Por Paulo Gratão | O varejo brasileiro enfrentou uma série de desafios em 2023 e, sem dúvida, os mais emblemáticos foram os que expuseram situações econômicas difíceis, como o escândalo da Americanas, em janeiro, e a revelação da crise da SouthRock, que administra localmente a marca Starbucks, no fim de outubro.
No entanto, também foi um ano de fortalecimento das lojas físicas, sobretudo como meios de experiência e de mídia com o consumidor. “É possível que ainda tenhamos uma ou outra recuperação judicial, mas o pior já passou, eu acho que quem estava flertando com o abismo, caiu. Agora estamos olhando para uma retomada, temos um horizonte com mais melhora do que uma deterioração”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
As lojas físicas se provaram mais importantes do que nunca, na visão de Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls. A tendência deve seguir o que foi plantado ao longo de 2023, com a retomada do fluxo aos shoppings e escritórios, mas uma maior adaptabilidade do consumidor ao digital. “2023 consolidou a ideia de que o físico e digital são dois lados da mesma moeda. Não existe ou um ou outro”, diz Marinho.
O e-commerce deu sinais de desaceleração, sobretudo na última Black Friday. No entanto, ainda se manteve em patamares mais altos do que no pré-pandemia. Terra vê esse movimento como uma “acomodação”, que deve se manter nos mesmos níveis no próximo ano..
A seguir, confira outras tendências para o setor de varejo em 2024.
1. Tecnologia, mídia e IA
O multicanal já é uma realidade e deve ser aprimorado ao longo do próximo ano. No entanto, a grande aposta é que 2024 será a aterrissagem da inteligência artificial nos negócios, na visão de Eduardo Terra, da SBVC. De acordo com ele, a discussão, análise e aprendizagem foram feitos em 2023. Agora, a ferramenta terá uma agenda ampla no varejo, que influenciará diversas áreas, como análise de crédito, alocação de pessoal, sortimento e estoque. “A mágica da IA é que ela está chegando de forma relativamente democrática, pega do pequeno ao grande varejista”, diz.
Luiz Alberto Marinho, da Gouvêa Malls, chama atenção para a utilização das lojas físicas como mídia, o que deve crescer no próximo ano e se tornar uma nova fonte de renda para empreendedores. Grandes empresas, como a Raia Drogasil, criaram frentes para lidar com o chamado retail media, inserindo anúncios em displays nas lojas, e o tema deve ganhar mais adeptos no próximo ano. “Quem usar o ponto de venda apenas para vender vai começar a perder oportunidades”, diz.
2. Lojas menores e mais inteligentes
O consumidor voltou a frequentar shoppings centers, mas não com a mesma intensidade de 2019 (ano pré-pandemia). Dessa forma, os varejistas devem rever o tamanho dos pontos de venda. Para isso, será necessário um estudo rigoroso para equilibrar estoque, sortimento, experiência e ainda atrair novos clientes – que será um desafio ainda maior.
Na visão de Marinho, a tecnologia de dados, que podem ser coletados a partir das vendas identificadas, e a IA são as principais aliadas para que o empreendedor consiga obter essas informações com mais clareza.
3. Consolidação de novos pontos de venda
Nos últimos anos, o varejo percebeu que não precisa depender apenas de shopping centers e lojas de rua. Marinho acredita que a adoção de pontos alternativos de venda se consolide em 2024, sobretudo em strip malls – galerias que fortalecem o varejo de vizinhança –, aeroportos, estações de trem e metrô e terminais de ônibus, além de parques verdes e equipamentos que foram privatizados e passaram a abrir alamedas de comércio. “Hoje existe uma diversificação das estratégias de expansão que tende a acelerar no ano que vem”, diz.
4. Profissionalização do varejo de proximidade
O avanço da rede de minimercados Oxxo, em São Paulo, mostrou que o varejo de vizinhança não foi uma onda de 2020. Mesmo com a consolidação do trabalho híbrido, ainda há espaço para negócios que atuem na vizinhança do consumidor.
“Isso tem muito a ver com a mudança mais longa que o varejo brasileiro tem vivenciado, tornando-se menos informal. Concorrer com a informalidade é quase impossível. Como ela vem caindo, por vários motivos, seja por leis ou meios de pagamento mais digitais, abre uma oportunidade para redes de loja de conveniência, como já acontece em vários países do mundo”, analisa Terra.
Marinho acredita que o avanço da Oxxo seja só “a ponta do iceberg”, e que as marcas mais profissionalizadas tendem a seguir o mesmo caminho, levando um varejo de proximidade multicanal para os bairros. “A venda não começa mais na hora que as pessoas saem de casa ou vão para um strip mall. As marcas que estão mais preparadas tendem a ganhar participação”, diz.
5. Consumo impulsionado pela queda nos juros
Com os juros em um patamar menos elevado do que em 2023, o consumidor deve voltar os olhos novamente para itens de maior valor, como eletrônicos e eletrodomésticos. Terra cita também questões como o programa governamental Desenrola, que tem ajudado a regularizar as finanças dos consumidores, devolvendo uma massa importante para o jogo das compras parceladas. “Crédito mais barato e mais disponível vira alavanca para produtos de maior valor”, diz.
Entretanto, a polarização entre varejo de luxo e o de itens mais acessíveis deve se intensificar, segundo Marinho. “O varejo ‘de valor’ fala com uma parcela significativa da classe média que busca rentabilizar o orçamento priorizando marcas importantes com valores mais acessíveis”, diz. Ele menciona como exemplo os atacarejos, que já não atendem apenas a baixa renda, e a aposta de diversas redes varejistas por marcas próprias no sortimento, como a Decathlon.
O risco, aponta o especialista, é ficar “no meio do caminho”, sem oferecer a exclusividade do luxo ou os itens que representem um bom custo-benefício para o consumidor. Esse nicho tende a falar com cada vez menos gente. “Isso merece atenção e cuidado em 2024”.
6. Lupa nos gastos
Os exemplos vistos em empresas como Americanas e SouthRock farão com que os varejistas fiquem mais cautelosos com o caixa da empresa. Terra conta que isso já tem acontecido. “Os orçamentos estão muito responsáveis, há um olhar para o caixa, de pagar menos juros, e em 2024 o dinheiro ainda não será fácil. A previsão ainda é de racionalidade”, diz.
Esse cuidado vai se refletir nas decisões de investimentos. Marinho afirma que o ano terá um grande peso na busca pela eficiência operacional e será o período de acertar o ritmo de adaptação da gestão às mudanças econômicas, mercadológicas e de consumo. “Não dá para abrir uma loja e esperar seis meses para ver que não tem resultado. Os estudos serão ainda mais criteriosos”, diz.
7. ESG
As agendas ambientais e de diversidade deixaram de ser discussões de nicho e estarão cada vez mais enraizadas no modo de se fazer negócios. Isso envolve o varejo. “Vem sendo demandado pelas pessoas, pela sociedade. É uma agenda que tem que ser de todos”, diz Terra. De acordo com ele, as empresas têm entendido que os recursos são finitos e que uma equipe sem diversidade não traz ideias novas. “2024 deve ser um grande avanço nessas agendas”.
Fonte: PEGN