O Magazine Luiza sentiu o efeito das lojas fechadas, por causa das medidas de isolamento social iniciadas em março, sobre seus números no primeiro trimestre e projeta uma maior pressão na rentabilidade até junho, disse ao Valor o presidente do grupo, Frederico Trajano. Mas o empresário vê alguma aceleração na demanda nas lojas reabertas após abril e aponta que as vendas de terceiros no site da companhia, a operação de marketplace, triplicaram na pandemia.
No primeiro trimestre, a receita líquida da empresa cresceu 21%, para R$ 5,23 bilhões. Mas as lojas físicas deixaram de vender cerca de R$ 500 milhões nos últimos dias de março, levando a uma queda nas vendas “mesmas lojas”, critério que compara o desempenho de unidades abertas há pelo menos 12 meses, de 4,5%. As despesas cresceram 33%, portanto mais que as vendas, e o lucro líquido consolidado caiu 76,7% para R$ 30,8 milhões.
Para Trajano, o destaque positivo na crise tem sido o marketplace (shopping virtual). Na soma geral dos negócios, as vendas totais, incluindo lojas físicas e on-line, subiram 34%. Só o braço digital avançou 73%, acima dos índices dos concorrentes B2W e Via Varejo — a soma passou de R$ 2,3 bilhões para R$ 4 bilhões.
Para dar maior clareza ao mercado, a empresa publicou dados de abril e maio assegurados pela auditoria KPMG. No mês passado, a expansão do digital (venda própria e marketplace) foi de 138%. Em maio, o avanço é de 203%. Em ambos os meses, o marketplace cresce mais.
Trajano destaca na abertura de seu relatório trimestral o desafio de rentabilizar o canal on-line neste segundo trimestre. São 420 lojas reabertas desde abril, de um total de 1,1 mil. Há perda da margem de contribuição de loja física e pesa também a impossibilidade de usar o sistema “retira em loja” na venda on-line, que funciona com custo baixo de entrega para empresa.
“O curto prazo é pior que o longo prazo. O segundo trimestre, estamos com vendas melhor do que imaginávamos, mas muitas lojas ainda fechadas. O terceiro trimestre será de transição e o quarto trimestre estaremos bem próximos de um novo normal”, diz o empresário, sobre o cenário em meio à pandemia. A seguir, trechos da entrevista:
Valor: A empresa teve uma queda de quase 77% no lucro de janeiro a março. Qual foi o efeito da pandemia nos números?
Frederico Trajano: Está claro ao mercado já há tempos que perseguimos um crescimento exponencial. Quem quer ser plataforma digital dominante com pontos físicos precisa de escala. Então decidimos, antes da covid que, dado que estávamos com estrutura de capital confortável, iríamos acelerar o digital em detrimento de margem. Nos últimos quatro anos, multiplicamos por seis vezes a expansão do comércio eletrônico. No primeiro trimestre crescemos quase 73% em vendas no digital em cima de 50%, que por sua vez se expandiu em cima de 65% – e abrindo mão de margem de forma pensada. O que aconteceu é que perdemos R$ 500 milhões em vendas em lojas físicas nos últimos 15 dias de março. E loja tem margem de contribuição de duplo dígito alto. É praticamente perder cerca de R$ 100 milhões de Ebitda [lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação] em um trimestre e isso pesa no resultado. Parte disso vai continuar a acontecer no segundo trimestre, e de forma mais intensa, porque você agora tem 90 dias de pandemia, e não 15 dias, e as despesas não acompanham isso. Mas não vamos fechar lojas ou demitir pessoas por causa de um isolamento social temporário.
Valor: Como está o desempenho da companhia agora?
Trajano: Abril foi um mês de arrumação, de definição de protocolos, mas maio já é um mês com foco em voltar a crescer e acelerar. Em abril tínhamos todas as lojas fechadas e ainda sim crescemos 7%, e com venda direta crescendo 109% e marketplace triplicando [cresceu 235%]. Em maio, lojas foram sendo reabertas, o site cresceu mais que em abril e marketplace continuou triplicando em vendas. Esta taxa está acima do que estávamos crescendo no primeiro trimestre, mesmo com 60% de nossas lojas fechadas em maio. A expansão do site mais que compensou as vendas a menos nas lojas físicas em maio. Honestamente, ficou acima da minha mais expectativa otimista do mês. Crescer 46% com mais de 60% das lojas fechadas é um número impossível de ser previsto. E tenho me surpreendido semana a semana.
