Grupo sonda possíveis alvos há meses e não pretende fazer novas incursões em vestuário
Por Adriano Mattos
A venda da participação de 60% da Alpargatas na Osklen para o Grupo Dass, informada na noite de anteontem, vai reforçar o caixa da dona da Havaianas e deve acelerar o seu plano de aquisições. A Alpargatas já vem sondando o mercado há alguns meses para identificar potenciais nomes, dizem duas fontes, e avalia marcas digitais globais, inclusive para expansão em mercados internacionais.
Na segunda-feira o conselho da Alpargatas aceitou uma oferta vinculante do Grupo Dass que avalia a Osklen em até R$ 400 milhões – o que implica num múltiplo de 16,4 vezes o valor do lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação nos últimos 12 meses. A Dass pagará R$ 180 milhões em três parcelas anuais e uma variável de até R$ 60 milhões, condicionada ao atingimento de metas em 2022 e 2023.
Em 2012, a Alpargatas pagou R$ 67,5 milhões por 30% da Osklen e, em 2014, mais R$ 159 milhões pelos outros 30%, segundo comunicados da época. O fundador da Osklen, Oskar Metsavaht, que detém 40% da empresa, se mantém no negócio como sócio da Dass.
“Nos últimos três anos fizemos um programa de desinvestimento, saindo de marcas não estratégicas, como Rainha e Mizuno, e agora esse ciclo se completou com venda da Osklen. Estamos focados na montagem de uma ‘powerhouse’ de marcas icônicas e hiperconectadas e temos olhado dentro e fora do Brasil […] Há marcas interessantes com fundadores, com private equities e outras marcas mais conhecidas nas mãos de grandes grupos”, disse ontem ao Valor o CEO da Alpargatas, Roberto Funari.
Hoje, em termos de marcas, sem a Osklen, a Alpargatas se mantém como dona da Havaianas e da Dupé, mas a companhia já chegou a operar diferentes negócios, como Timberland e Topper.
O plano está voltado para a criação de uma plataforma de marcas globais e com orientação mais “tech”. Dentro dessa lógica, em maio, a companhia informou a compra da Ioasys, especializada em soluções tecnológicas. Na semana passada, anunciou o um plano de investimento de R$ 600 milhões em 2022, além dos R$ 300 milhões em 2021. Segundo o CEO, o grupo vai ampliar a capacidade de produção de Havaianas em mais 5 milhões de pares ao mês – passando de 22 milhões para 27 milhões.
“Dobramos a receita nos últimos três anos e queremos dobrar de novo nos próximos três anos”, afirmou Funari.
Há um projeto de expansão voltado para mais linhas a serem criadas a partir da Havaianas, além da plataforma digital do grupo Alpargatas em construção. “A gente é muito bom em crescer marcas, então a nossa tese é simples. É ter escala geográfica e de categorias para usar a força de distribuição para novas marcas além da Havaianas”, disse o CEO.
A empresa busca negócios em todos os segmentos de calçados, em áreas que a Havaianas não vai ocupar. Está afastada a ideia de novas aquisições em vestuário. “Tem coisas no Brasil que vão esbarrar em Cade [órgão antitruste] mais do que uma operação [de compra] fora como Europa, EUA ou China”, disse. “O que não vamos fazer é [adquirir] plataformas de varejo, ou seja, uma empresa com marca fraca e forte no varejo não nos interessa”.
Fundada em Santa Catarina nos anos 80, a Dass produz roupas esportivas e calçados em 17 fábricas no Brasil e na Argentina. A companhia representa a Fila e a Umbro no país, mas não tem operação voltada a marcas mais premium. Apesar de produzir linhas esportivas, a Osklen é forte em segmentos de moda mais urbana.
A venda da participação da Alpargatas na Osklen acabou amadurecendo especialmente após 2020, com a crise provocada pela pandemia e o foco da Alpargatas em acelerar seu plano para o comércio eletrônico com marcas mais “escaláveis”, diz uma fonte. “Não foi uma negociação formal, aberta a potenciais interessados. Mas o mercado sabia que, a certo preço, os donos seriam vendedores. Era uma questão de acertar valores”, disse a fonte.
O Valor apurou que Oskar Metsavaht apoiava já há algum tempo uma mudança no controle para avançar com um novo plano de crescimento com outros sócios. A operação da Osklen não teria avançado como se planejava inicialmente, após a venda para a Alpargatas, diz uma segunda fonte.
“O negócio da Osklen foi da administração anterior [na gestão da J&F], dentro do conceito de ter um canal de venda de moda de luxo. Mas a operação vem sofrendo concorrência mais pesada da Reserva e Farm, marcas que vêm ganhando força com o crescimento de Arezzo e Grupo Soma”, diz outra fonte.
No fim de 2014, quando a Alpargatas alcançou o controle, a Osklen contava com 80 lojas, sendo 58 unidades próprias e 22 franquias. Sete anos depois, no fim setembro de 2021, eram 75, sendo 27 franquias e 48 próprias.
De janeiro a setembro de 2014, ano que assumiu o controle da Osklen, a marca somou R$ 140 milhões em vendas líquidas. Neste ano, de janeiro a setembro, foram R$ 180 milhões, mas há efeito nos números da crise sanitária. Antes disso, de janeiro a setembro de 2019, foram R$ 186 milhões. Ou seja, nos nove meses de 2019 versus 2014, a alta acumulada foi de pouco menos de 29%. Procurada, a Osklen não se manifestou.
Funari disse que a Osklen avançou sob gestão da Alpargatas, que 40% de sua venda hoje já é digital e que a marca é lucrativa. Porém “tem baixa complementariedade e perdeu importância relativa”, disse. “Ela era 8% da receita anos atrás e caiu para menos de 5%”.
A conclusão da venda ainda está condicionada ao avanço da negociação entre as partes, incluindo a realização de auditoria. A proposta da Dass deve ainda ser analisada em assembleia de acionistas. O Itaúsa tem 42,9% das ONs da Alpargatas e a Cambuhy Alpa Holding, 33,2%.
Fonte: Valor Econômico