Em tempos de crise, os shopping centers começam a reagir ao avanço da venda on-line no país. Executivos de grandes empresas de shopping se reuniram num grupo de trabalho na Abrasce, associação do setor, que discute, entre outros aspectos, formas de “repartir os ganhos” que o varejo tem registrado com o comércio on-line.
Tem sido debatida a hipótese de cobrar percentual sobre a venda que ocorre pelo site das redes e que passa pela loja física por meio do sistema “retira em loja”. Na prática, as conversas desse grupo envolvem o futuro do modelo de shoppings no país, por isso acabaram avançando sobre esse tópico, considerado polêmico pelo setor.
Esse grupo de trabalho deve evoluir para um comitê interno de inovações da Abrasce, que trata de diferentes assuntos, como ações para trazer “maior equilíbrio de forças” entre loja física e o on-line.
Em outubro, sugestões devem ser apresentadas ao conselho administrativo da Abrasce. Fazem parte desse grupo de trabalho representantes da Iguatemi, BRMalls, Multiplan, Sonae Sierra Brasil, entre outros.
“A ideia é fazer propostas e abrir para diálogo. O que não queremos é uma guerra de números, de auditorias [os shoppings têm acesso às vendas dos lojistas]. Tem que existir confiança mútua entre as partes”, disse Glauco Humai, presidente da Abrasce. “O que queremos é que todos ganhem juntos”.
“Já existem hoje grupos praticando soluções com lojistas, como cobrança de 2% a 3% do valor da nota da venda on-line retirada na loja. Mas mesmo assim, existem vendas que não se ‘pega [shopping não consegue contabilizar]'”, diz.
Por meio do “retira em loja”, o cliente pode adquirir um produto pela internet e retirá-lo, com data marcada, numa das lojas da varejista, em poucas horas. Parte dessas lojas ficam hoje em shoppings. A rede reduz custos de logística com isso e ainda atrai tráfego para a sua loja. No país, esse formato ganhou peso de quatro anos para cá.
Grupo Pão de Açúcar (Extra), Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio), Walmart, B2W (Americanas e Submarino), Saraiva e Magazine Luiza operam esse sistema, com pelo menos 1,5 mil pontos oferecendo o “retira em loja”.
A questão central, na visão dos shoppings, é que o produto vendido pelo site e entregue nas lojas ao cliente forma o estoque do ponto dentro do empreendimento. Ou seja, o item foi vendido pela internet, mas o shopping funcionou como um “estocador”. Na visão dos grupos, há o uso da estrutura das lojas para abastecimento e atendimento ao cliente, sem que o shopping seja remunerado por isso.
Essa venda não entra no aluguel percentual ou no aluguel mínimo pago pelas cadeias varejistas aos empreendimentos mensalmente. O aluguel é definido com base no faturamento de cada ponto e esses dados são abertos aos empreendimentos. Hoje, os shoppings não conseguem saber quanto é entregue pelo “retira em loja”.
As redes, por sua vez, alegam que no sistema “retira em loja” foi o site que atraiu o cliente para fazer a compra, que já foi concluída na internet quando o consumidor vai retirar o produto. Portanto, toda a operação foi concentrada na plataforma de venda on-line.
Além disso, rebatem dizendo que, muitas vezes, esse formato acaba trazendo tráfego de clientes (e receita de estacionamento) para os shoppings, já que parte dos consumidores que retira o produto passeia pelo empreendimento e pode consumir mais.
As conversas em torno do assunto têm surgido em algumas negociações entre as empresas, como nas renovações de contratos. E de certa forma, acaba levantando outros aspectos. Hoje, as lojas em shoppings, muitas vezes, não expõe claramente a área para retirada do item comprado no site. Em certos casos, nem há indicação dentro da loja.
“Se isso ficar muito à mostra, o negócio vai ser mais facilmente questionado pelo shopping, porque pode parecer um totem de uma operação independente, algo que não é permitido nos contratos hoje”, diz Roberto Wajnsztok, presidente da consultoria Origin5.
“Pelo menos, se as conversas [entre as partes] avançassem, as lojas poderiam realmente criar estruturas melhores de atendimento. Da forma como está, fica tudo meio escondido”, diz.
Apesar do tema ser uma verdadeira “casa de abelha” para o setor, a Abrasce defende a ideia de parceria entre as partes. “Na nossa visão, o comércio eletrônico veio para ajudar, não para competir. No resto do mundo, ninguém conseguiu achar um modelo que trouxesse o on-line para dentro do debate. Não temos prazo para analisar e definir algo”, diz Humai.
No começo do ano, um estudo foi encomendado pela entidade à Luiz Marinho, sócio da consultoria GS&BW, com o intuito de entender melhor o atual estágio na operação multicanal das maiores redes do setor. Ele serviu de base para a discussão do grupo de trabalho. O estudo foi qualitativo e envolveu dez redes. Concluiu que, na maioria das cadeias, o estágio da integração dos canais de venda ainda é embrionário.
Outra possibilidade, dentro da ideia de parceria com o varejo, é ampliar novos acordos por meio, por exemplo, de locação de espaços nos shoppings para armazenagem das lojas. Grandes varejistas poderiam se unir e locar áreas nos empreendimentos para estocar mercadorias para a entrega de venda on-line.
A discussão ganha peso num período de vendas ainda com lenta recuperação nas lojas de rua e nos shoppings. A venda on-line deve se expandir 12% neste ano, segundo a consultoria Ebit, e a Abrasce prevê alta de 5%. Para analistas, os shoppings estão reagindo à essa fase mais difícil buscando receitas extras.
Nos últimos anos, lojas de eletrônicos e de brinquedos tentaram instalar totens de venda on-line em seus pontos em shoppings, mas houve resistências. Foi o que ocorreu, por exemplo, em shoppings da BRMalls em São Paulo e no Rio de Janeiro, e da Multiplan.
Num desses casos, a Justiça foi acionada e o shopping saiu vitorioso. Em 2015, o STJ deu ganho de causa à Multiplan em disputa que durava três anos com a Lojas Americanas. A rede foi acusada de fazer a venda on-line em quiosques, sem que a receita fosse contabilizada no aluguel pago ao shopping.
Fonte: Valor Econômico