05/12/2014 às 05h00
Por Felipe Marques e Aline Oyamada | De São Paulo
Se o relacionamento entre uma grande empresa e seus fornecedores nem sempre é dos mais fáceis, imagine então quando um banco entra no meio. Pois é justamente uma ferramenta unindo essas três partes que tem ganhado cada vez mais adeptos entre importantes nomes da indústria e do varejo no Brasil. São programas em que a grande empresa facilita o acesso de seus fornecedores ao crédito bancário.
Embora não sejam criação recente, tais programas têm avançado com força nos últimos anos. O motivo é a combinação entre uma dificuldade cada vez maior de pequenas e médias empresas para conseguir dinheiro com os bancos somada à necessidade crescente das grandes companhias em melhorar a gestão de caixa. É o que tem feito com que nomes como BRF, Fibria, Carrefour, Siemens, entre outros, expandam seus programas. Também entre os bancos, os desembolsos de empréstimos nessas linhas têm aumentado substancialmente.
Os programas de financiamento a fornecedores funcionam como uma espécie de desconto de duplicata turbinado: o fornecedor tem uma fatura a receber de uma grande empresa e procura o banco para antecipá-la. O que muda é que, nos programas, a antecipação ocorre dentro de um sistema desenhado em conjunto pelo banco e pela grande companhia, chamada de empresa-âncora. Esse sistema permite que a âncora confirme ao banco que vai pagar aquela fatura toda vez que o fornecedor pede a antecipação.
Assim, o banco consegue classificar o risco daquela operação como semelhante ao da grande empresa – reduzindo taxas de juros e aumentando limites para os fornecedores. Em contrapartida, para incluir o fornecedor no programa, a grande empresa costuma pedir mais prazo de pagamento. Mas essa exigência não é obrigatória.
“Eu tenho prazo de pagamento e libero meu caixa, o fornecedor recebe à vista do banco e o banco tem um risco que, na prática, é o risco da BRF”, afirma Bruno Massera, gerente financeiro da BRF.
A gigante de alimentos, que reúne as marcas Sadia e Perdigão, tem um programa do tipo desde 2011, com resultados impressionantes. A empresa tem 2 mil fornecedores nacionais participando de seu programa e conseguiu, nos últimos três anos, esticar o giro de suas contas a pagar de 43 para 64 dias. Essa ampliação contribuiu para melhorar o ciclo financeiro da BRF, o que resultou em uma liberação de R$ 1,8 bilhão em caixa no período. A empresa expandiu o acesso ao programa para fornecedores de fora do país.
“Conseguimos esse resultado com trabalho em conjunto com as áreas de suprimentos e grãos, que são os maiores compradores da empresa. O financeiro não faz nada sozinho”, afirma Massera. “O comercial pensa em vender, não em prazo. O negociador quer comprar mais barato e não necessariamente com maior prazo”, diz.
Mudar essa cultura da área comercial não foi fácil. Afinal, é para lá de ingrato convencer a legião de fornecedores da empresa a aceitar demorar mais para receber sem que isso tenha grandes impactos no preço que cobram da BRF. Por isso, diz Massera, é importante deixar claro para o fornecedor que já antecipa seus recebíveis com o banco fora do programa que ele terá acesso a taxas mais baixas se participar. Bancos ouvidos pelo Valor estimam que os juros cobrados dentro de um programa do tipo chegam a um terço do que o fornecedor pagaria fora dele.
A BRF criou até um conjunto de incentivos para engajar os seus funcionários na empreitada, ao incluir metas de ciclo financeiro para os negociadores e principais executivos da empresa. Também levou o time financeiro para participar das negociações com fornecedores de diversos portes. Adicionalmente, a companhia desenvolveu uma calculadora especial para os negociadores, em que é possível medir o efeito de um prazo maior de pagamento de determinada encomenda no balanço da empresa.
O caso da BRF está longe de ser isolado. Para se ter uma ideia, em uma instituição financeira, foram concedidos R$ 8 bilhões juntando os programas de diversas empresas somente neste ano. Não custa lembrar, muitas das empresas que tomam tais recursos são de pequeno porte e os tíquetes contratados são baixos. No HSBC, por exemplo, os recursos desembolsados triplicaram nos últimos dois anos. Bradesco e Citi também cresceram.
Valor Econômico – SP