos 35%. A diferença é de terceiros.
Como avalia a política industrial brasileira?
A melhor política industrial é um ambiente de negócios business friendly. Nós temos um ambiente de negócios hostil. Não é só a carga tributária, que cresce absurdamente. No meu tempo de deputado, a carga tributária era 20% do PIB. De lá para cá, mais do que duplicou, porque tem o déficit. E as alíquotas são mais ou menos as mesmas. Quer dizer, a formalização, que trouxe todo esses fatores positivos, liderados pelo varejo, tem um lado perverso, que é o aumento da quantidade de dinheiro que vai para o que existe de mais ineficiente para um país, seja qual for, que é Estado. Com as mesmas alíquotas de 1994, a arrecadação foi de 20% para 37%, pela simples formalização. E ela vai continuar. Nós competimos com países que têm carruagens de 15% do PIB. A competitividade de um país é a relação de duas forças: a de tração, que puxa a carruagem, e o peso. Enquanto estamos correndo a mesma maratona com concorrentes nossos, com a Coreia e a própria China, que são corredores com uma mochilinha leve nas costas, só com o essencial, com uma mala sem alça de 37% do PIB, que, ainda por cima, nos traz um excesso normativo, regulatório, absurdo. O Código de Defesa do Consumidor é absurdamente exigente, a lei ambiental mais exigente do que a da Dinamarca; um aparato trabalhista absolutamente anacrônico, uma usina de conflitos que gera três milhões de causas trabalhistas por ano. Nós geramos, por hora, mais ação trabalhista do que o Japão em um ano. Por dia, geramos mais do que os EUA em um ano. Isso é custo Brasil na veia.
O ministro Joaquim Levy afirmou que o novomodelo econômico não serámais baseado no consumo,mas no investimento. Não há uma certa contradição aí?
É um falso dilema. Esse momento maravilhoso do consumo na última década não teve nada a ver com interferência estatal. Tem muita gente querendo ter a paternidade desse milagre do varejo, mas isso não tem a ver com bolsa isso ou aquilo, crédito, não. O crédito se deu naturalmente, com o controle da inflação. Mas o driver dessa boa revolução foi o desabrochar do varejo de alta produtividade, a cria- ção de um terreno que era inóspito. Essa revolução estava acontecendo desde os anos 80 lá fora, e não chegava aqui por causa da erva daninha da clandestinidade econômica.
A previsão de um crescimento minúsculo do PIB para 2015 não assusta?
O varejo tem crescido mais do que o PIB, em média três vezes mais. Mas com um crescimento tão baixo do PIB, é um número frustrante. Tem tudo a ver com o fenômeno de aumento do peso da carruagem. Seja qual for o ano que você analise, concluirá que a carruagem vai parar. Ela não vai parar só porque está pesada demais para sua força de tração. O excesso normativo pesa tanto quanto a carga tributária.
Vários governos já prometeram a reforma trabalhista, mas não a realizaram …
Falta um direcionamento de propósito.
Se você fala em reforma tributária, todo mundo quer.
Os prefeitos querem, sob a alegação de que os municípios estão morrendo a míngua.
Entre os governadores, 100% de adesão, porque precisam de mais dinheiro para gerir os seus estados.
A União quer a reforma para resolver o déficit público, como está fazendo agora.
Todo mundo tem sua visão sobre a reforma, mas são colidentes.
A reforma que está na cabeça de 7 mil prefeitos não é a que está na cabeça dos empresários, nem a mesma que está na cabeça dos sindicalistas.
Não precisamos convocar forças com visões tão díspares para uma reforma tributária genérica.
Precisamos de reformas com vistas à competitividade.
Ou nós recobramos a competitividade ou estão em risco todas as conquistas recentes.
A redução da desigualdade, a estabilidade da moeda e, em última análise, até a democracia.
É isso que essas forças precisam entender.
São as três grandes conquistas recentes, que vieram através de consensos.
Agora, o consenso que parece estar ficando mais claro na cabeça de toda a sociedade brasileira é o da competitividade.
Não existe melhora na qualidade de vida sem prosperidade.
A melhoria das condições de trabalho não se dá por leis e bondades aprovadas no congresso, mas pelo aumento da demanda por mão de obra.
Brasil Econômico – SP