Valor: Quantas lojas estão abertas e qual a projeção de abertura de 100% dos pontos?
Trajano: Não temos projeção de quando teremos todas as lojas abertas, pois dependemos de autorizações pelos decretos. Digo que em breve esperamos a abertura de praticamente todas as lojas. Temos um efeito de um hedge natural geográfico benéfico para o grupo. Cerca de 70% das minhas lojas estão em cidades com menos de 400 mil habitantes e 90%, abaixo de 1,4 milhão habitantes. E a situação de covid em cidades menores e médias é melhor que nas grandes.
Valor: Mas sua venda não depende mais de cidades grandes, como São Paulo, onde as lojas estão fechadas?
Trajano: É mais ou menos proporcional. Não é tão diferente. Tanto que, em maio, temos 60% a menos de lojas em operação e a venda está 55% abaixo do ano passado. Com todas as restrições, estamos com vendas “mesmas lojas” dos pontos reabertos crescendo mais que o ano passado, em “low single digit” [um dígito baixo]. Temos que lembrar que nossa participação de mercado no on-line é maior do que no mundo físico, então quando todo o varejo migra para o on-line é natural que tenhamos venda maior. Hoje tenho 420 lojas abertas, que são 40% do total.
Valor: Há redes acelerando muito o marketplace na crise, fechando acordos com mais lojistas. Vocês vão acelerar isso?
Trajano: Temos 24 mil lojistas ativos e, separado disso, mais 20 mil na plataforma “Parceiro Magalu” [focada em pequenos empreendedores, lançada em março], mas não reduzimos critérios para aumentar essa base. Nós queremos ser líderes do mercado formal de comércio eletrônico sem ‘gol de mão’, sem incluir lojistas que vendem e não emitem nota. Neste momento que o digital crescerá mais, os Estados terão que aprender a fazer com que marketplaces obriguem seus lojistas a emitir nota fiscal, ou teremos uma evasão fiscal gigante. Agora, marketplace não pode continuar a ser terra de ninguém.
Valor: Quais as mudanças de comportamento do consumidor que a empresa já identificou?
Trajano: – O PIB vai encolher, mas com o varejo brasileiro e o consumo dos brasileiros, a gente não sabe bem o que vai acontecer. Tínhamos um consumo muito fatiado, em turismo, viagens, e pode ser que algumas outras categorias se destaquem. Não é minha torcida. Gostaria que todas crescessem. Mas estão ganhando participação na carteira do consumidor os segmentos de alimentos, produtos para casa, itens de higiene e limpeza e eletrônicos. E isso pode atenuar os efeitos de uma queda geral. O bolo é menor, mas algumas fatias devem aumentar. Você precisa usar mais seu fogão, geladeira, celular, notebook, aspirador de pó. Está havendo ‘boom’ de algumas dessas categorias. Acho que um pouco de indulgência também, e não apenas troca de produtos que se quebram. Também não sentimos queda em moda, como alguns têm dito. Não tenho dados do mercado, o que falo é o que vemos, é uma perspectiva. E aumentamos nossos estoques, investimos nisso porque tínhamos caixa para isso. Achamos que o contato humano e o atendimento personalizado do varejo será muito mais importante do que era.
Valor: Como está sua projeção de investimentos e aberturas de lojas em 2020?
Trajano: Novas aberturas estão congeladas e aberturas previstas no ano serão menores que o estimado. Em termos de ambiente competitivo, com menos lojas podendo operar no on-line após a pandemia, a competição está até mais fácil.
Valor: A Via Varejo disse que em 10 meses chegou a 11 milhões de clientes ativos, a metade do que vocês registram hoje. O Magazine Luiza perdeu participação para a dona das Casas Bahia?
Trajano: Não falamos de concorrentes, nunca fui deselegante a esse ponto de citar em call de resultados. Mas é muito difícil comparar números não auditados. Nós fomos os únicos que ganharam participação em três anos e o mercado não dobrou
Fonte: Valor Econômico