Por Mariana Missiagia | Das lojas físicas tradicionais para experiências de lojas imersivas, o varejo ruma agora para um novo momento em que o foco no envolvimento de seus clientes vai além da simples exibição de produtos, para maior conexão emocional com o seu público.
Embora criar experiências envolventes e interativas tenha se tornado o novo padrão de estabelecimentos comerciais já há algum tempo, pode-se dizer que essa tendência acelerou. O que temos visto são muitos negócios dispostos a expandir o seu ecossistema, por meio de novos espaços que estejam baseados em serviços.
Gerido por terceiros ou pela própria marca, a criação dessas novas áreas dentro de pontos de venda que já existiam acabam por criar novos formatos de loja, algo mais com “cara de casa” e que, de certa forma, leva o consumidor a confundir os limites entre o varejo e a hospitalidade.
Quem entra em uma das megalojas da Fast Shop percebe que uma cafeteria ocupa um espaço privilegiado entre as estantes de eletrônicos e eletrodomésticos, os produtos carros-chefe da rede. Embora não venda sequer um grão de café, e esteja longe de se posicionar como uma cafeteria, essa decisão revela muito do que a loja quer provocar e transmitir a seus clientes.
Eduardo Salem, diretor de marketing e canais digitais da Fast Shop, destaca que o café é um movimento para absorver clientela e fixar o lifestyle da marca com magia em todas as etapas – desde a recepção, experimentação e informações sobre produtos, até o pagamento final. Além disso, oferecer um café é sempre sinal de atenção, cuidado e cordialidade.
Para o executivo, em um espaço como os shoppings, o café ajuda a mudar o ritmo e impacta no comportamento do consumidor, que aproveita a oportunidade de uma compra para tomar um café, refletir sobre os produtos e olhar com mais calma para os outros ambientes e produtos em exposição, além de conhecer os produtos da categoria de café.
Até pouco tempo, esse espaço localizado bem na entrada da loja era disputado por geladeiras e televisões com preços atrativos – algo que, atualmente, o cliente já chega à unidade sabendo.
“Ele (cliente) já sabe quanto custa, quanto mede, já está praticamente decidido. Só vai à loja para tocar em algo antes de clicar no botão ‘comprar’. Por isso, essa visita precisou ser ressignificada. E nada mais íntimo e acolhedor do que uma xícara de café”, diz o arquiteto Thiago Carloni, da Soul Retail.
No caso da Fast Shop, que tem 80 lojas distribuídas pelo país, em grande parte das unidades da rede há um espaço dedicado à degustação de cafés, que podem ser em parceria com marcas como Nespresso, TRES Corações ou Dolce Gusto, por exemplo. Nesse sentido, vale destacar as tentativas da Nespresso de criar uma experiência de luxo acessível por meio de suas cápsulas.
A marca revolucionou o produto café como premium associando design, lojas conceituais e propagandas com o ator George Clooney sempre reverberando sofisticação. Esse posicionamento elevou a categoria de cápsulas a um patamar mais refinado, e as marcas perceberam isso.
EXPERIÊNCIAS NICHADAS
Ao comentar o assunto, o economista e especialista em varejo Murilo Branco, diz que observar a evolução das lojas de departamentos é um bom indicador do rumo que o varejo está tomando. Na Europa, a maioria aproveitou a hospitalidade como forma de trazer comodidade aos consumidores, principalmente por meio da oferta de opções de alimentos e bebidas.
Mas isso tem sido aprimorado: muitos deles já desenvolvem espaços experienciais nichados. São eventos regulares com ativações de marca que impulsionam o movimento e o envolvimento na loja. A Selfridges, uma das lojas de departamentos mais renomadas, se destaca quando se trata de criar experiências elevadas inspiradas na indústria hoteleira, aponta Branco.
Além de muitas opções gastronômicas sofisticadas, a Selfridges organiza eventos durante todo o ano centrados no entretenimento, e direcionados a uma ampla gama de públicos.
Eventos infantis, um cinema próprio e um bar subterrâneo permitem uma série de ativações sazonais, como por exemplo a Barbie Dreamhouse, quando o filme homônimo estava em cartaz, em julho do último ano.
Com um espaço pop-up, a ativação permitia que os visitantes reservassem sessões de beleza para maquiagens inspiradas na Barbie e se vestissem como a boneca, antes de assistir ao seu filme em uma de seus salas de exibição. Tudo isso dentro de uma mesma loja.
