Por Adriana Mattos – Representantes do varejo, de plataformas estrangeiras e da Receita Federal se reuniram ontem para tentar avançar no debate do novo programa de remessas internacionais do governo. O Valor apurou que, pelo que foi discutido, uma portaria deve ser publicada pela Receita nos próximos dias sobre como será o processo de adesão às novas regras.
Ainda há, porém, uma série de dúvidas sobre o funcionamento do programa e da capacidade de fiscalização dos Correios e da Receita sobre as mercadorias importadas, após a chegada das remessas. Participaram da reunião virtual o subsecretário da Receita, Jackson Corbari, membros do IDV, principal entidade de empresas do varejo, e representantes de plataformas como Shein e Shopee, apurou o Valor.
Segundo portaria publicada na sexta-feira pelo Ministério da Fazenda, a partir de 1º de agosto envios internacionais de até US$ 50 serão isentos de imposto de importação de 60% se a plataforma on-line estiver dentro do novo programa. Na reunião foi informado que o transportador da remessa — Correios ou as empresas privadas de “courier” — farão a adesão ao novo programa, o Remessa Conforme, e as plataformas e seus lojistas farão o envio dos produtos por meio desses operadores habilitados. O envio pode ser feito dentro ou fora do Remessa Conforme.
São entre 800 mil e 1 milhão de encomendas enviadas diariamente ao país, logo, cada uma delas estará dentro ou fora desse novo sistema. Isso eleva o grau de complexidade da fiscalização, concordam sites estrangeiros e redes locais, pelos menos nos primeiros meses de implementação das regras.
Se a empresa enviar a compra pelo Remessa Conforme, o consumidor fica isento dos 60% de imposto de importação nos envios de até US$ 50, e o desembaraço das mercadorias será mais rápido. Haverá a incidência de 17% de ICMS sobre o valor total da compra (incluindo frete e seguro)
Caso o envio ocorra fora do Remessa Conforme , continuam a valer as regras em vigor hoje, com cobrança do imposto de 60%, além do ICMS de 17%.
Se o consumidor comprar algo numa plataforma que usa um transportador certificado, ela terá o “selo de conformidade”. Se não tiver o selo, a compra será transportada fora do novo sistema.
Muitos dos pontos levantados pelas plataformas e redes na reunião de ontem passavam por esses temas. “Ainda há dificuldade de entender os impactos e como o modelo funcionará. Teremos uma fase de transição pela frente. O fato é que teremos uma espécie de dois ‘corredores’ de produtos chegando ao país, um dentro e outro fora do programa”, disse uma pessoa que esteve na reunião.
Ainda ontem, ao ser questionada, a Receita disse que está “trabalhando” para se adequar ao novo formato e eventuais atrasos na implementação, se ocorrerem, não devem ser significativos, apurou o Valor. Há possibilidade de não haver adesão imediata ao programa, segundo a ABComm, entidade do comércio online.
O IDV deve se reunir com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entre esta semana e a próxima, para apresentar sugestões de alíquotas para se definir um novo imposto de importação nas remessas internacionais. Esse assunto já havia sido tratado em encontro entre Haddad e o IDV, no último sábado, e ficou acertado que o instituto faria análises e sugerir alíquotas que possam estabelecer isonomia tributária das redes com as plataformas estrangeiras.
O tema foi tratado depois de duas críticas que o setor varejista fez à forma como o governo conduziu a discussão sobre o tema do imposto nessas remessas. Como o Valor antecipou na sexta-feira, o tema da isenção nunca foi discutido com líderes do varejo, apesar dos encontros ocorridos, com o ministério e a presidência da República, neste mês, para tratar de mudanças nas regras.
Após a publicação da portaria, Haddad disse que haveria uma segunda fase do programa, com prováveis ajustes, e o varejo passou a defender a definição de uma nova alíquota. Segundo uma fonte, já há um entendimento entre varejistas que essa taxa não pode ficar abaixo de 25%, que é o imposto de importação de vestuário.
“A palavra hoje é isonomia, é garantir a isonomia tributária entre as redes e as plataformas. Estamos trabalhando para trazer a realidade dos impostos ao ministro, e a decisão cabe a ele. Não vamos definir nada, vamos apresentar as informações ao ministro e propostas para buscar uma equidade”, disse Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV. Ele não mencionou alíquotas possíveis.
Paralelo a esse movimento, o Valor apurou que o IDV vem ampliando a discussão sobre a isenção de imposto e o novo programa junto às indústrias. A ideia é trazer a Fiesp, a federação das indústrias de São Paulo, para esse debate, considerando o efeito da entrada de importados no país no setor produtivo, e não apenas no varejo.
O presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, comanda a Coteminas. Na quinta-feira passada, um dia antes do anúncio da isenção dos 60%, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve com Gomes. Naquela tarde, a Shein e a Coteminas anunciaram acordo para produção de roupas da Shein em unidade da Coteminas em Natal (RN).
A Coteminas enfrenta situação financeira difícil. O acordo com a Shein envolve a entrada de recursos na Coteminas como capital de giro. Gomes é filho de José Alencar, vice-presidente na gestão do presidente Lula, de 2003 a 2010, e tem relação próxima com membros do atual governo. Procurada, a Fiesp não se pronunciou.
Fonte: Valor Econômico