Em dezembro passado, um episódio envolvendo uma rede paulistana, que distribuiu cartilha condenando o casamento entre pessoas do mesmo sexo, viralizou nas redes sociais. A direção da empresa se desculpou, mas a repercussão foi ruim e poderia ter sido evitada. Pedro Jaime e Fred Lucio, professores da ESPM e autores do livro “Sociologia das Organizações”, analisam esse tipo de decisão e suas consequências.
Em muitos casos de preconceito, a decisão foi tomada pelo comando da empresa. Por quê?
Geralmente essas atitudes partem de pessoas que têm um perfil bastante conservador. Muitas vezes, preconceitos dessa natureza derivam de valores ensinados. Mudar isso não é fácil, mas necessário. Principalmente se levarmos em conta que as empresas precisam estar alinhadas com as transformações do mundo. Uma empresa não é apenas um agente econômico. Ela também faz parte do cenário social, político e cultural. Lideranças e gestores com preconceitos enraizados e incapazes de rever seus pontos de vista podem perder espaço e comprometer a imagem da organização.
O empresário ou diretor não deveria separar suas crenças pessoais das atitudes da empresa?
É preciso investir muito na formação dos executivos, mas não apenas na expertise que gera lucratividade – vendas, compras, marketing, etc. O mundo contemporâneo exige uma gestão atenta às complexidades relativas ao fator humano. Tanto à gestão de pessoas com seus interesses e conflitos, quanto às relações com os diversos públicos – não só fornecedores, concorrentes, clientes, mas o público em geral.
É possível a empresa ter valores diferentes dos valores de quem a comanda?
Se a empresa tem uma personalidade jurídica, independente da personalidade física de seus donos, ela deve ter valores próprios. Sabemos que as coisas não são tão simples. Porém, é preciso ter claro que cada escolha remete a uma ação, e cada ação provoca uma reação. Quando a resposta é ruim, polêmica de grande alcance, empresários e profissionais passam por um baita estresse e o negócio pode ser afetado negativamente.
Como a rede deveria ter agido?
Caberia ao líder e a seus gestores discutir a pertinência de uma comunicação que é ofensiva a uma grande comunidade (de clientes ou não, de homossexuais ou não). Hoje, as pessoas que se opõem à chamada “intolerância às diferenças” têm nas mídias sociais um difusor de opiniões e protestos. O mercado, que em grande medida orienta a construção dos valores da organização e sua gestão, cobra esta separação entre o valor pessoal e o da empresa. O mercado não é uma entidade abstrata; ele está enraizado numa rede de relações sociais, culturais e políticas que, hoje, tem encontrado nas redes sociais um canal de manifestação.
Quais seriam os conselhos para os empresários?
É difícil falar em conselhos genéricos, válidos para toda e qualquer empresa, de qualquer ramo de atividade, independente da sua história e do contexto sociopolítico em que atua. Mas gostaríamos de concluir com duas considerações que julgamos serem contribuições importantes à Sociologia das Organizações. A primeira é que as empresas devem estar atentas às múltiplas e contraditórias demandas dos diversos atores com quem se relacionam e que interferem tanto na sua dinâmica interna, quanto na sua dinâmica externa. A segunda é consequência da primeira. As demandas dos múltiplos atores estão em constante transformação. Portanto, as lideranças empresariais e os gestores organizacionais precisam investir permanentemente em sua capacitação ampla e estratégica. Só assim estarão preparados para gerir empresas num mundo cada vez mais complexo.
Fonte: Supermercado Moderno