Por que marketplaces e plataformas digitais de estilo abrem cada vez mais espaço para marcas independentes
Por Daniel Salles
Fundada pela jornalista francesa Alexandra Senes, a grife Kilometre Paris é voltada para mulheres que adoram viajar e não resistem a incorporar um pouco do estilo de vida de cada destino visitado. Todas as peças evocam um inegável clima de férias e exibem bordados feitos à mão por artesãos das mais diferentes localidades — cada item vem acompanhado de um mapa de viagem com a origem e a história do produto. Dá para arrematar desde um casaco com estampas tropicais vindo de Araucanía, no Chile, até bonecas de pano confeccionadas por refugiadas afegãs, além de bolsas despojadas.
“A Kilometre Paris dificilmente conseguiria montar uma loja ou operação no Brasil por conta própria”, diz Mario Meirelles, chief digital officer dos shoppings Iguatemi. Ele é o responsável pelo e-commerce do grupo, o Iguatemi 365 (iguatemi365.com), no ar desde outubro de 2019. Das 400 marcas à venda na plataforma, quase 200 podem ser classificadas como independentes.
E uma delas é a Kilometre Paris, cujas chemises custam a partir de 4.930 reais no site. “Ajudar pequenas marcas a ganhar espaço é um dos grandes objetivos do nosso e-commerce”, informa Meirelles. “Atuamos como uma incubadora e nos encarregamos do cadastro dos produtos e da entrega em marketing.”
Outra marca de pequena escala que entrou para o portfólio da plataforma é a do designer e ceramista americano Jonathan Adler — a Barneys comprou sua coleção de potes em 1993 e, cinco anos depois, abriu a primeira loja da grife, em Nova York; hoje são dez. No 365, uma almofada de algodão assinada por Adler sai por 1.480 reais. Para grifes internacionais, o site também funciona como um laboratório capaz de medir as chances de êxito de uma loja física em solo brasileiro — sem a necessidade de investimentos vultosos ou grandes estoques. A Balenciaga é uma das que optaram pelo caminho mais arriscado: a grife espanhola debutou no 365 em abril de 2021, no mesmo mês em que inaugurou sua loja no JK Iguatemi, a primeira na América do Sul.
Determinado a se firmar como o maior e-commerce de alto padrão do país, o site também abre as portas para marcas brasileiras independentes. É o caso da Così Home e da Oriba. A primeira, que mantém uma loja no Jardim Paulista, em São Paulo, foi fundada em 2013 pelas empresárias Gabriela Lorenzetti e Juliana Couto. Comercializa desde pratos de terracota espirituosos, a 56 reais, até almofadas estilosas de 206 reais. Da Oriba, fundada no mesmo ano por um trio de amigos e hoje com três lojas físicas em São Paulo, dá para adquirir, por exemplo, camisetas de algodão reciclado — partem de 100 reais — e malas com tecido antiviral por 720 reais.
Como era de esperar, o braço online do grupo Iguatemi ganhou um empurrão da pandemia, que manteve os shoppings fechados por um longo período e virou do avesso boa parte do varejo. O faturamento da plataforma é mantido em sigilo, mas Meirelles informa que o volume de visitas no terceiro trimestre de 2021 foi cinco vezes maior do que no mesmo período do ano anterior.
Prova do sucesso do 365 é o espaço físico que ele vai ganhar, temporariamente, no Shopping Iguatemi. Em parte da área que era ocupada pela Livraria Cultura, as marcas listadas no e-commerce poderão montar pequenos estandes a partir de dezembro. Os clientes poderão experimentar os produtos, mas não levá-los para casa. Para compras, precisarão acessar a plataforma — a JHSF montou espaço similar para seu e-commerce, o CJ Fashion, no shopping derivado do Cidade Jardim, o CJ Shops.
Oriba: marca de moda masculina com proposta sustentável, com três lojas próprias e presença no Iguatemi 365 (Divulgacão/Divulgação)
Lançado em outubro deste ano, o marketplace From Future (fromfuture.com.br) reúne apenas marcas independentes. Mas isso desde que elas causem algum tipo de impacto socioambiental positivo — com as que jogam sujo, portanto, não há nenhuma conversa. Faltou dizer que a plataforma se encarrega de checar se as marcas oferecidas colocam em prática o que prometem. “Muita gente não dá preferência a produtos sustentáveis apenas em razão do esforço necessário para encontrá-los e do receio daqueles que são socioambientalmente corretos apenas no discurso”, diz Mariana Venturini, a fundadora da novidade.
