Dono do app de compras mais baixado do país, site de Singapura atinge 2 milhões de sellers locais, que respondem por 87% das vendas
Por Daniele Madureira
Jogador de polo aquático desde a adolescência, ex-integrante do time do Paineiras do Morumby, Felipe Piringer, 34, precisa ser rápido na água. Pelas regras do jogo, cada equipe dispõe de apenas 30 segundos para realizar uma jogada a fim de marcar um gol.
Essa agilidade precisou ser colocada à prova à frente da operação da Shopee no Brasil. Diretor de marketing e estratégia da empresa no país, ele foi responsável por nacionalizar a operação a partir de julho de 2020, dez meses depois de a plataforma de compras de Cingapura chegar ao Brasil.
Isso significou fazer acordos com vendedores locais –os chamados “sellers”, que expõem seus produtos no marketplace da Shopee, mediante uma comissão sobre as vendas. Na prática, são a versão virtual dos lojistas que pagam aluguel para um shopping center.
Agora, em abril, a Shopee acaba de alcançar 2 milhões desses lojistas virtuais locais, diz à Folha Piringer. A empresa não informa o número total de sellers, incluindo estrangeiros.
A título de comparação, o Magazine Luiza, um dos maiores sites de comércio eletrônico do país, reúne 160 mil vendedores online locais. A Americanas, outra grande operação online, tem 122 mil. Já o argentino Mercado Livre tem 9 milhões de sellers, mas considerando suas operações em toda a América Latina.
A Shopee se tornou o aplicativo de compras mais baixado do país no ano passado, com mais de 100 milhões de downloads, segundo dados da empresa de desenvolvimento de software e análise de mercado EmizenTech.
“Hoje, 87% das nossas vendas vêm de vendedores locais”, diz Piringer, um engenheiro mecânico que se apaixonou pela profissão quando trabalhou como torneiro mecânico na Suíça. “Nossa operação é brasileira, não é uma tradução de site estrangeiro”, afirma.
A distinção é importante neste momento, em que a companhia, controlada pelo grupo Sea, de Singapura, entrou no escrutínio da Receita Federal, ao lado de outras operações de comércio eletrônico com sede no exterior, como as chinesas Shein e Aliexpress. Conforme reportagem da Folha, os sites asiáticos já atraem dois terços dos brasileiros que fazem compras online, em busca principalmente de preços baixos.
O avanço vertiginoso já incomoda parte dos varejistas nacionais. Para eles, esses sites aproveitam uma brecha da legislação que autoriza uma pessoa física a enviar bens estrangeiros a outra pessoa física no Brasil sem pagar impostos, desde que o valor da mercadoria fique abaixo de US$ 50.
Piringer diz que a Shopee é apenas um marketplace, ou seja, uma plataforma digital que vende produtos de terceiros, e não importa nada diretamente. Os sellers se cadastram e pagam um percentual sobre as vendas.
Ainda assim, afirma, se houver uma MP (Medida Provisória) por parte da Receita Federal para aumentar os impostos sobre compras de produtos estrangeiros, a medida terá um impacto reduzido sobre a operação, uma vez que apenas 13% das vendas vêm de produtos importados. E todas são formalizadas, com nota fiscal, diz ele.
“A Shopee tem CNPJ desde 2019. Nossa sede está na cidade de São Paulo, onde pagamos impostos, não fomos buscar uma cidade mais barata no entorno (risos)”, afirma Piringer, que conversou com a Folha na sede da empresa, na zona sul da capital paulista. A Shopee ocupa três andares de um edifício na avenida Brigadeiro Faria Lima e hoje já emprega 1.500 pessoas diretamente. “Estamos crescendo rápido e contratando mais gente”, diz.
Os produtos mais vendidos da Shopee no Brasil
- Máscaras descartáveis
- Balas de goma
- Fones de ouvido
- Sabão em pó
- Ring lights
- Smartphones
- Papel de parede
A seguir, os principais pontos para entender a estratégia da varejista online:
Expansão internacional a partir do Brasil
A Shopee foi lançada em 2015, em sete países do sudeste asiático ao mesmo tempo. Com sede em Cingapura, a sua expansão internacional começou pelo Brasil, em setembro de 2019. Hoje a empresa também está na Europa e em outros países da América Latina –Argentina, Colômbia, Chile e México.
