Varejista lança loja conceito e testa modelo de venda direta com personal trainers que deve ser expandido para todo o Brasil em 2022
Por Ralphe Manzone Jr
Na quinta-feira, 2 de setembro, a Track&Field inaugura no Shopping Iguatemi, em São Paulo, a sua Experience Store, uma loja conceito que deve unir as principais experiências offline e online da varejista de moda esportiva, em uma espécie de laboratório para depois estender as ideias bem-sucedidas para as suas 268 lojas espalhadas por 117 cidades de 25 estados brasileiros.
No espaço de 230 metros quadrados, além das apostas na “omnicanalidade”, em um minimercado com itens saudáveis e no primeiro café da marca, a Track&Field está criando a figura do concierge, inspirado nos serviços de hotelaria. O profissional vai ajudar o consumidor de forma personalizada, desde a escolha dos produtos, passando pela melhor forma de receber as compras, enviar presentes, se inscrever em eventos e se conectar com treinadores.
Pode parecer um detalhe insignificante – em especial, neste momento, em que as experiências estão cada vez mais digitais. Mas, para a Track&Field, o concierge pode ser fundamental para apresentar aos seus clientes uma peça estratégica da companhia: a plataforma TFSports.
Com 227 mil usuários, sendo 500 deles personal trainers, o TFSports se transformou em um dos “brinquedinhos prediletos” de Fred Wagner, fundador da Track&Field, que voltou assumiu a posição de CEO em julho deste ano.
“A plataforma, ao lado do social selling, é prioridade aqui. Tanto que é uma unidade de negócios separada”, diz Wagner, em entrevista ao NeoFeed. “Assim, pode ter agilidade para testar, falhar, arrumar de forma rápida e inovar.”
O teste principal da TFSports, uma “startup” dentro da Track&Field, acontece em algumas cidades do Nordeste, onde alguns personal trainers selecionados, além de oferecer aulas online ou presenciais através da plataforma, estão também começando a vender os produtos da rede varejista aos seus alunos.
Os treinadores usam a plataforma para montar um carrinho de compras e enviar aos seus alunos o link via WhatsApp. Se a compra for feita, esses profissionais são comissionados pelos produtos vendidos. Os personal trainers podem também comprar os produtos de alguma loja e revendê-los com alguma margem.
O projeto-piloto, que deve se desenrolar até o fim do ano, será fundamental para que a Track&Field leve essa estratégia para todo o País a partir de 2022. “Estamos acertando a parte de sistemas, o mix de produtos e as modalidades esportivas”, afirma Wagner. Hoje, os treinadores vendem produtos da modalidade yoga e beach tennis. Em breve, estarão disponíveis itens de corridas.
Wagner evita dar estimativas sobre o potencial de vendas dessa nova modalidade. E acrescenta que o grande objetivo é apoiar os treinadores – tanto que eles podem usar a plataforma para dar aulas e captar consumidores sem que a Track&Field cobre uma comissão por essa intermediação.
A Track&Field permite pagamentos e conta com uma carteira digital na plataforma, mas diz que só cobra a taxa de adquirência e de antecipação, pois a transação é feita via cartão de crédito, mas os treinadores recebem à vista. Questionado se pretende virar uma fintech, Wagner sorri e diz que não.
Durante a pandemia, os personal trainers usaram a plataforma para se conectar com alunos e dar aulas onlines, uma ajuda providencial para ganhar uma renda extra em um momento que as academias fecharam. Desde março do ano passado, mais de 120 mil pessoas se inscreveram em algumas das aulas.
Ao atrair os treinadores – e não cobrar nada deles –, o objetivo da Track&Field é criar ao redor da marca uma comunidade fiel, capaz de gerar conteúdos e se engajar com a empresa.
Não se trata exatamente de uma estratégia inovadora. A Nike investe em diversos aplicativos, de corrida a treinamentos, para engajar seus consumidores com a marca há muito tempo. A Peloton inclui em suas bicicletas tecnológicas um plano de serviços de aulas online.
No ano passado, a marca de roupas de ginástica canadense Lululemon pagou US$ 500 milhões pela startup Mirror, que desenvolve um espelho que “dá” aulas de ginástica por streaming.
“Esse é o modelo de varejo que migra para recorrência, serviços e assinatura”, diz Alberto Serrentino, sócio da consultoria especializada em varejo Varese Retail. “Isso pode ser tornar uma alavanca de crescimento e expansão de negócios.”
Para Serrentino, a Track&Field tem uma marca forte, uma base grande de clientes fiéis e boa presença nacional. “Ela tem capacidade de geração de conteúdo e valor aspiracional”, diz. “É uma marca de lifestyle que pode transbordar para o universo de serviço.”
O que diferencia a Track&Field desses exemplos internacionais é que, à primeira vista, Wagner não quer criar um marketplace em que cobrará uma comissão para as aulas intermediadas na plataforma.
O objetivo é conquistar os treinadores com a plataforma, ajudando-os a ganhar dinheiro, ao mesmo tempo que eles podem se transformar em uma força de vendas diretas, ao estilo das revendedoras de Natura ou de Avon.
“É óbvio que, no fim, o objetivo é vender, mas estamos ‘empoderando’ o treinador dentro dessa jornada e investindo em conteúdo”, afirma Wagner. Tanto que o empresário já pensa em outros serviços e cita meditação e nutrição como conteúdos que podem estar na plataforma. No fim, tudo que estiver ligado a saúde e bem estar poderá fazer do “cardápio” da TFSports.
A “ominicalidade” da Track&Field joga a favor dessa estratégia. Ao transformar o personal trainer em um revendedor, a empresa manteve as compras através de uma loja física, que também recebe pela venda, em uma estratégia para não fazer um gol contra esse importante canal de venda.
Das 268 lojas da Track&Field, mais de 200 delas podem entregar produtos em compras que foram realizadas pelo site. “Quem fatura no e-commerce é o ponto mais próximo de onde o produto está disponível”, afirma Wagner.
Atualmente, as vendas online representam apenas 6%. Mas o social selling, como as vendas pelo WhatsApp, outra prioridade de Wagner, atingiu um patamar de 30% no segundo trimestre deste ano. “Temos uma preocupação grande de testar novas formas de fazer o social selling”, diz o empresário. “Todo dia surge uma ferramenta nova.”
Esse movimento acontece em um momento em que a Track&Field surge como uma das beneficiadas da pandemia, em que as roupas confortáveis ganharam espaço no guarda-roupa de todos os tipos de consumidores.
A americana Nike, por exemplo, teve o melhor resultado trimestral de seus 50 anos de história em julho, por conta dessa tendência. As ações da companhia estão sendo negociadas a patamares recordes e o valor de mercado está na casa dos US$ 260 bilhões.
O resultado da Track&Field também demonstra uma rápida recuperação, com vendas bem acima de patamares de antes da pandemia. No segundo trimestre de 2021, as vendas atingiram R$ 176,7 milhões, alta de 338% sobre o mesmo período do ano passado. Em comparação há dois anos, o aumento foi de 84%.
Mesmo assim, surgiram rumores de que a Track&Field estava à venda e de que a Centauro seria uma candidata para comprá-la. “Conheço o Pedro (Zemel, CEO do grupo SBF, dono da Centauro) já muito tempo. Não faz nenhum sentido. Nunca teve conversas”, afirma Wagner.
Desde o IPO, quando captou R$ 492 milhões, os papéis da Track&Field já se valorizaram 50%. Na B3, ela vale R$ 2,1 bilhões.
Fonte: Neofeed