Ainda pouco concentrado, o varejo brasileiro vive o início de uma nova e intensa onda de aquisições estratégicas, impulsionada por um amplo pacote de transformações. Entenda o que está por trás dessa agenda
Por Alberto Serrentino
O varejo brasileiro viveu algumas ondas de fusões e aquisições, que coincidem com ciclos de evolução do negócio. A primeira grande onda aconteceu no ciclo pós-Plano Real (1994-2002), motivada pela abertura econômica e controle da inflação. A segunda veio no ciclo do boom (2003-2012), que provocou aumento de renda, consumo e forte expansão do varejo.
Estamos vivendo a terceira onda, que tem características distintas das anteriores e está associada ao ciclo de transformação do varejo.
Nas três ondas, os movimentos foram promovidos por aberturas de capital, entrada de operadores internacionais, fundos de private equity e agressividade de empresas com ambição de crescimento.
O varejo vem passando por um processo de transformação, impulsionado pela digitalização de consumidores e dos negócios, e acelerado pela pandemia da Covid-19.
Isso tem levado ao surgimento de novos modelos de negócio, caracterizados como plataformas e ecossistemas, que crescem exponencialmente a partir de bases de clientes e recorrência, integrando varejo, marketplace, serviços financeiros, conteúdo, mídia, entretenimento e outros serviços.
Os modelos ancoram-se em tecnologia proprietária e infraestrutura e crescem via ativos de terceiros e de forma não orgânica.
No mercado chinês, onde os ecossistemas de negócio surgiram e transformaram o varejo nos últimos seis anos, modelos como Alibaba, Tencent, JD.com e Suning tornaram-se grandes operadores e investidores em negócios de varejo, por entenderem sua importância para escalar modelos sustentáveis orientados a clientes e dados.
Assim, o Alibaba investiu em negócios como Sun Art e Lianhua (supermercados), Yiantai (lojas de departamentos), e implantou negócios próprios, como a rede de supermercados Hema.
Já a Suning, ecossistema originado de uma empresa de varejo, comprou as operações de Tesco, Dia e Carrefour na China. Nos EUA, a Amazon.com adquiriu o Whole Foods.
O mercado brasileiro tem dimensão continental, elevada concentração demográfica e geográfica, regionalismo e grandes diferenças entre as médias e grandes cidades e as pequenas. Tem varejo maduro, competitivo, fragmentado e regional.
Na primeira e na segunda onda de fusões e aquisições, houve vários cenários que apontavam para o domínio internacional e a consolidação do varejo no Brasil, e nenhum dos dois se concretizou.
Apesar de presença internacional relevante, diversas empresas de varejo saíram do Brasil nos últimos anos, como Walmart, Jeronimo Martins, Sonae, Ahold, Castorama, Fnac, TopShop, Forever 21, Gap, JC Penney, CVS, Ahumada, Elektra e Coppel.
Houve diversos movimentos de empresas, apoiadas por teses de investimento e investidores institucionais, de expansão acelerada por fusões e aquisições e consolidações setoriais que não aconteceram, como Máquina de Vendas, BR Pharma, BR Home Center, Leader, Walmart e Inbrands.
As causas são ligadas à estratégia, execução, governança, cultura, complexidade e conjuntura econômica. A atual concentração no varejo brasileiro é baixa, muito inferior a de outros mercados maduros e emergentes. A participação dos cinco maiores operadores em 2019 foi de 30% em supermercados; 20% em moda; 48% em eletro/ móveis; 8% em materiais de construção; e 24% em farmácias.
A atual concentração no varejo brasileiro é baixa, muito inferior a de outros mercados maduros e emergentes
Diversas empresas, no entanto, como GPA, Carrefour, Magazine Luiza, Via, Telhanorte, RD, DPSP e Lojas Americanas cresceram via processos de fusões e aquisições bem sucedidas, combinados à expansão orgânica.
O cenário atual apresenta grande liquidez global, juros baixos e busca por investimentos de risco. De outro lado, o mercado brasileiro sofreu depreciação em diversa empresas de valor, pelo impacto da pandemia, e o real sofreu desvalorização de aproximadamente 30% em 2020, o que amplia oportunidades e disponibilidade de recursos. Apesar do impacto da Covid-19, o ano de 2020 teve o maior número de IPOs na história do varejo brasileiro – oito operações.
O setor de moda vem passando por diversas movimentações, tanto no segmento premium como no chamado “mainstream” (mercado de massa). As aquisições de Reserva/ Arezzo & CO, Hering/ Soma, Puket/ Americanas e especulações sobre possíveis novas transações vêm movimentando o mercado.
Trata-se de um setor fragmentado, difícil de ser penetrado por operações internacionais, com uma cadeia de valor completa no mercado interno e dominância de marcas e operações brasileiras.
O mercado brasileiro de moda é maduro e sofisticado, há indústria local e o Brasil não segue os calendários de tendências do hemisfério Norte de forma defasada, limitando aproveitamento de coleções e sourcing por parte de empresas internacionais.
Há espaço para maior concentração, mas também para crescimento orgânico de operações independentes. O panorama competitivo do varejo brasileiro, no qual confrontam-se grandes redes, operadores regionais bem posicionados, marketplaces e ecossistemas, tem levado a três frentes de aquisições:
– Aquisições de empresas concorrentes ou que atuem no mesmo segmento, para ganhos de escala, sinergias, complementaridade de competências, cobertura e participação de mercado, como as da Reserva, por Arezzo & CO; Grupo Big, por Carrefour; e Hering; por Grupo Soma;
– Aquisições de negócios de varejo, e-commerce e marketplaces, para ampliação de base de clientes e categorias, recorrência e volume de vendas. Nesse caso, entram as aquisições de Netshoes e Época Cosméticos por Magazine Luiza; Beleza na Web, pelo Grupo Boticário; Supermercado Now, por B2W; e Grupo Uni.co por Lojas Americanas;
– Aquisições de empresas de tecnologia, startups e componentes para aceleração na transformação digital e evolução de modelos de negócios em direção a plataformas e ecossistemas. Figuram nessa frente diversas aquisições feitas pelo Magazine Luiza (como Logbee, HubSales, Integra Commerce, InLoco Media e Jovem Nerd), B2W (como Bit Capital, SkyHub, InfoPrice), Via (como banQi, Asap Log e Celer), RD (tech.fit, HealthBit) e GPA (James Delivery, Cheftime).
O atual cenário econômico, o processo de transformação do varejo, o crescimento dos marketplaces e o desenvolvimento e expansão de novos modelos de negócio (plataformas e ecossistemas) devem alimentar processos de fusão e aquisição no mercado brasileiro.
Haverá maior intensidade de competição e convivência entre grandes ecossistemas diversificados, grandes grupos e redes de varejo com atuação nacional e operadores regionais especializados
A competição volta-se cada vez mais por clientes e recorrência, em modelos que permitam crescimento acelerado e sustentável, com geração de valor. Dificilmente o varejo brasileiro será consolidado por poucos operadores dominantes, mas haverá maior intensidade de competição e convivência entre grandes ecossistemas diversificados (como Mercado Livre, Magazine Luiza, Americanas, Amazon e Via), grandes grupos e redes de varejo com atuação nacional e operadores regionais especializados.
A exemplo do que aconteceu no mercado chinês, as fronteiras entre os negócios não serão rigidamente delimitadas e haverá empresas atuando em marketplaces de terceiros ou investindo em outros negócios que podem competir pelos mesmos clientes.
Alberto Serrentino é fundador da Varese Retail, consultor, palestrante internacional, autor e conselheiro de empresas
Fonte: Neofeed