Em Paris, a Galeries Lafayettes Haussmann inaugurou há dois anos, a sua Galeria Wellness – um andar inteiro dedicado ao bem-estar, uma novidade em uma loja de departamentos. Um estúdio de ginástica, spa, serviços de beleza e sauna – tudo com o objetivo de proporcionar uma experiência holística de bem-estar aos clientes.
Ao dedicar um espaço tão amplo à prática esportiva e ao autocuidado, e oferecer serviços diversificados tradicionalmente oferecidos por academias e spas, o varejista se torna um destino de bem-estar além de um shopping center, explica o especialista.
Essa estratégia ajuda a atender às necessidades adicionais dos clientes, proporcionando uma infinidade de experiências de valor agregado sob o mesmo teto, e uma sensação de conveniência aos clientes que desejam relaxar após bater pernas durante as compras. É também uma ótima maneira de obter tráfego na loja, e incentivar a compra espontânea de pessoas que inicialmente a visitam para apreciarem uma sessão de manicure ou esportes.
Seja através de cafés, spas, lounges ou eventos, esses tipos de iniciativas orientadas para serviços aumentam o envolvimento e a visibilidade da marca, e os varejistas perceberam que para criar atratividade e permanecerem relevantes na mente dos seus clientes, devem procurar cada vez mais inspiração na indústria hoteleira.
Entretanto, Branco alerta que há de se seguir nos serviços o mesmo padrão que a marca deseja ter em seus produtos.
“Imagine uma loja de móveis, que trabalha com madeira de lei, peças artesanais, pedras lapidadas. Itens que, de fato, levam tempo para serem produzidos. Servir um café mediano está fora de questão. É preciso linkar esses mesmos processos no que se oferece no momento do serviço”, disse.
MAIS CLIENTES, MAIS RESULTADOS
Inaugurada em 2020, a loja conceito da Dengo, na avenida Brigadeiro Faria Lima, dedicou um espaço para um pequeno café com ingredientes da marca no térreo de um prédio de quatro andares. No mesmo andar, os clientes tinham acesso aos produtos, como tabletes da marca, uma área para personalizar embalagens e podiam assistir parte da fabricação do chocolate.
Até ano passado, o espaço oferecia menos de dez mesas para clientes, e acumulava longas filas de espera especialmente aos finais de semana, e por isso, passou por uma reformulação. A reconfiguração da loja, segundo Túlio Landin, co-CEO da Dengo, surgiu a partir de uma reflexão interna com o time de atendimento.
Eles buscavam formas de dinamizar o espaço para que os clientes pudessem ter mais tranquilidade e conforto. A ampliação do número de mesas e cadeiras renovou não apenas o ambiente, mas também os percentuais de vendas, que embora não sejam revelados, Landin afirma que cresceram.
Desde então, o primeiro andar ficou totalmente exclusivo e dedicado à cafeteria, que além de itens novos no cardápio, ganhou mais mesas e sofás confortáveis com diferentes configurações, ideais para uma pausa do cafezinho ou para quem quer trabalhar, pois tem wi-fi. “O fluxo de visitações aumentou consideravelmente, reforçando a importância de criar um espaço que convida à permanência e ao prazer de viver a experiência Dengo. A hospitalidade está no coração da nossa marca, e essas mudanças foram essenciais para oferecer uma vivência completa e acolhedora a todos que nos visitam”, diz.
Túlio relata que a marca teve um aumento significativo na fidelização dos clientes, e a ampliação do espaço e o foco na hospitalidade têm contribuído para consolidar a Dengo como referência no mercado de chocolates bean-to-bar.
Outro exemplo apontado por Carloni está na Vila Nova Conceição. Líder do segmento de esportes e bem-estar, a Track& Field inaugurou uma Experience Store, com café e mini mercados integrados, além de um estúdio com espaço para aulas e atendimentos personalizados.
A loja, que tem 185 m², foi toda projetada pela arquiteta Karinna Gross, que faz parte da equipe da marca. “O modelo Experience Store foi desenvolvido para aproximar e conectar, de forma simples, os consumidores a todo o nosso escossistema de bem-estar”, disse Fernando Tracanella, diretor financeiro da marca.
No estúdio, são realizadas aulas de Movimento Natural, Vinyasa Yoga, Hatha Yoga, Iyengar Yoga, Muay Thai, Capoeira e Funcional. Profissionais de terapia ayurvédica, astrólogos e nutricionistas também utilizam o local para consultas personalizadas – assim como, os mercados oferecem uma curadoria de produtos ligados à vida saudável. O local também funciona como um hub, para a promoção de encontros com treinadores e profissionais do segmento.
Fonte: Diário do Comércio