Multinacionais de alimentos como Nestlé, Danone, Unilever e Mondelez ampliaram neste ano iniciativas de venda direta ao consumidor no Brasil, com o objetivo de estreitar relacionamento com o público e atingir áreas que ainda não alcançam com o varejo tradicional. Na Danone, por exemplo, a venda direta já representa 15% da receita em Salvador, onde o programa teve início. Na Nestlé, as vendas on-line da Páscoa e da linha Nespresso levaram a companhia a desenvolver um novo projeto de comércio eletrônico.
De acordo com a Euromonitor International, a venda direta de alimentos e bebidas teve aumento nominal de 13,9% em 2016 (ganho real de 7,61%), movimentando R$ 5,65 bilhões. Esse valor representou 0,7% do varejo de alimentos no país. A consultoria projeta para este ano avanço real de 3,5%. Já o varejo de alimentos teve aumento nominal de 10,6% (ganho real de 4,31%), para R$ 823,9 bilhões Para 2017, a Euromonitor prevê crescimento real de 2,3%. O crescimento mais baixo é reflexo da crise econômica que persiste no país.
As principais ações adotadas pelas multinacionais no Brasil para a venda direta são atração de revendedores, que recebem um percentual pela venda dos alimentos, e a abertura de sites próprios de comércio eletrônico.
Jean Paul Rebetez, sócio-diretor da GS&Consult, observa que algumas indústrias já fazem a venda direta ao consumidor há anos – como a Ferrero com quiosques da Nutella; a Fini, do Grupo Sánchez Cano, com lojas próprias e franquias; a JBS, com a rede Swift. “Há uma tendência forte das indústrias de ir para o varejo, para entender o consumidor, testar inovações e até obter margens melhores”, disse.
O desafio para as indústrias, afirmou Rebetez, é evitar conflitos com o varejo tradicional. “A indústria que não se posicionar claramente vai brigar com o varejo, como já aconteceu no passado entre supermercados e a Swift, da JBS”, afirmou. Nos EUA, onde as fabricantes avançam cada vez mais nesse território via comércio eletrônico, varejistas e indústrias discutem alternativas, como limitar a venda direta on-line a determinadas linhas de produtos, por exemplo.
A francesa Danone desenvolve desde 2011 em Salvador um projeto de venda porta a porta, envolvendo mulheres de baixa renda. As revendedoras, chamadas kiteiras, recebem 30% do valor dos kits de iogurtes que comercializam.
O projeto começou com 88 kiteiras em Salvador e hoje possui 2.140 revendedoras na capital baiana, na região metropolitana de São Paulo e em Fortaleza. As vendas diretas da Danone somaram R$ 9 milhões em 2016 com entrega de 1,5 mil toneladas de produtos. A meta é chegar a 2020 com 25 mil revendedoras, vendas de 17,6 mil toneladas e receita de R$ 100 milhões. Neste ano, a Danone vai expandir o programa para Rio de Janeiro e Minas Gerais.
“Também está em estudo levar o projeto para outras cidades do Nordeste”, afirmou Mauro Homem, diretor de assuntos corporativos da Danone. O programa passou por remodelações e só se tornou rentável em 2015. “Gerar desenvolvimento social e rentabilidade para a empresa é um processo difícil. Essa venda gera uma margem mais baixa, mas o aumento de escala deve melhorar a rentabilidade.”
A receita de R$ 9 milhões é ínfima, considerando a participação de 37,6% da Danone no mercado de iogurtes brasileiro em 2016 – o equivalente a cerca de R$ 6 bilhões, segundo dados da Euromonitor International. Homem disse que, em Salvador, as vendas diretas já respondem por 15% da receita da companhia. “A expectativa é que a venda direta no país atinja esse percentual de 15% com a ampliação do projeto de kiteiras.”
De acordo com a Euromonitor, em 2016, as vendas diretas representaram 8,9% das vendas totais de iogurtes no país, movimentando R$ 1,41 bilhão.
No caso da Yakult, que vende porta a porta desde a década de 60, esse modelo representa 60% das vendas totais da empresa. A companhia manteve estável o volume de vendas entre 2014 e 2016, e produz, em média, 2,1 milhões de unidades do seu leite fermentado por dia. Atsushi Nemoto, vice-presidente da Yakult do Brasil, disse que a venda é feita por aproximadamente 5 mil revendedores autônomos e que está sempre procurando ampliar o sistema no país.
A Unilever também lançou em junho um programa para atrair pessoas de baixa renda para a venda direta de sorvetes, com a meta de alcançar 8 mil revendedores até 2018. O projeto começou em Recife e Natal e já atraiu 180 pessoas. A companhia pretende ampliar este ano o programa para Teresina, Salvador, São Luís e Fortaleza.
A Nestlé, por sua vez, desenvolve há 11 anos um programa de venda direta no país. A comercialização é feita por 160 micro-distribuidores e 8 mil revendedoras autônomas. A Nestlé não informou quanto essa distribuição representa em seu resultado total no país. Segundo a companhia, a venda direta ao consumidor cresceu mais de 25% no último ano.
A multinacional ressaltou que tem como foco neste ano acelerar a venda direta por meios digitais, como a venda por comércio eletrônico e por meio do UberEats – serviço de entrega de alimentos do Uber. “Começamos a experiência com o UberEats na Páscoa e foi bem interessante. Diante do cenário positivo, fizemos várias ações sazonais como Dia das Mães, Dia dos Namorados”, afirmou Rafael Biselli, gerente de e-commerce da Nestlé Brasil. Segundo o executivo, a Nestlé prepara, para os próximos dias, o lançamento de uma loja da companhia na internet.
Biselli acrescentou que a Nestlé adotou a venda direta e o comércio eletrônico como modelos complementares ao varejo tradicional. “É mais uma forma de estar presente em todos os pontos de contato com o consumidor”, disse.
A Mondelez começou a fazer a venda direta de chocolates e ovos de Páscoa no site da Lacta e tem reforçado parcerias com supermercados e marketplaces (shoppings virtuais) para expandir as vendas on-line, afirmou Maria Clara Batalha, gerente de comércio eletrônico da Mondelez. “O consumidor brasileiro está amadurecendo em relação à compra de supermercado on-line”, afirmou Clara. Globalmente, a Mondelez International fixou em março a meta de atingir US$ 1 bilhão em vendas on-line no mundo até 2020. No Reino Unido, a companhia lançou um site para a venda de kits da marca Cadbury.
A Ebit, empresa de informações sobre varejo eletrônico, estima que a categoria de alimentos e bebidas represente 1,5% das vendas on-line totais no país – cerca de R$ 670 milhões. “O comércio eletrônico de alimentos ainda é pouco explorado, é uma categoria que exige uma logística muito apurada. As iniciativas no Brasil ainda são restritas”, disse Pedro Guasti, presidente-executivo da Ebit.
Ele observou que algumas redes de supermercados, como Extra, Pão de Açúcar e Zona Sul fazem a venda on-line de alimentos – incluindo resfriados, congelados e perecíveis -, mas a entrega fica restrita a algumas praças. O Carrefour anunciou no início do ano que estudava a viabilidade de vender alimentos pela internet. “Os consumidores querem comprar alimentos e receber no mesmo dia. O desafio para as empresas é conseguir fazer essa entrega a um custo viável”, disse Guasti.
Fonte: Valor Econômico