Vegano, orgânico, natural e reciclado são termos que abundam no From Future, atualmente com 20 marcas no portfólio. Uma delas é a Amarsi, criada há três anos pela estilista Luiza Pitliuk, que diz só utilizar tecidos sustentáveis e recorrer ao ateliê de uma costureira trans. A grife foi idealizada para mulheres que praticam esportes e também para aquelas que não vivem sem ioga ou meditação — as leggings custam a partir de 112,50 reais e os tops partem de 86 reais. Já a Greenco, outra marca do portfólio, dá preferência ao linho desenvolvido com óleo de casca de laranja e ao algodão cultivado com rotação de culturas e sem agrotóxicos. Um vestido custa 229 reais e as camisetas partem de 129,90 reais.
Formada em administração de empresas em Londres, Venturini diz ter adquirido a vontade de contribuir com o consumo consciente ao longo do estágio de um ano que fez durante a faculdade. Foi na Stella McCartney — a grife da filha de Paul McCartney foi uma das primeiras a vetar o uso de couro, peles e penas, e a se comprometer com a preservação do meio ambiente. “Mudou minha cabeça”, conta a administradora de 27 anos.
Nordestesse: plataforma colaborativa quer amplificar e fomentar o talento de empreendedores do Nordeste (Ale Virgilio/Divulgação)
Para dar os ajustes finais no marketplace, ela se baseou em uma pesquisa recente da consultoria mineira Opinion Box. De acordo com o levantamento, 82% dos brasileiros consideram a sustentabilidade um tema importante e 37% já deixaram de consumir produtos de companhias descompromissadas com a preservação do ambiente. Outro dado encorajador: 62% da população topa pagar mais caro por itens que agridam menos a natureza.
“Não há um jeito certo e um errado de consumir com consciência, o que importa é o primeiro passo”, defende Venturini. “Queremos destacar pequenas marcas que fazem a diferença.” É um mercado com enorme potencial. Segundo a consultoria YipitData, do 1,5 milhão de varejistas de moda do Brasil, apenas 73.000 estão digitalizados. O setor todo movimentou 152 bilhões de reais em 2020.
Lançado em setembro passado pela jornalista Daniela Falcão, o Nordestesse não é exatamente um marketplace. Trata-se de uma plataforma colaborativa cuja missão é documentar, amplificar e fomentar o talento de empreendedores e criativos de todos os estados do Nordeste. É o caso do estilista baiano Gefferson Vila Nova, que une a alfaiataria ao vestuário esportivo. Mas a plataforma também abrange design, artes visuais, gastronomia e turismo. “São marcas com um DNA autoral do Nordeste, com produtos que conversam com a contemporaneidade e poderiam estar na prateleira de qualquer grande loja”, resume Falcão.
Fundada em 2013, a Key Design tem atributos parecidos — tirando o fato de que é do Paraná e o empurrão do ator Caio Castro, sócio da empresa. Com joias masculinas como carro-chefe, a grife é uma das marcas independentes que integram o ZZ Mall (zzmall.com.br), o marketplace que a Arezzo&Co lançou em outubro de 2020. Das mais de 60 marcas do portfólio, a maioria não pertence ao grupo fundado pela família Birman. “O que impera hoje no setor é uma vontade de cooperar e competir ao mesmo tempo”, sustenta Maurício Bastos, diretor executivo de transformação digital da empresa. “Não há conflito em ajudar um concorrente a ganhar espaço, até porque ficamos com uma comissão.”
Grifes independentes não passam de 15%, mas a meta é abrir cada vez mais espaço para elas. Uma das mais comentadas desse segmento é a Ginger, cuja sócia mais conhecida é Marina Ruy Barbosa, que exerce o cargo de diretora de moda do ZZ Mall. “Só depois que trouxemos a atriz descobrimos que ela estava montando a própria grife”, lembra Bastos.
“Mas em nenhum momento isso foi visto como um conflito.” Ele conta que o faturamento da plataforma em outubro foi três vezes maior do que o registrado no mesmo mês de 2020 e que ela já está próxima de atingir o break even. “Enxergamos potencial para a abertura de lojas físicas”, diz. Ao que parece, os gigantes estão indo mais longe com a ajuda dos pequenos.
Fonte: Exame