02/10/2015 às 05h00
Por João Luiz Rosa e Sérgio Ruck Bueno | De São Paulo e Pelotas
Se você nunca ouviu falar de um coletivo, saiba que é assim que são chamados os grupos que se reúnem com um objetivo em comum. Não há hierarquia, muito menos cargos, e, em muitos casos, os membros são voluntários que doam seu tempo, sem remuneração. As propostas são as mais variadas: de criar hortas comunitárias e fazer filmes a disseminar poesia ou estimular o uso da bicicleta, mas, independentemente do objetivo, prevalece uma aura alternativa, de quem nada contra a corrente. É o “tamo junto” aplicado a um contexto mais amplo e de caráter social.
É isso que torna tão curioso o fato de os integrantes do Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável, ou simplesmente Juntos, se comportarem como um coletivo, como eles se definem. Os princípios e a organização do trabalho, sem títulos ou formalidades, ditam o tom do programa, no que não difere de nenhum coletivo. Mas a peculiaridade são seus integrantes. No Juntos, estão homens e mulheres que comandam algumas das maiores empresas do Brasil e, agora, estão usando essa experiência para melhorar a gestão pública.
Em uma lista tão estrelada, é difícil destacar um ou outro nome, mas para dar uma dimensão do peso da representatividade empresarial estão no coletivo Pedro Paulo Diniz, do clã fundador do Grupo Pão de Açúcar; Ricardo Villela Marino, do Itaú Unibanco, e sua mulher, Patricia; Jorge Gerdau, dono da maior siderúrgica do país; e Rubens Ometto, da Cosan, a gigante brasileira de açúcar e álcool. Todos são pessoas acostumados a tomar decisões que atraem a atenção do público sobre sua personalidade, algo que fica em segundo plano quando o assunto, como o nome já diz, é o coletivo.
O trabalho do Juntos está concentrado nas prefeituras. Por quê? É essa a esfera de governo mais próxima da população e, portanto, a que pode oferecer benefícios mais rapidamente ao cidadão e com resultados fáceis de mensurar, explica Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas, a organização social na qual nasceu e se desenvolve o Juntos.
A primeira coisa a fazer é ajudar o município a atingir o equilíbrio fiscal. Não há receita mágica. Pelo contrário, a fórmula é bem conhecida: aumentar as receitas e diminuir as despesas. Mas a maneira como isso é feito é que faz toda a diferença. Frequentemente, ideias simples dão resultados inesperados.
Campinas (SP), a primeira cidade a fechar parceria com o Juntos, em 2013, conseguiu sair do vermelho pela primeira vez em 20 anos. O resultado fiscal chegou a R$ 617 milhões naquele ano e ultrapassou os R$ 640 milhões em 2014.
Uma das providências adotadas em Campinas foi simplificar o processo de liberação de alvarás para residências de até 500 metros quadrados e instituições ou comércio de até mil metros quadrados, o que cobre 80% dos casos. Qualquer pessoa que já tentou remodelar sua casa sabe a dor de cabeça que isso pode dar. Em Campinas, o morador entra na internet ou vai a um posto para conferir as regras. Depois, assina um termo de responsabilidade pelo qual se compromete a fazer tudo segundo as normas técnicas. Pagas as taxas, a licença de execução é liberada em até 48 horas. “Antes, demorava até dois meses e isso porque já havíamos reduzido o prazo. Há municípios onde a demora chega a seis meses”, diz o prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB).
Em Paraty (RJ), sede da Flip, a famosa festa literária internacional, uma das providências foi recadastrar casas e estabelecimentos comerciais para adequá-los à cobrança do IPTU, o imposto territorial e urbano. O diagnóstico foi que em 30% dos 15 mil imóveis registrados havia irregularidades; 3 mil deles nunca tinham recolhido o imposto e muitas pousadas apareciam cadastradas como residências. Com a mudança, o número de pousadas aumentou de 60 para 400 e o de embarcações legalizadas multiplicou-se de 3 para 80. A prefeitura conseguiu receita extra para contrabalançar a queda dos royalties do petróleo, que afetaram duramente o município, sem elevar os impostos.
Para os empresários, participar do Juntos também é um aprendizado. Na maioria das grandes companhias privadas, delegar funções e consultar outros diretores são ações cada vez mais comuns. Mas seja a decisão individual ou colegiada, eles estão acostumados a ver suas orientações seguidas com agilidade. No setor público, não é assim. Algumas leis, criadas para proteger o dinheiro do contribuinte, acabam sendo um tiro pela culatra porque promovem ainda mais despesas sob a bandeira da economia a qualquer custo. É o barato que sai caro. Isso sem falar na burocracia, que emperra o andamento dos projetos e nem sempre é fácil de identificar.
