Uma das tendências mais recentes – e mais preocupantes – que observamos é o crescente pendor de pessoas, consumidores, cidadãos por viverem em “bolhas cognitivas”. Por trás dessa expressão, que nos induz a pensar em teses psicológicas, está o efeito danoso, e ainda pouco explorado e estudado, do alinhamento por afinidade, derivado de nossa ainda infante experiência nas redes sociais.
Construídas com a promessa de aproximar os seres humanos e de permitir a publicação de impressões, ideias, momentos e reflexões, as redes sociais são hoje o império comandado pelo algoritmo. A premissa é de aproximar pessoas por pensamentos e gostos afins. Essa escolha, elaborada para facilitar a inserção de publicidade nas timelines, ou seja, nos históricos de publicações, fez com que as pessoas em geral, membros das diferentes redes, vivessem no conforto de se expor e de compartilhar apenas ideias que obtivessem concordância, “likes” ou “curtidas” dos “amigos” devidamente aceitos. Essa ideia de mundo regido por afinidades de pensamento criou cápsulas, bolhas, nas quais todos os envolvidos se dedicaram, então, a aceitar candidamente as mesmas ideias, os mesmos comportamentos, com pouco espaço para o contraditório, para o debate, para a troca.
Esse fenômeno, aliado (e potencializador) à insatisfação com a atividade política e à explosão de informações de natureza duvidosa – fake news –, provocou uma onda de polarização e intolerância. Em resumo: ou concordamos ou discordamos de pessoas, de partidos, de políticos, de causas, do que for. A consequência, para além da aniquilação do espaço saudável de debates, na criação de meios-tons e na busca por soluções mais criativas para os problemas que enfrentamos, é a de estarmos quase todos confortavelmente instalados em nossas “bolhas cognitivas”, pregando e falando para os convertidos e soltando em conjunto impropérios para os “não convertidos”. Um mundo em preto e branco, sem espaço para os matizes, e uma vida jogada ao sabor do Fla-Flu diário.
E então, na luta diária pela conquista do consumidor, oxigênio que faz respirar negócios e o mercado, empresas e executivos estão diante de uma nova dificuldade: lidar com consumidores que pensam de acordo com a bolha que os envolve. Parece lógico acreditar que entre os clientes de uma empresa haverá clientes alinhados com um extremo ou outro. Mas até que ponto o elemento polarizador não pode transbordar e afetar negócios, vendas e campanhas de uma rede varejista?
Há pouco tempo, uma grande rede de cosméticos lançou uma campanha publicitária enfocando uma família afro-americana. A ideia era promover e valorizar não só a igualdade como também a inclusão e a diversidade. Em tese, uma iniciativa digna de aplauso, certo? Pois a patrulha do outro extremo não se dedicou a infestar as redes sociais – sempre elas! – para criticar a campanha, ressaltando um ridículo “racismo às avessas”, pela ausência de pessoas de cor branca? A atitude da varejista, corajosa, nesses tempos encapsulados, foi justamente celebrar a diversidade, e a capacidade de ser uma loja para todos. Não é possível que em pleno século 21 tenhamos de acreditar que uma campanha bem-feita e plural possa gerar polêmica e comentários nauseantes.
Nesse sentido, as empresas em geral, e as varejistas, precisam funcionar como agentes capazes de mostrar o valor da convivência, reagir aos estereótipos, oferecer ambientes nos quais a tolerância e o respeito ao próximo, seja como for o próximo, sejam valores indiscutíveis. Claro, é necessário começar de dentro, reduzindo as barreiras – sobretudo as mentais – que inibem a diversidade no âmbito interno, para que os clientes possam saber que são bem recebidos, respeitados e valorizados. Uma loja deve ser sempre um espaço que impele as pessoas para fora de suas bolhas, onde percebam que conviver com pessoas que pensam diferente só tende a fazer bem. A liberdade de escolha que todos exercemos antes de uma decisão de consumo é uma ponte formidável para unir extremos e promover conversas e trocas de ideias.
A loja, o local onde consumimos, escolhemos e realizamos sonhos, pode ser sempre um espaço de convivência, onde podemos ser um pouco mais e melhores humanos.
Fonte: Novarejo