Impulsionadas pela crise, as marcas próprias têm apresentado expansão expressiva nos últimos anos. Em 2016, o avanço foi de 15,6%, segundo dados da Nielsen, e a perspectiva é que a alta se mantenha em patamar semelhante este ano, atingindo um faturamento de R$ 5,3 bilhões. A participação no varejo brasileiro, contudo, ainda é baixa, de 5%, frente uma média global de 16,1%.
O crescimento tem se dado pela mudança do hábito dos brasileiros, que diminuíram a compra das marcas líderes e passaram a consumir itens mais baratos, entre eles os de marca própria (MP). Segundo o levantamento da Nielsen, 48% da expansão do segmento veio de novos compradores. Além disso, os próprios varejistas têm olhado com mais atenção para a estratégia, investindo no lançamento de novas marcas e produtos. No ano passado, foram lançadas 58 novas marcas próprias e 2.190 novos itens.
“A crise econômica contribui muito. Sempre que tem uma recessão o segmento decola”, afirma a presidente da Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro), Neide Montesano. A executiva cita o exemplo da crise mundial de 2008, época em que as marcas próprias apresentaram uma expansão muito forte nos Estados Unidos e Europa, regiões que foram mais afetadas. Segundo ela, o crescimento do segmento este ano deve se manter em torno de 15% no Brasil. Se concretizada a previsão, o setor atingiria faturamento de R$ 5,3 bilhões, frente R$ 4,6 bilhões em 2016.
A relação entre a recessão e o avanço das marcas próprias se dá pelo custo consideravelmente menor desses produtos. A pesquisa da Nielsen aponta que em 85% das categorias as marcas próprias trabalham com preços abaixo da média, em torno de 13% inferior ao praticado. “Na recessão o poder aquisitivo cai e o consumidor fica mais propenso a deixar a marca líder e pegar uma menos conhecida e mais barata”, explica o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto.
O Grupo Pão de Açúcar (GPA), segundo maior varejista alimentar do País, é um exemplo do cenário descrito pelos entrevistados. Com oito marcas próprias e mais de 3 mil itens da categoria, o grupo percebeu um aumento na procura pelas marcas do GPA ao longo dos últimos anos. As vendas da Qualitá, por exemplo – maior marca exclusiva do grupo -, apresentaram expansão de mais de 5% no primeiro semestre deste ano, considerando os 100 itens mais procurados. “Em momentos de crise o consumidor é mais cauteloso e busca economizar, sem abrir mão da qualidade”, afirma o gerente de marcas exclusivas da companhia, Rafael Berardi.
Em relação a participação do segmento nas vendas totais do GPA Alimentar (que considera as vendas de todas as lojas do Extra e Pão de Açúcar), Berardi conta que as oito marcas próprias responderam, em 2016, por aproximadamente 7% do faturamento, valor um pouco acima da média brasileira. Para 2017, a expectativa é que a representatividade feche em patamares semelhantes.
Mesmo entre as redes de supermercado de menor porte a relevância das marcas próprias vem crescendo, segundo o presidente da Abras. Ele conta que para trabalhar com marcas exclusivas as pequenas e médias têm se unido em redes de compra. Uma das empresas que atua dessa forma, inclusive, é a Jáu Serve, rede comandado por Sanzovo. “Para trabalhar com marcas exclusivas é preciso ter volume. Por isso, as redes estão se associando e desenvolvendo, junto a indústria, marcas vendidas apenas nos supermercados associados”, diz.
Um dos motivos do investimento na estratégia é a maior margem de lucro obtida na venda dos itens de marca própria. Os varejistas conseguem comprar o produto por um preço menor do que as marcas tradicionais, e os itens de marca própria não carregam o custo alto do investimento em marketing. Os dois fatores aliados garantem um lucro maior para o comércio na venda desses produtos. “Com esses dois efeitos – o custo menor na compra e a não necessidade de investir em marketing -, o comerciante consegue oferecer um preço menor para o consumidor e ainda sobra mais dinheiro para ele”, ressalta o sócio fundador da consultoria de varejo b.Retail, Sandro Benelli.
Para o gerente de marcas exclusivas do GPA outro fator decisivo para o aporte em marcas próprias é o efeito de fidelização do consumidor. Segundo ele, trabalhar com marcas exclusivas gera credibilidade e diferenciação, fidelizando o cliente com a rede.
Diante das vantagens, o GPA pretende continuar investindo no segmento. Para este ano e o próximo o foco principal da companhia, conta Berardi, será reforçar o portfólio das marcas Qualitá e Taeq. “Em média, entre lançamentos e relançamentos de produtos, 10% do nosso portfólio total é alterado anualmente.”
Depois da crise…
Apesar do crescimento expressivo durante os últimos anos de recessão, a tendência, com a retomada da economia, é que o avanço do segmento perca um pouco de força, segundo os especialistas. Benelli, que também faz parte do conselho de administração do Lopes Supermercados e da Bombril, afirma que a perspectiva é de uma desaceleração. “Não para de crescer, mas acho que o segmento deve apresentar um crescimento menor daqui para frente.”
Ele pondera, entretanto, que a expansão será distinta dependendo da categoria de produtos. Os artigos que ele chama de ‘funcionais’ e sem nenhum ‘agregado emocional’, como papel higiênico e sacos de lixo, devem continuar crescendo em ritmo acelerado. O perfil oposto de produto, contudo, deve sofrer mais com o fim da crise.
O cenário pós-crise deve dificultar ainda mais o ganho de participação das marcas próprias dentro do varejo. Atualmente em um patamar próximo de 5%, segundo a Nielsen, o segmento não tem mostrado grandes alterações no share ao longo dos últimos anos. Para Benelli, isso se deve a um cenário específico do comércio brasileiro. “Temos uma característica de mercado que não ajuda a marca própria, que é o número muito grande de ofertas. Isso deixa na cabeça do consumidor que não vale a pena comprar marcas próprias porque uma marca líder pode estar em promoção daqui um, dois dias”, afirma.
Já Neide, da Abmapro, aponta para uma questão metodológica que explicaria a baixa participação. “Existem varejistas regionais investindo muito em marcas próprias e segmentos, como o de material de construção, que não entram na pesquisa da Nielsen”. Caso a mensuração fosse mais abrangente, diz, a fatia poderia chegar a 11%.
Fonte: DCI