A companhia afirma não ser mais um site estrangeiro (“cross border”), pois tem a proposta de construir um “ecossistema local”, ligando empreendedores brasileiros (os “sellers”) a consumidores brasileiros. “Nosso time não traduz site estrangeiro, temos uma equipe que constrói a operação brasileira”, afirma Piringer.
O controlador da Shopee é o grupo Sea, que em 2021 faturou US$ 9,95 bilhões (R$ 46,8 bilhões). Além do comércio eletrônico, o grupo atua no mercado financeiro (com a fintech SeaMoney) e no entretenimento (com a Garena, dona do Free Fire, um dos jogos mobile mais populares do mundo).
Lançamento de campanhas de marketing com influenciadores locais
Uma pesquisa da consultoria NielsenIQ|ebit apontou que o percentual de consumidores da Shopee na internet brasileira saltou de 8% para 56% no ano passado. Segundo a empresa, o sucesso se deve à construção da operação local, que já gerou 1.500 empregos diretos, envolvendo desde o atendimento ao consumidor a campanhas de marketing locais.
A empresa promoveu campanhas com influenciadores como a atriz Larissa Manoela e a banda de forró Barões da Pisadinha. Também lançou filmes com o astro chinês das artes marciais Jackie Chan falando em português.
Construção de uma base nacional de “sellers”
A empresa começou a vender no país em setembro de 2019 com 100% de produtos estrangeiros. Mas hoje apenas 13% das vendas do site são de importados. Eram 15% no ano passado e a fatia vem caindo, segundo a companhia. Os produtos nacionais começaram a ser oferecidos no site em julho de 2020 –esta é a data que a Shopee considera como sua chegada oficial ao Brasil. Hoje a empresa soma 2 milhões de “sellers” brasileiros na sua plataforma; em outubro do ano passado, eram 1 milhão.
A comissão que a Shopee cobra dos vendedores que expõem seus produtos no site é de 12%. A Folha apurou que, entre os principais concorrentes, este percentual varia de 11% a 20%. A empresa não cobra comissão no caso de compras canceladas, como fazem alguns competidores.
A Shopee oferece ainda o Centro de Educação do Vendedor: um ambiente de aprendizagem virtual, com videoconferências e cursos de profissionalização em áreas como marketing, noções básicas para envio de pedidos, expansão dos negócios e vendas com dados analíticos.
Uso de gameficação para atrair consumidores
Para reter a atenção dos consumidores no seu aplicativo, que concentra 95% das vendas, a empresa lança mão da gameficação (jogos virtuais com recompensas no “mundo real”).
As “moedas Shopee”, que garantem descontos nas compras, são oferecidas quando o consumidor faz uma compra, quando joga ou quando avalia um produto. Se o produto chegou antes e o consumidor avisa o site, também ganha moedas Shopee, que funcionam como um “cashback” (devolução de uma porcentagem do valor da compra).
A empresa também afirma zelar para que o cliente receba a mercadoria: o pagamento do vendedor fica retido até que a transação seja concluída, depois da entrega do produto. Outros atrativos são frete grátis, promoções em datas duplas (como 04/04) e a forte presença nas redes sociais. Hoje o site soma mais de 7 milhões de seguidores no Instagram e 2,8 milhões no TikTok.
Sortimento variado de produtos e diversos parceiros logísticos
A Shopee não informa quantos SKUs (itens) vende no site. Mas a lista de categorias de maior demanda é eclética: máscaras descartáveis, balas de gelatina, fones de ouvido e sabão em pó. No “top 10” de produtos mais vendidos nos últimos 12 meses também entram ring lights (acessório para iluminação de fotos e vídeos), papel de parede e smartphones de marcas como Xiaomi e Huawei.
A empresa reconhece, no entanto, que precisa melhorar a operação logística. Hoje, a Shopee conta apenas com um cross docking em Barueri (SP), que auxilia na separação dos produtos: cerca de 10 parceiros logísticos levam os itens para o cross docking, onde a equipe da Shopee os separa por CEP e os despacha para que parceiros logísticos façam as entregas, entre eles os Correios.
A empresa não revela se e quando pretende ter um CD (centro de distribuição) no Brasil. Nem informa sobre o tempo médio de entrega.
RAIO-X: Shopee Brasil
Fundação: 2015, em Singapura
Funcionários: 1.500
Vendedores cadastrados: mais de 2 milhões
Receita*: US$ 70 milhões
Número de pedidos*: 140 milhões
Principais concorrentes: Mercado Livre, Americanas, Aliexpress
* Dados referentes ao 4º trimestre de 2021
Fonte: Folha de S. Paulo