24/10/2014
Marina Schmidt
Na tarde desta quinta-feira, quando o francês François-Ghislain Morillion subiu ao palco do Teatro do Sesi, no 6º Congresso Internacional de Inovação, para contar a história da marca de tênis Vert, da qual é cofundador, encontrou um auditório cheio, mas ainda em movimentação, retornando de uma breve pausa entre as palestras. Em português fluente, Morillion contou que a empresa foi idealizada a partir de uma conversa regada à vodka, em uma tarde de primavera em Nova Iorque, em 2002. O fato arrancou risos dos presentes, agitando ainda mais o ambiente, mas suscitando a atenção de todos.
Contextualizando a primeira afirmação, Morillion contou que trabalhava no mercado financeiro em Nova Iorque com o também francês Sébastien Kopp, ambos formados em Administração. Discutíamos que não estávamos felizes. Nossa vida estava vazia e a única preocupação dos nossos amigos era conseguir a melhor mesa no melhor restaurante e entrar na balada, nada contra a balada, mas sabíamos que o mundo enfrentava problemas maiores. O auditório imergiu em um silêncio absoluto e reflexivo, mas a partir dali todos eram olhos e ouvidos fixados na história que Morillion iria contar.
Naquela tarde, Morillion e Kopp decidiram abandonar o emprego e viajar durante um ano para estudar sustentabilidade. Passaram três meses em cada um dos quatro países que visitaram: Índia, China, África do Sul e Brasil. Dos 56 projetos que conheceram, apenas um despertou o interesse dos jovens de 22 anos. Era o negócio de uma empresa francesa que comprava palmito pupunha de uma cooperativa do Norte do Brasil, pagando um valor pela matéria-prima acima do mercado e sem intermediários. A sustentabilidade estava no negócio, salientou Morillion.
Apostando em um modelo semelhante, os empreendedores decidiram investir na fabricação de tênis. Nós gostamos de tênis, crescemos na geração Nike, mas conhecemos a realidade dessa indústria, em que os tênis são desenvolvidos a partir da exploração do Sul pelo Norte. Resolveram empreender no Brasil. As matérias-primas básicas na produção dos tênis da marca são lona, algodão e borracha. Em todas as etapas, os fornecedores não recebem pelo preço de mercado, mas de acordo com valores acordados entre a empresa e as cooperativas.
Do Nordeste, principalmente do Ceará, vem o algodão orgânico, que é plantado em áreas de multicultura sem uso de agrotóxicos. Já a borracha vem do Acre, onde os seringueiros não só extraem o látex como beneficiam o produto em um processo semi-industrial, que eleva em mais de três vezes os ganhos dos produtores, favorecendo a manutenção dos seringueiros na atividade, sem que tenham que se dedicar a atividades menos sustentáveis, como a pecuária.
A fabricação dos cerca de 100 mil pares de calçados produzidos por ano também é realizada em um local escolhido estrategicamente. Morillion diz que pesquisou as localidades que ofereçam mão de obra que assegurem as melhores condições aos trabalhadores e optou pela cidade gaúcha de Campo Bom. Nesse momento, foi efusivamente aplaudido, não só pela escolha, mas pela história que fascinara a todos e que atravessa o País, garantindo sustento acima do mercado a mil agricultores, minimizando ao máximo o impacto ambiental.
No Brasil, a gente paga cinco vezes mais por um funcionário, dimensionou o empresário, sem, no entanto, gerar dúvidas, pois a constatação estava mais do que justificada. Fazemos questão de estar em uma fábrica que respeita os trabalhadores, sustenta.
Apesar das escolhas que aparentemente inviabilizariam o negócio, Morillion reforça que a produção é viável. Os tênis são vendidos a R$ 200,00, abaixo, inclusive, do preço de muitas marcas comercializadas aqui. Para garantir rentabilidade, a estratégia da Vert é abrir mão da publicidade. A empresa não investe um centavo em propaganda. Quando você compra um tênis, 70% do preço dos produtos tradicionais é publicidade, justifica. Além disso, a Vert trabalha com um estoque mínimo, produzindo na medida da demanda dos consumidores.
Com esse histórico, e a aprovação do público presente, compreende-se que a Vert não necessite de divulgação. A fidelização dos consumidores e propagação da marca é espontânea. O primeiro mercado da marca, que completa 10 anos em 2015, foi o francês, onde é comercializado com outro nome: Veja. No ano passado, o produto passou a ser vendido no Brasil e, por razões óbvias, o nome foi alterado. Assim, o tênis, produzido aqui, é vendido na França com um nome em Português e no Brasil com um nome em Francês (a tradução de Vert é verde). Nós sabemos que não estamos resolvendo os problemas do mundo. Nossa missão é contar a nossa história para passar o bastão para os outros. Fizemos um trabalho inspirado na cadeia do palmito pupunha. Dele desenvolvemos um tênis. Quem sabe alguém saia daqui e reinvente o celular ou o computador. Os aplausos prolongados fecharam a apresentação.
Congresso Internacional de Inovação aprofundou o tema sustentabilidade
Realizado nos dias 22 e 23 de outubro, no Teatro do Sesi, em Porto Alegre, o 6º Congresso Internacional de Inovação reuniu especialistas e empresários para mostrar como empresas estão desenvolvendo novos modelos de negócios, voltados para a solução de dilemas atuais da sociedade. Com o tema Megatendências: inovação e a economia da sustentabilidade, o congresso foi promovido pelo Sistema Fiergs e destacou caminhos que levam à inovação.
Ontem, o especialista em processos de estratégia, inovação e mudança, Marc Sniukas, que é diretor da Doujak Corporate Development, empresa que atua na mesma área, traçou os passos a serem seguidos por quem quer empreender e inovar. O mais importante é conversar com as pessoas. Muitas empresas, quando vão desenvolver algo novo, contratam uma consultoria, mas é fundamental conversar, principalmente, com quem não compra o seu produto e também com especialistas, disse.
Sniukas salientou que o empreendedor precisa observar os não clientes, com o objetivo de compreender por que não compram seus produtos, quais são as barreiras e como quebrá-las. Só a partir daí, a empresa deve criar soluções e, por fim, testá-las antes de lança-las para reduzir riscos. A preocupação principal, no entanto, é estar realmente comprometido com a inovação, ressalvou. No mercado, sempre se sabe se a empresa leva a sério uma proposta, porque ela investe e dedica uma equipe ou pessoa para pensar no desenvolvimento estratégico, sustenta, ressalvando que é relutante quando a empresa quer desenvolver, mas alega que não tem recurso ou equipe para dedicar.
O vice-presidente da Fiergs e sócio-fundador das empresas Altus, Teikon e HT Micron, Ricardo Felizzola, destaca que o foco do congresso mudou ao longo dos anos. No começo, tínhamos um direcionamento forte em eixos como poder público e academia. Neste, a gente percebe uma participação maior de industriais, de donos de empresas. Felizzola reforçou que o tema sustentabilidade é uma espécie de alerta, incitando empresas a inovarem.
Jornal do Comércio on-line – RS