Por Adriana Mattos | O que o mercado viu, nos últimos dias, com as negociações envolvendo aoperação da Starbucks no Brasil e a venda da rede de supermercados Dia, além das conversas entre o Grupo Mateus e a rede Nova Atacarejo, pode passar a impressão de uma nova onda de consolidação do setor de consumo — no caso do Dia e da Starbucks, imposta pela crise que ambas vivem.
Mas mesmo considerando essas duas empresas, em recuperação judicial, não dá para colocar todas as operações na mesma cesta. Além disso, é difícil concluir, pelo menos em relação a esses ativos, que os negócios sob proteção judicial são, necessariamente, um prato cheio para o avanço dos compradores com perfil de adquirir negócios muito alavancados.
Havia um interesse maior no caso da Starbucks, pela força da marca e relação de fidelidade com consumidores, mas bem menor na rede Dia, sem grandes ativos líquidos a negociar, como lojas e centros de distribuição próprios (quase tudo é alugado), e que trabalha num modelo menos comum de operação no país (franquia de varejo alimentar), o que não gera grande interesse de competidores.
O Dia fechou, na semana passada, um contrato de compra e venda com o Lyra II Fundo de Investimentos em Participações, de ex-executivos da Álvarez & Marsal, por um valor simbólico de 100 euros, mais transferência das dívidas a negociar com credores.
“A Stabucks é uma coisa, o Dia outra, e a Americanas, nem se compara a elas”, diz o sócio de um supermercado que analisou esses ativos.
Segundo ele, não se trata apenas do fato de serem diferentes segmentos, mas porque, pensando como investidor, a Starbucks tem potencial maior, as lojas são bem localizadas e trata-se basicamente de um acerto na gestão. “O erro ali foi quem administrou o negócio. É um ajuste bem mais fácil que a BK [sigla da Burger King, controlada pela Zamp] fará sem problema”, disse essa fonte.
Na Starbucks Brasil, foi anunciado, nessa quinta-feira (6), um acerto prévio para a compra da operação, a ser concluída em leilão dos ativos, para a Zamp, por R$ 120 milhões.
A respeito dos supermercados do Dia, controladores da empresa, ligados a sócios russos do grupo de investimentos Letterone, preferiram se desfazer da varejista por valor simbólico de 100 euros para tirar a dívida de mais de R$ 1 bilhão do balanço, num momento de renegociação dos passivos com bancos internacionais.
Nessa hora, isolar o ativo tóxico, e reduzir a alavancagem, pesa nas negociações e ainda melhora os números num momento em que, segundo apurou o Valor, a linha de frente do Dia precisa alcançar metas internas para ter acesso a bônus atrelados a equilíbrio financeiro.
Já a Americanas vive outro cenário. A empresa buscou vender, no ano passado, o negócio da Hortifruti Natural da Terra, que teria recebido menos investimentos nos últimos dois anos, e perdido mercado para supermercados regionais, o que diminui os múltiplos para a venda.
Mas a empresa não sinalizou a potenciais interessados um efetivo interesse em avançar com as conversas no fim do ano passado — 50 empresas tiveram acesso a dados da rede no “data room”, ambiente virtual fechado que reúne informações de uma empresa a ser vendida, só que não houve avanços nas análises.
“O banco [Citi] não acenava nenhum preço, nenhum múltiplo, e desistimos, mas eles precisam vender o ativo em até dois anos, como determina o plano de recuperação, então é um ‘deal’ a acontecer ainda”, segundo uma outra fonte.
Por conta de preços fora daquilo que a empresa projetava receber, a Americanas postergou, no fim do ano passado, o plano de venda da Hortifruti Natural da Terra. Trata-se de uma supermercadista referência na venda em frutas, legumes e verduras, que chegou a ser analisada por concorrentes, como o Oba, na época, mas que a Americanas levou por R$ 2,1 bilhões.
Pagou isso num período de pandemia, em que a demanda por produtos alimentares disparou, o que fez elevar seu valor de mercado na época, e hoje, passada a pandemia, já houve uma correção no preço para baixo, na visão de investidores que olharam o negócio.
Fonte: Valor Econômico