Por Graziella Valenti
A Natura &Co (NTCO3) deve avaliar propostas para Aesop, marca de origem australiana e negócio de maior crescimento do grupo hoje, na próxima reunião do conselho de administração, que deve ocorrer pouco antes da divulgação do balanço anual de 2022. A publicação dos números está prevista para dia 14 de março, após o fechamento da bolsa. A informação é do presidente global da companhia, Fabio Barbosa, em entrevista exclusiva ao EXAME IN. “Isso está para acontecer. Deve ser nas próximas duas ou três semanas.”
Neste momento, segundo ele, estão na mesa apenas discussões sobre venda para grupos estratégicos e fundos de private equity. Devido às condições de mercado, as possibilidades de uma oferta pública inicial (IPO) ou de uma listagem por meio de uma cisão não estão mais sendo avaliadas. Contudo, não houve, por parte da Natura &Co uma solicitação de propostas em um único modelo. Está aberto ao sabor dos interessados, nesse momento. Ou seja, não há uma definição sobre venda parcial ou total. “Nós nos reservamos o direito, no conselho de administração, de encontrar o que melhor atenda nossos interesses”, afirmou ele, na conversa, realizada em seu escritório, na região do Itaim-Bibi, no começo desta semana. Nesse momento, as ofertas que chegarem são não vinculantes e, após a análise do conselho, haverá uma definição mais clara sobre o que fazer.
E o que a companhia busca com essa transação? “Algo que permita, número um, que a Aesop continue crescendo, e número dois, uma desalavancagem da holding”, explica ele. A Natura &Co terminou setembro com R$ 13,4 bilhões em dívida bruta e R$ 8,8 bilhões em dívida líquida. Na comparação anual, a dívida líquida aumentou quase 30% quando comparada aos R$ 6,7 bilhões de setembro de 2021.
““Temos endividamento grande e, nesse momento em que o mundo todo está com taxas de juros mais elevadas, é bom diminuir. É nisso que estamos trabalhando.””Fabio Barbosa
Barbosa destacou que o fato de a geração de caixa do grupo não estar em seu melhor momento não pode atrapalhar as oportunidades de expansão da marca australiana. Ela ainda pode e precisa investir em crescimento.
De janeiro a setembro de 2022, a receita líquida da Natura &Co teve queda de 0,6%, para aproximadamente R$ 26 bilhões. A variação considera moedas constantes, uma vez que o grupo, dono ainda das marcas The Body Shop e Avon (exceto nos Estados Unidos), tem atuação em mais de 100 países. Nesse portfólio, a Aesop é a única ainda de alto crescimento. A receita líquida em nove meses somou R$ 1,84 bilhão, um incremento de 22,5%.
Outro comentário do executivo é que desde sua chegada à companhia modificou as prioridades. E, exceto pela marca australiana, os esforços não estão mais direcionados à expansão, e sim ao aumento da rentabilidade. “Esse momento de buscar crescimento conjunto e sinergias acabou. Ficou para trás”, disse Barbosa. Em 2022, até setembro, o Ebitda da Natura &Co teve queda de 34%, na comparação anual, para R$ 1,6 bilhão. A margem recuou de 8,5% para 6,1%.
Esse foco é muito aguardado pelos investidores. Nesta quinta-feira, dia 16, o Itaú BBA divulgou sua atualização de projeção de resultados. A instituição acompanhou a empresa em uma série de reuniões em Londres e atualizou o preço-alvo para a companhia para R$ 18. Atualmente, o papel é negociado em torno de R$ 15, com a empresa avaliada em torno de R$ 20 bilhões. Tanto o target do Itaú, quanto o valor em bolsa estão distantes do pico alcançado em meados de 2021, com a avaliação em bolsa chegou próxima dos R$ 80 bilhões — e a ação passou de R$ 56.
A principal mensagem vista como positiva pelo analista Thiago Macruz é que os resultados obtidos na operação da América Latina não irão mais financiar as demais unidades de negócio, como Avon International e The Body Shop. Em sua entrevista, Barbosa não falou sobre resultados ou projeções de números. Macruz, após as conversas com a empresa, estima que neste ano de 2023, a receita líquida do grupo volte a superar R$ 40 bilhões, com Ebitda de R$ 4,24 bilhões e, portanto, margem acima de 10%.
Natura e Avon ou Natura &Co?
A desvalorização da companhia na B3 reflete uma cobrança dos investidores por resultado: lucros e dividendos. Além do Ebitda em queda, a Natura & Co acumula de janeiro a setembro, prejuízo de quase R$ 2 bilhões, ante lucro líquido de R$ 350 milhões em 2021. O desempenho negativo ocorreu em um ano particularmente desafiador: o mercado cobrou e escolheu concentrar suas apostas em empresas rentáveis, deixando um pouco de lado o foco todo em crescimento que predominou nos anos anteriores.
A chegada de Fabio Barbosa à presidência da Natura &Co (ele já era conselheiro, desde 2017) representa a tentativa da companhia de rever seu modelo. Deixar de lado o projeto de ser uma plataforma de marcas com uma gestão integrada dos negócios, busca por sinergias e oportunidades de crescimento, para se transformar em uma holding pura, em que cada frente tem vida altamente independente e é, inclusive, remunerada pelo seu desempenho. A leitura dos investidores a todas as mudanças é que o projeto de plataforma falhou. Trocando em míudos, talvez a companhia devesse ter colocado foco muito mais em fazer a Natura crescer do que em se tornar “&Co”.
De acordo com Barbosa, a Aesop é o ativo que está em seu melhor momento e que, por isso mesmo, é a mais atrativa para qualquer que seja a transação. Desperta mais interesse. Para as demais operações fora de América Latina também existe uma revisão em andamento, mas que nesse momento ainda implicam em venda. “Tudo pode acontecer. Inclusive, nada”, disse Barbosa, tentando lembrar que foi o autor original da expressão.
