Empresas que implementarem políticas condizentes com a nova realidade ESG tendem a ganhar vantagem competitiva
Por Fernando Gambôa e Paulo Ferezin
Artigo publicado originalmente para o Ranking 300 Maiores Empresas do Varejo Brasileiro. Acesse AQUI a íntegra do estudo e confira a análise mais completa sobre o desempenho do varejo em 2020 e as principais tendências para o setor.
Por quanto tempo ainda vamos lidar com os desdobramentos da pandemia e sua influência sobre o modo de vida, os hábitos de consumo, o modelo de trabalho, as novas formas de estudar e tantos outros aspectos do cotidiano? Ninguém sabe ao certo. Mas o que se sabe, com certeza, é que o mundo mudou e os múltiplos aspectos dessa mudança serão duradouros.
No campo do varejo, dentre as muitas transformações vividas e incorporadas – tais como o crescimento do comércio online, o aumento da digitalização em toda a cadeia e a expansão no uso e análise de dados, feita de forma ética e de acordo com a LGPD – , merece destaque o ganho de importância da agenda ESG.
Esta sigla, que vem do inglês (Environmental, Social and Governance), simboliza uma nova forma de pensar as empresas e os negócios. Uma forma que vai muito além da mera obtenção do lucro e remuneração aos acionistas, abrangendo a forma como a empresa dialoga com a sociedade na qual está inserida e oferece suas retribuições.
No estudo intitulado Consumo e Varejo na América do Sul: principais tendências para 2021, da KPMG, os dados evidenciam que, para os consumidores, o produto ou serviço não detém valor intrínseco por suas qualidades e/ou funcionalidades, mas por todos os aspectos que cercam aquela experiência de compra: como foi o atendimento? A entrega ocorreu conforme a data prevista? O protagonismo do cliente foi respeitado ao longo do processo?
Outras questões também são cada vez mais relevantes. Por exemplo: o processo de produção, desde a obtenção de matéria-prima até a efetiva chegada do produto às mãos do usuário final, obedece às boas práticas ambientais, oferece respeito às comunidades e cumpre a legislação trabalhista? Qual é o propósito da empresa? Que valores ela defende? Trata-se de uma empresa comprometida com governança, diversidade, causas sociais, ambientais, inclusivas…?
Em outras palavras, o “bom e barato” não deixaram de ser importantes, mas o consumidor também almeja que os produtos que adquire e os serviços que contrata estejam de acordo com seus próprios valores e propósitos. A ideia de que o aumento de produção exige que os recursos naturais sejam exauridos, ou a convicção de que as cifras dos relatórios financeiros retratam plena e satisfatoriamente o valor e a realidade de uma empresa, pertencem ao passado; hoje, uma visão de mundo mais arejada estende-se aos campos das relações pessoais e profissionais, abrindo as portas para a diversidade e a inclusão.
Circulação de mercadorias e meio ambiente
Além da pandemia, também o fenômeno das mudanças climáticas vem colocando em xeque os sistemas tradicionais de produção, aferição de lucro e circulação de mercadorias. Este último aspecto teve sua relevância potencializada no contexto da Covid-19, quando as restrições derivadas dos lockdowns evidenciaram as vantagens que poderiam advir do redesenho da malha logística das empresas de varejo, tanto para supply quanto em last mile.
Redesenhar a malha logística de modo a encurtar distâncias permite reduzir custos com estoque, transporte e distribuição, além de favorecer o cumprimento de prazos. Hoje, é comum que a mesma mercadoria faça um caminho tortuoso, passando desnecessariamente por diversos pontos, por razões de ordem principalmente tributária.
Se outros fatores além dos meramente econômicos passarem a ser considerados com a devida seriedade – por exemplo, a geração de créditos de carbono –, surgirão soluções que permitirão reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e ainda favorecer as cadeias locais de fornecedores de matérias-primas, o que é bastante interessante do ponto de vista da responsabilidade social e do fomento às comunidades.
A inclusão precisa ser real
Já se sabe que as empresas têm adotado políticas inclusivas cada vez mais consistentes. A participação de pessoas com necessidades específicas e de profissionais mulheres, LGBTQIA+ e/ou pertencentes a minorias étnicas e raciais é hoje estimulada por diversas organizações, inclusive no que se refere a ocupar posições C-Level e assentos em Conselhos. Ainda que esta nova realidade já esteja acontecendo, também é fato que, sob muitos aspectos, ainda existem receios e até mesmo preconceitos dentro de muitas organizações.
