A marca chega em um momento em que a empresa tem de lidar com um cenário macroeconômico de aumento de juros e de inflação alta, que impacta os seus resultados
Por Ralphe Manzone
O Magazine Luiza atingiu a marca de 200 mil sellers, dobrando a base de vendedores de marketplace em um ano, uma área em que a varejista da família Trajano acredita que pode ser o principal vetor de crescimento nos próximos anos.
A marca chega em um momento em que o Magazine Luiza tem de lidar com um cenário macroeconômico de aumento de juros e de inflação alta, que impacta os seus resultados, e que o mercado está penalizado fortemente as ações da companhia. No primeiro semestre deste ano, as ações caíram 67,6%, a maior queda do índice Ibovespa no período.
“No futuro, o 3P (marketplace) vai superar a loja física e 1P (venda própria online). É mais fácil crescer com estoque de terceiros do que próprio e é uma operação mais escalável”, afirma Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza, ao NeoFeed. “Mas a maior participação da venda do 3P não será em detrimento da falta de crescimento da loja física e do 1P.”
O Magazine Luiza diz que está acrescentando aproximadamente 10 mil sellers por mês ao seu marketplace e que esse número se multiplicou por cinco, quando comparado ao cenário de antes da pandemia. Na época, a varejista adicionava uma média de 2 mil vendedores por mês.
De acordo com Trajano, 60% dos sellers do marketplace do Magazine Luiza são de fora de São Paulo. E quase 20% estão localizados no Nordeste. Há uma complementariedade em relação ao que a varejista vende em sua própria operação física e online. Apenas uma categoria, entre as 10 com mais sellers do marketplace, é equivalente as vendas próprias online: a de informática.
Hoje, a maior categoria, em número de sellers, é a de moda. O Magazine Luiza diz que conta com 45 mil vendedores desse setor, o que representa quase 25% da base que vende via seu marketplace. “Herdamos uma base grande da Netshoes e da Zattini”, diz Trajano. Na sequência, as áreas com mais sellers são casa e construção, mercado, utilidades domésticas, automotivo e beleza e perfumaria.
Questionado sobre qual a meta de sellers que pretende atingir em seu marketplace, Trajano responde que existem 6 milhões de varejistas no Brasil, mas que apenas 300 mil deles, segundo suas contas, estão online, o que indica um potencial enorme para crescer.
A briga por sellers no marketplace é uma disputa que envolve os principais nomes do varejo brasileiro. Por enquanto, o Magazine Luiza está à frente de seus rivais mais diretos no país, como Via e Americanas, que possuem, respectivamente, 138 mil e 132 mil varejistas terceiros que vendem via suas plataformas, segundo dados do primeiro trimestre de 2022.
O Mercado Livre contava com mais de 11 milhões de sellers nos 18 países em que atua. Mas a companhia, que vale US$ 33,2 bilhões na Nasdaq, não divulga quantos desses são pessoas jurídicas e quantos são pessoas físicas.
Quando a métrica é o GMV (Gross Merchandise Volume, ou Volume Bruto de Mercadorias), a Americanas, apesar de menos sellers, movimentou quase R$ 6,2 bilhões no primeiro trimestre, alta de 16,9%. O Magazine Luiza, no mesmo período, transacionou R$ 3,7 bilhões, crescimento de 50%. A Via, por sua vez, atingiu R$ 1,1 bilhão em seu marketplace. O Mercado Livre, em todos os países em que está presente, chegou a US$ 7,6 bilhões.
Para se diferenciar de seus competidores e ganhar tração, o Magazine Luiza começou, neste segundo trimestre, a Caravana Parceiro Magalu, uma iniciativa que percorre cidades para apresentar os serviços do marketplace. O projeto conta com a participação de Trajano, bem como de Luiza Helena Trajano, a presidente do conselho de administração do Magazine Luiza.
A companhia levou até agora seu caminhão para recrutar sellers em Sorocaba, São José dos Campos, Limeira e Piracicaba, todas cidades do estado de São Paulo, e Maceió (AL). A próxima parada é João Pessoa (PB), que acontece nesta semana. A meta é ir ao menos em duas cidades por mês.
A caravana, segundo Trajano, tem duas funções. Uma delas é chegar em locais de baixa penetração de varejistas que vendem online e atraí-los para o marketplace do Magalu. Um exemplo é João Pessoa, onde o empresário estima haver 25 mil varejistas, mas só 300 deles estão na internet.
A outra é aumentar a oferta de serviços de seu marketplace para aqueles que já estão online. “Cidades totalmente blue ocean, começamos do zero. E cidades com boa penetração online, aumentamos a participação de produtos e serviços do Magalu”, afirma Trajano.
Entre os serviços, a oferta inclui logística, publicidade e serviços financeiros de sua fintech, que inclui conta digital, cartão de crédito para pessoa jurídica, antecipação de recebíveis e empréstimo fumaça, entre outros.
A loja física segue sendo fundamental nessa estratégia de atrair sellers, pois ela se transforma em um apoio local ao marketplace. Hoje, 500 delas – são quase 1,5 mil – contam com uma agência para o seller deixar seu produto para ser entregue ao consumidor, como se fosse uma agência dos Correios.
