Levantar bandeiras sem um engajamento real com a causa proposta pode gerar resultados contrários aos desejados
Por iG São Paulo , especial por Daniel Rodrigues | 24/07/2015 06:00
O engajamento a causas sociais entrou definitivamente na agenda das empresas brasileiras. Corporações dos mais diversos portes passaram a se mostrar interessadas em seguir o exemplo do grupo O Boticário, que lançou uma campanha publicitária em junho mostrando a troca de presentes entre casais heterossexuais e homossexuais, em comemoração ao Dia dos Namorados.
Contudo, muito além de causar impactos momentâneos, especialistas afirmam que é preciso investir em atitudes de longo prazo, construindo uma lógica que permeie não apenas as ações de marketing como também reflitam os valores reais pregados pela entidade.Argumentações rasas e atitutes meramente oportunistas podem causar prejuízos à marca, um efeito colateral capaz de devastar a imagem institucional frente a seus clientes, fornecedores e concorrentes.
A informação deixou de circular de forma concentrada e exclusiva. Na era digital, a máxima de que toda a ação gera uma reação se tornou ainda mais evidente. A falsa eticidade é facilmente desmascarada, seja por um depoimento nas redes sociais assinado por um ex-funcionário ou um vídeo gravado pelo celular por quem vivencia a realidade da empresa provando que nem tudo é como é divulgado na mídia, diz Maria Isabel Montañes, advogada da Cone Sul Assessoria Empresarial.
Para a especialista, uma marca não é só um signo visual estático, mas também o DNA da empresa, uma base de informações e crenças que se agregam à marca, que ela qualifica como seu patrimônio intangível. Você associa uma marca a uma série de valores, inclusive éticos. O consumidor paga a mais por uma marca quando acredita que esta vem associada a questões sociais, ambientais e humanas que extrapolam o produto ou serviço. Se essa associação inicialmente positiva é evidenciada como pura jogada’ publicitária, o afastamento do consumidor tende a ser imediato e em proporções imensuráveis.
Segundo Maria Isabel, toda a qualquer iniciativa social deve começar a ser idealizada para impactar o público interno e só após estabelecida extrapolar a porta de saída da empresa. Do contrário, a credibilidade da marca deixa de existir e, com isso, seu valor patrimônial diminuí, destaca.
Faça o que eu digo, não faça o que eu faço
Em 2011, 15 bolivianos e peruanos que trabalhavam em regime de escravidão em confecções para a Zara Brasil na capital paulista foram libertados pelo governo. Após o escândalo, a empresa assinou um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e com o MTE. Nele se comprometeu a realizar auditorias privadas em sua rede de fabricantes para sanar irregularidades trabalhistas impostas a brasileiros e a estrangeiros como bolivianos e peruanos as principais vítimas de trabalho escravo no setor. Ao mesmo passo, a empresa investiu na melhoria da percepção pública sobre seus produtos para superar a eminente queda nas vendas e responder às mobilizações populares que pregavam o boicote à marca em represália ao ocorrido.
Contudo, a grife espanhola de moda sofreu recentemente uma nova autuação do Ministério Público do Trabalho e Emprego (MTE) de São Paulo por descumprir o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para corrigir condições degradantes que caracterizaram trabalho escravo na cadeia produtiva da empresa. A Zara, em comunicado, se defendeu das acusações alegando que a falha era da empresa fornecedora contratada. Porém, Maria Isabel explica que toda empresa é responsável pelas condições de trabalho de seus fornecedores, inclusive os de empresas terceirizadas.
O código do consumidor expressa que a empresa é responsável por toda sua cadeia produtiva. Além disso, uma marca tem que zelar pela reputação perante ao consumidor, o que inclui monitorar as condições de trabalho de sua fornecedora. Acusações como essa fazem com que uma empresa tenha sua imagem relacionada a fatores negativos perante o consumidor, causando uma desvalorização irreversível para a empresa, explica a advogada.
Brasil Econômico on-line – SP