“O empresário tem de entender a complexidade do setor público. Senão, fica impaciente e não consegue levar o projeto adiante”, diz José Roberto Marinho, vice-presidente do Grupo Globo e presidente da Fundação Roberto Marinho.
Em alguns casos, para chegar ao objetivo, é preciso mudar até a legislação, o que leva tempo e exige capacidade de articulação política do prefeito. Foi o que ocorreu em Campinas, que teve de alterar a lei para acelerar a concessão dos alvarás dos imóveis. Em Juiz de Fora (MG), que participa do Juntos desde o ano passado, foi aprovada uma lei de anistia para reduzir os débitos do contribuinte com o município. Em vigor desde julho, a legislação ameniza o pagamento de juros e multas que incidem sobre as dívidas - e não os débitos em si. Estão previstos descontos proporcionais, de acordo com o prazo de pagamento. Isso pode parecer um contrassenso, considerando a meta de aumentar a receita, mas a lógica é a mesma das negociações feitas por bancos e operadoras de cartão de crédito com clientes inadimplentes: é melhor reduzir o valor, mas receber parte do débito, do que manter a soma original e não ver a cor do dinheiro.
O Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável é resultado prático de uma reflexão que nasceu do encontro de líderes empresariais, um painel promovido pela Comunitas e atualmente em seu oitavo ano. No fim de 2012, ao avaliar os esforços de suas empresas e fundações na área social, os empresários perceberam que os resultados poderiam ser amplificados se houvesse um esforço conjunto. Daí o DNA do Juntos reunir iniciativa privada, setor público e sociedade civil em torno de uma agenda comum, com ênfase no diálogo entre todos os envolvidos.
“As soluções não podem ser criadas dentro de um gabinete”, diz Regina, da Comunitas. Formada em administração de empresas, com mestrado em gestão universitária, ela ingressou na área depois de conhecer a antropóloga Ruth Cardoso (1930-2008) - que foi casada com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e fundadora da organização ainda no programa Comunidade Solidária. “Era para ser um trabalho de três meses, mas já se passaram 20 anos”, conta.
O Juntos atua em 12 municípios de seis Estados: além de Campinas, Juiz de Fora e Paraty, também está em Curitiba (PR), Pelotas (RS), Santos (SP), Teresina (PI) e Itirapina (SP). Além disso, funciona em modelo de consórcio com Brotas, Corumbataí, Limeira e São Carlos, todas no interior de São Paulo.
Para um município ingressar no programa não é fácil. Antes de escolher a cidade-piloto, a Comunitas avaliou uma lista de 126 municípios e selecionou 6 finalistas, antes de se decidir por Campinas. É preciso que o prefeito esteja em seu primeiro mandato. Não importa o partido político, mas a nomeação do secretariado tem de seguir critérios técnicos - uma composição feita com base em indicações meramente políticas é sinônimo de veto. “O maior sucesso do programa é saber escolher as cidades”, diz José Ermírio de Moraes Neto, do Grupo Votorantim, um dos maiores conglomerados industriais do país. “Gestão é um critério muito importante, assim como incentivar o pessoal jovem, que tem gás para dar.”
Ao entrar no clube, a administração municipal passa a contar com os serviços da consultoria Falconi, contratada para ajudar a elaborar as propostas de trabalho, além da participação direta dos empresários, que se reúnem periodicamente com o prefeito e o secretariado. A maior parte das cidades tem um padrinho, que acompanha os trabalhos mais de perto. Em contrapartida, o município tem de se comprometer a manter o equilíbrio fiscal, o que inclui permitir o acesso da consultoria às contas públicas.
Manter as finanças equilibradas, porém, não é um fim em si mesmo. “Tem de haver um propósito, o de usar essa eficiência fiscal para a cocriação de soluções inovadoras”, diz Wilson Ferreira Jr., presidente da CPFL Energia.
“A prefeitura precisa melhorar os serviços oferecidos ao cidadão.”
Em Pelotas (RS), o trabalho resultou em um programa para reformar, ampliar e qualificar as unidades básicas de saúde. A primeira delas, no bairro Bom Jesus, reabriu as portas em janeiro. Desde então, aumentou em 30% o número de atendimentos mensais, para 1,8 mil. Os pacientes, que chegavam a esperar um turno inteiro na sala de espera, agora aguardam menos de uma hora, em média, segundo a administração da unidade. Até o fim de 2016, outras três serão modernizadas, afirma o prefeito Eduardo Leite (PSDB). As duas mais próximas estão previstas para novembro deste ano e maio do ano que vem. A reforma custou R$ 700 mil, bancados pelo Juntos. Na próxima unidade o programa vai aportar R$ 200 mil e o município, R$ 227 mil. A partir da terceira, estimada em R$ 1 milhão, os investimentos serão feitos integralmente pelo município. O orçamento total do Juntos, para os 12 municípios, é de R$ 43 milhões. Todo o montante vem da iniciativa privada.