O Magazine Luiza está também começando a oferecer o serviço de fulfillment aos sellers do marketplace. Mais de 1.000 estão cadastrados e cerca de 50 deles já estão usando o serviço. Com isso, passam a ter o processo completo, desde o armazenamento até a entrega de um produto ao cliente. A meta é escalar essa operação ao longo deste ano.
Apesar dos esforços digitais, o Magazine Luiza segue penalizado na bolsa de valores, onde suas ações estão entre as maiores baixas neste ano. No auge, os papéis da companhia chegaram a valer entre R$ 26 e R$ 25 de outubro a novembro de 2020. Hoje, estão cotados a R$ 2,13.
No primeiro trimestre, as suas vendas totais atingiram R$ 14 bilhões no primeiro trimestre, um crescimento de 13% se comparado ao mesmo período do ano passado. A varejista, no entanto, apresentou um prejuízo ajustado de R$ 98,8 milhões, revertendo um lucro de R$ 81,5 milhões no mesmo período do ano passado. A empresa atribuiu esse resultado a despesa financeira, que cresceu.
“Os fundamentos do Magazine Luiza não mudaram e a estratégia não mudou”, diz Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail. “O mau humor não é com apenas com o Magalu: é com o varejo.”
Entre as cinco maiores desvalorizações do primeiro semestre deste ano na B3, três são papéis de varejo. Além do Magazine Luiza, a Via viu suas ações perderam 63,4% do valor. A Americanas caiu 56,4%. O Mercado Livre também viu seu valor encolher 50,5% na Nasdaq. E a todo-poderosa Amazon, de Jeff Bezos, 35,7%.
Perguntado sobre se o mercado não exagerava na reação ao papel do Magazine Luiza, Trajano disse que não gosta de falar do mercado, mas acrescentou. “Posso dizer que a empresa está mais barata do que em 2015, quando assumi a companhia.”
Nesta entrevista que segue, Trajano explica como preparou a empresa para esse cenário de inflação e taxas de juros altas, comenta sobre o pé no freio nos M&As e fala ainda sobre a eleição presidencial, disputa na qual ele acredita ser improvável que prospere uma terceira via. Acompanhe:
Qual é, agora, o foco do Magazine Luiza: crescer ou ter margem?
Nos dois anos da pandemia, o Magalu dobrou de tamanho total, triplicou o e-commerce e quadruplicou o marketplace. Só que era um momento em que os juros estavam muito baixos e fizemos um pouco de tradeoff de margem operacional para crescimento. Quando o cenário mudou, no segundo semestre do ano passado, fui a primeira pessoa do mercado a dizer que precisávamos focar em repassar a inflação e o aumento dos juros para as nossas margens operacionais. Quando você faz uma mudança tão significativa, em um primeiro momento, tem de estar focado em uma coisa. E focamos fortemente, nesses últimos trimestres, em ampliar a margem operacional, um pouco até em detrimento da venda. Uma vez feito esses ajustes estamos com um mercado ruim, mas a empresa está ajustada para esse mercado ruim. O quadro está menor, a base de despesas está menor, o estoque está menor e os preços estão reposicionados. Pelo menos, agora estamos dimensionados para o mercado ruim, que não deve melhorar tão cedo.
“Agora, temos de reequilibrar essas margens maiores com a volta do crescimento”
E agora?
Agora, temos de reequilibrar essas margens maiores com a volta do crescimento. A boa notícia, olhando para frente, é que a base de comparação vai ser mais baixa. O mercado começou a se deteriorar muito a partir de agosto do ano passado. Então, as comparações com os trimestres do ano passado estão menores. E, especificamente, para a categoria core do Magalu, você tem, no último trimestre deste ano, um evento que, mesmo quando a economia está ruim, é bom: a Copa do Mundo.
Na verdade, há um combo que inclui Black Friday, Natal e Copa do Mundo no quarto trimestre. Isso vai ajudar?
Sem dúvida. E, além disso, tem uma base de comparação do ano anterior muito ruim. É um combo favorável ao crescimento. E, lembrando, que vamos patrocinar as transmissões da Copa. Apostamos porque sabemos que mesmo quando a economia vai mal, a Copa do Mundo puxa as vendas do setor.
E puxa as vendas apenas de tevês?
Ainda vai ser forte tevê. Mas, agora, inclui todas as telas. E, neste ano, além das telas, nós temos toda a categoria de snacks e bebidas e todos os produtos da Netshoes, como chuteiras e camisas de seleções. Acredito que ela vai ter um impacto maior para o nosso ecossistema do que teve no passado.
Nos últimos anos, o Magazine Luiza fez dezenas de aquisições. Mas nenhuma delas em 2022. Você pisou no freio nos M&As?
Fizemos 20 aquisições em dois anos. E, naturalmente, o foco seria consolidar essas aquisições. Eu falo conectar, porque não gosto palavra integração – temos de conectar o futuro e não integrar o passado. Estamos muito focados em escalar esses negócios comprados. O KaBuM, a Netshoes e a Época Cosméticos dão resultados e geram caixa. Até o AiQFome, que é nosso delivery, dá resultado positivo, o que é raríssimo para a categoria. Estamos agora mais focados em conectar esses negócios no ecossistema do que em comprar novos negócios.