Em todos os segmentos econômicos, e especialmente na área de varejo, o estímulo à diversidade deve ser percebido como uma importante estratégia para os negócios. Isto porque a diversidade, em suas múltiplas formas, traz pluralidade e traduz-se em riqueza de visões de mundo, de pensamentos, de abordagens – algo essencial em um ambiente cada vez mais competitivo, no qual as mudanças acontecem em ritmo muito rápido. Hoje, não basta adequar-se ao novo; é fundamental prevê-lo, adiantar-se às tendências e, se possível, até mesmo lançá-las.
Sobrevive quem inova mais, e inova mais quem diversifica, quem dialoga com a multiplicidade.
Vale ressaltar que as políticas inclusivas são também fundamentais à retenção de talentos: não adianta contratar pessoas que pertençam às chamadas minorias se elas não encontrarem um ambiente corporativo acolhedor, no qual possam se desenvolver plenamente e oferecer toda a sua contribuição. Neste sentido, é válido ressaltar que as empresas devem trabalhar o tema da inclusão de forma ampla, abrangente e transversal.
Ou seja: é preciso transformar culturas, inclusive nas práticas de recursos humanos.
Essa mudança de cultura tem início nos processos seletivos e se estendem por todas as etapas vivenciadas pelos profissionais: sua integração à equipe, o desenvolvimento de projetos, a participação nas decisões. Quando a inclusão começa a fazer parte do dia a dia da empresa, ela acontece naturalmente. Isso é bom para os negócios: um público diverso nada mais é do que um amplo conjunto de pessoas – e estas querem interagir com empresas que reflitam seus rostos, seus valores e suas realidades.
Inclusão não é assistencialismo, mas um imperativo ético e um diferencial extremamente positivo no mundo dos negócios.
A questão da governança
Montar uma boa estrutura de governança é o primeiro passo para que uma empresa tenha sucesso na adesão e implementação da agenda ESG. Isso significa engajar todos os quadros, partindo do alto da pirâmide até chegar às bases hierárquicas, e adotar critérios claros e transparentes acerca de como os assuntos ambientais e sociais serão tratados pela empresa no âmbito da governança.
É fundamental também estabelecer prioridades para a alocação de recursos e adotar boas estratégias de comunicação. Empresas que dispõem de governança estruturada, inclusive no que concerne aos princípios ambientais e sociais, obtêm vantagem competitiva no longo prazo.
Devemos reconhecer que o mercado ainda está aprendendo a lidar com os temas de ESG. Esse processo é demorado, trabalhoso e passível de erros. Por isso, é fundamental estar atento aos movimentos e às sinalizações dos reguladores. Por exemplo: o Banco Central já associa a ausência de políticas de ESG com riscos financeiros; a CVM, por sua vez, está estudando o assunto com a participação de agentes de mercado; e a B3 anunciou, em 1º de dezembro de 2020, a 16ª carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3).
Resta evidente que a Governança Corporativa em tempos pós-pandemia vai muito além do mero atendimento às premissas de compliance.
Assunto não é novo
Apesar de ter ganhado bastante visibilidade nos últimos dois anos, ESG não é um tema recente. Mas o que se pode afirmar, com boa margem de acerto, é que o exercício de avaliação de riscos – tornado ainda mais premente com o surgimento da pandemia – tem obrigado os tomadores de decisões dentro das empresas a ampliar sua atenção ao aspecto social dos negócios, às formas de interação com os colaboradores e até aos fluxos de negócios com fornecedores.
O fato é que ESG passou a ser uma demanda mais frequente e intensa dos investidores nos tempos mais recentes. Não é de hoje que muitas empresas publicam seus Relatórios de Sustentabilidade, mas estes já não são suficientes para responder aos questionamentos do mercado e do público. Menos ainda quando adotam formatos que os tornam mais parecidos com uma peça de marketing do que com uma efetiva prestação de contas.
Hoje, espera-se que as questões de ESG sejam incorporadas aos relatórios empresariais e corporativos e ofereçam respostas concretas e mensuráveis para clientes, parceiros, fornecedores, credores, acionistas – enfim, a todos os stakeholders que representam a sociedade na qual a empresa está inserida.
Fernando Gambôa Sócio-líder de Consumo & Varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul
Paulo Ferezin Sócio-líder para o segmento de Varejo da KPMG no Brasil