No caso de The Body Shop, que teve queda de 16% nas vendas dos primeiros nove meses de 2022, existe uma pesquisa que busca, de um lado, um “rejuvenescimento” da marca e, de outro, uma revisão do “footprint” das lojas. Barbosa comentou que, especialmente na Inglaterra, houve um impacto da pandemia importante sobre o papel das lojas físicas. O consumo deixou de se concentrar em grandes centros e passou a se espalhar pelos bairros. No caso de Avon International, o grupo está revendo a presença nas dezenas de países em que atua. O objetivo é que sejam mantidos apenas aqueles em que há crescimento e uma operação saudável. Nos demais, é possível que o negócio siga com características próximas a de um modelo de “master franqueadores”. Não há uma definição ainda, porém.
João Paulo Ferreira conduz todo o negócio na América Latina, onde especialmente a marca Natura tem desempenhado bem. Nessa frente, o momento é de integração das operações entre Natura e Avon para além das sinergias básicas de fabricação já implementadas. Agora, o objetivo é que o time de consultoras seja unificado.
Mas Barbosa reforça que, neste momento, a Natura seguirá com modelo de marcas diversas. A diferença é que antes havia uma intenção de operação integrada e agora há uma percepção de holding dona de um portfólio que, como tal, pode ser modificado.
Governança – as críticas do mercado
Todo o processo de revisão de modelo tem deixado os investidores de Natura &Co muito mais atentos a toda e qualquer movimentação da companhia. Existem críticas em relação à comunicação do grupo. Não são de hoje e a insatisfação não é pequena. Não se trata da rotina de informações, mas de uma compreensão maior sobre o “projeto” Natura &Co.
Afinal, o que a companhia quer ser? Voltará a ser, no futuro, apenas Natura? E a Avon, seria correto entender que, ao fim de tudo, a empresa de origem americana se transformará em uma outra marca dentro da operação que é, na verdade, da companhia brasileira fundada pelo trio Antônio Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos? O trio de controladores detêm perto de 38% do capital da empresa. Não são mais sócios majoritários, desde a incorporação de Avon, mas ainda é deles a capacidade de decisão do futuro da empresa.
Além disso, há queixas de que a revisão do modelo começou com um propósito — tornar a companhia mais leve e destravar valor — e isso se modificou com o tempo e sem a devida comunicação. Inicialmente, houve rumores sobre possível venda da The Body Shop. Não estava tão claro se havia preferência por destravar o valor das marcas detidas, em especial da Aesop, ou pela desalavancagem da holding
Desde que Guilherme Castellan assumiu a frente financeira e de relações com investidores houve melhoria na apresentação dos números e mais detalhes sobre as marcas Natura e Avon na América Latina, separadamente. Além disso, o executivo conduziu um bom reperfilamento dos compromissos financeiros. Mas a sensação de distância da visão estratégica segue e é cada dia maior.
Tudo isso agora culminou na avaliação de investidores relevantes — alguns deixaram a base acionária da empresa e outros reduziram sua participação — que o modelo de governança da companhia está distante de ser o ideal para as necessidades do grupo. Ele reflete, ainda, um projeto de plataforma global. Dos 12 membros, três são os co-presidentes do conselho, Seabra, Leal e Passos, três são brasileiros e há seis executivos internacionais.
A atual formação do colegiado foi eleita na assembleia do ano passado e vai, portanto, até 2024. O mandato é de dois anos. Mas, depois disso, não será um espanto se investidores brasileiros tentarem indicar participantes. A crítica, em especial à presença de tantos estrangeiros, é que a companhia demandaria agora competências mais relacionadas a uma revisão do modelo, que pudessem se dedicar a esse projeto. Dessa forma, todas as decisões fariam sentido entre si e não seriam apenas posições pontuais sobre vender a Aesop porque é ativo mais desejado ou ainda acompanhar e cobrar metas de eficiência e rentabilidade de unidades de negócio.
Apesar de as marcas terem identidades muito fortes, falta à Natura &Co uma identidade corporativa, um projeto estratégico de longo prazo e, na visão de acionistas, o atual conselho de administração não seria o mais adequado para trabalhar corrigir essa questão.
Questionado a respeito disso, Fabio Barbosa limitou-se a dizer que a formação reflete as necessidades da empresa, sim, na visão dele. “Eu não posso saber de tudo. Eu ainda preciso de gente que entenda de venda direta no mundo, do mercado de luxo, do que está acontecendo na indústria em outros países”, comentou. E contou que dentro do colegiado foram formados pequenos grupos de especialidades para temas como varejo, venda direta, entre outros. De forma, que assuntos relevantes sejam aprofundados.
Alguns investidores são contra, por exemplo, a venda da Aesop, justamente por ser o ativo hoje com maiores taxas de crescimento. Dado o momento difícil no mercado de capital global e mesmo as pressões de taxas de juros mundo afora, o ideal seria vender um ativo menos relevante, ainda que por preço não tão expressivo. Seria isso melhor do que penalizar o ativo “mais sexy” em um momento de avaliações deprimidas — em especial, considerando private equities, que são normalmente os compradores que adotam os maiores descontos nas aquisições.
A percepção é que tal qual a frente executiva passou por mudanças, com a saída de Roberto Marques e a chegada de Castellan, o conselho de administração também precisaria de uma “revisão”. A análise é que a companhia vive uma espécie de crise de governança, que não é sobre valores ou controles, mas sim sobre ter uma identidade corporativa, um projeto, e um colegiado alinhado em busca dessa definição.
Fonte: Exame