Não vai ter aquisições neste ano?
Não posso dizer que não faremos. Mas o foco não é este.
O mercado sempre enxergou o Magazine Luiza como uma das empresas mais preparadas para a digitalização. E agora está penalizando as ações não só do Magazine Luiza, mas também de todos os varejistas de uma forma geral. O que explica essa visão pessimista do mercado?
O mercado no mundo inteiro está penalizando, em função do aumento de juros, todas as empresas de tecnologia. Todas as empresas de tecnologia, que têm uma boa parte de seu valor em fluxos de caixa futuros, com o aumento dos juros são penalizadas. E o Magalu, sem dúvida, é uma das principais empresas com essa característica na bolsa brasileira.
Você acredita que o mercado está exagerando em relação as ações do Magazine Luiza?
Não gosto de falar sobre o mercado. Acho que o mercado está refletindo as condições macroeconômicas: juro alto, inflação alta e queda de consumo. Mas posso dizer que a empresa está mais barata do que em 2015, quando assumi a companhia. Temos uma posição de caixa mais sólida. Temos a liderança na categoria core – e, na época, éramos o quarto lugar. Somos líderes de 1P (lojas físicas). Estamos crescendo significativamente em 3P. À medida que as condições macroeconômicas melhorarem e as taxas de juros cederem, voltaremos à normalidade.
“Posso dizer que a empresa está mais barata do que em 2015, quando assumi a companhia”
Para os varejistas, as taxas de juros influenciam muito no resultado. E a perspectiva é de ter uma taxa de juros de dois dígitos até 2023. Quando você acredita que vai voltar a ter um mercado bom de novo?
É difícil fazer previsão macroeconômica. Quero evitar ser macroeconomista. É muito difícil prever o que vai acontecer no Brasil. Ninguém previa que a taxa ia sair de 2% para 13% em um ano. Pode ser que ela fique alta muito tempo ou que baixe. A empresa está dimensionada para um mercado com taxas altas de juros até o final do ano que vem. Estamos contando com o pior cenário possível da economia e trabalhando do ponto de vista da nossa estratégia, com margens operacionais e gestão de caixa. Vamos fechar o segundo trimestre com a melhor posição de caixa do segundo trimestre da história. Estamos nos posicionando para passar por um período que pode ter uma taxa de juros de longo prazo negativa. E pode ser que surpreenda e o mercado melhore. É difícil prever o que vai acontecer com a economia. Somos varejistas, não macroeconomistas.
Muitos empresários têm se posicionado a favor de uma terceira via. Alguns seus pares assinaram um manifesto a favor de Simone Tebet (PMDB). Você vai se posicionar nesta eleição?
Não costumo me posicionar publicamente em relação a questão política. Seria salutar uma terceira via. Mas hoje vejo como algo muito improvável. O cenário eleitoral está bem consolidado. Todas as pesquisas eleitorais indicam isso.
Mas tem espaço para uma terceira via?
Eu acho muito improvável. Pelo menos na história eleitoral recente do Brasil, não vimos uma reviravolta tão grande assim a três meses da data do primeiro turno.
E você não pretende se posicionar a favor de nenhum dos dois candidatos que estão à frente das pesquisas?
Nunca nos posicionamos. Temos de trabalhar com quem esteja no governo.
E o que você espera do próximo presidente?
Espero que controle a inflação, que é um câncer, com cuidado com a quimioterapia, que é o juro, para não matar a economia. Precisa ter responsabilidade fiscal, que é superimportante. Mas, ao mesmo tempo, precisamos resolver a questão da desigualdade e da pobreza. Isso precisa entrar na agenda dos candidatos. A inflação tem um poder muito grande de piorar a desigualdade. Sentimos isso porque boa parte dos consumidores do Magalu de lojas físicas são da base da pirâmide. A agenda do novo governo vai ter de considerar os aspectos macroeconômicos, mas também de aumento de renda. E não vejo uma melhora muito expressiva sem investir em educação. Se pudesse recomendar uma área de foco, que não tem resultado no curto prazo, mas que é fundamental em longo prazo, é o investimento em educação.
O Magazine Luiza está retornando ao presencial como obrigatório a partir de agosto. Por que essa decisão?
Cada empresa tem suas características. O Magalu é uma empresa que depende do calor humano. É muito difícil conseguir calor humano no remoto. Estamos tomando uma decisão de que, a partir de agosto, será obrigatória a presença física pelo menos três dias da semana. Só abrimos exceção para o pessoal do Labs, de desenvolvimento de tecnologia, porque é o padrão do mercado o full remoto. Acreditamos que gastamos o nosso capital relacional nos dois anos de pandemia. O tanque estava vazio e precisamos encher de novo com ritos, eventos e bastante calor humano. Essa empresa depende disso. É um combustível dela, é um diferencial dela.
Fonte: Neofeed