Em Paraty, a melhora da situação financeira permitiu à prefeitura investir em saneamento básico. “A cidade abriga casas de milionários, mas não tinha água tratada”, conta o prefeito Carlos José Gama Miranda (PT), o Casé. Com a construção de uma estação de tratamento, 100% da malha urbana agora é servida com água potável. “O número de atendimentos de diarreia, vômitos e viroses caiu de mil para menos de cem.” O próximo passo é melhorar o tratamento do esgoto.
Outra regra do Juntos é que as experiências possam ser replicadas em localidades diferentes. De nada adianta, por exemplo, construir uma escola de altíssimo nível em um bairro carente, se o distrito ao lado não tiver a oportunidade de contar com algo semelhante, seja por falta de dinheiro, profissionais etc. A ordem é propor soluções fáceis de copiar. “Existem 5,5 mil municípios no país e não podemos atuar em todos eles. Daí a importância do processo de replicação. Não dá para ficar reinventando a roda”, observa Ferreira Jr., da CPFL.
Em Pelotas, que tem quase 50 unidades de saúde, replicar o modelo por toda a rede ficará mais fácil porque o sistema já está em funcionamento e a prefeitura adquiriu o conhecimento para executar as licitações necessárias com mais velocidade, diz o “padrinho” Carlos Jereissati Filho, presidente do Iguatemi, grupo de shopping centers. “O mais difícil é atravessar a fase de tentativa e erro.”
É exatamente essa etapa que Teresina (PI) quer abreviar, ao aprender com a experiência de outros municípios. A prefeitura, que ingressou no Juntos há pouco mais de um ano, já concluiu a fase de recuperação das receitas - com um aumento da arrecadação em torno de R$ 20 milhões - e está iniciando a revisão das despesas, afirma o prefeito Firmino Filho (PSDB). Uma das medidas foi enviar técnicos para Juiz de Fora, onde foi desenvolvido um trabalho bem-sucedido com a folha de pagamento.
Em Juiz de Fora, a previsão é fazer uma economia de R$ 7,4 milhões até julho do ano que vem, só com esse diagnóstico mais preciso do que está sendo pago a quem e a correção de possíveis distorções. “O importante é que isso permite não só uma visão mais clara para as ações presentes como para as futuras”, diz o prefeito do município mineiro, Bruno Siqueira (PMDB).
A internet, uma ferramenta muito comum entre os coletivos, também é parte essencial no trabalho do Juntos, principalmente nesta etapa, quando muitos projetos estão chegando a uma fase mais madura de envolvimento da comunidade. É outro ponto fundamental: fazer que os empresários locais e a população participem ativamente da gestão pública.
Um desses instrumentos é o Colab, rede social na qual as pessoas podem postar fotos de problemas urbanos - buracos na rua, lixo na calçada etc. - e cobrar uma ação da prefeitura por meio de um aplicativo. O software, feito por brasileiros, não nasceu com o Juntos, mas vários municípios que integram o programa passaram a fazer uso dele ou criaram módulos adicionais. Em Campinas, segundo o prefeito Donizette, um grupo de 70 funcionários, em várias secretarias, foi incumbido de receber e encaminhar as reclamações, além de dar uma resposta aos pedidos feitos na rede social.
“Cerca de 50% dos casos foram resolvidos, e a meta é chegar a 60% em um ano.”
Um dos testes que o Juntos tem pela frente é a chegada das eleições municipais, no ano que vem. Como o acordo é feito com uma administração específica, não há garantia de que as ações serão mantidas na gestão seguinte, caso o prefeito não seja reeleito. “Esse é um dos principais problemas do país: a continuidade de projetos que dão certo”, diz José Roberto Marinho, do Grupo Globo. Com frequência incômoda, candidatos de oposição abandonam as iniciativas de seu antecessor quando chegam ao poder. O caminho, afirma o empresário, é conversar com os partidos políticos e conscientizar a população para mostrar que os projetos são um trabalho de Estado e não de partido.
À medida que os projetos avançam, empresários e administradores públicos estão ficando mais à vontade no Juntos. Alguns desses líderes notaram alguma cerimônia nos primeiros encontros de trabalho, mas contam que essa distância rapidamente cedeu lugar à informalidade. “Para funcionar, tem de ser uma conversa de iguais”, diz José Ermírio de Moraes Neto, da Votorantim. Anos de experiência empresarial à frente de grupos influentes, acrescidos de sobrenomes famosos, podem ser intimidadores, mas o empresário tem uma frase que dá nó na língua, mas é tranquilizadora: “Toda pessoa bem-intencionada sabe que não sabe de tudo. Aliás, quanto mais sabem, mais elas sabem que não sabem.”
Valor Econômico – SP