Braço de logística do grupo, o Mercado Envios já opera 96% das vendas do marketplace. E surge como um potencial candidato para ser o novo Mercado Pago, fintech do gigante de e-commerce que ganhou vida própria
O silêncio ainda predomina no galpão instalado na pequena Lauro de Freitas, cidade da região metropolitana de Salvador (BA). É natural. Apesar do burburinho aqui e ali, são apenas 50 pessoas que, desde a última terça-feira, circulam pelo amplo espaço de 35 mil metros quadrados.
Essa calmaria, no entanto, não deve perdurar por muito tempo. Em poucos meses, a expectativa é que o local seja palco de um vaivém intenso de encomendas e mercadorias, que serão despachadas para todo o Nordeste brasileiro.
Assim como o novo centro de distribuição do Mercado Livre, o Mercado Envios surgiu sem alarde, em 2013, como o pequeno braço de logística do grupo. Mas, pouco a pouco, a unidade começa a fazer barulho e a ganhar peso dentro do pacote de produtos e serviços no entorno do marketplace.
A unidade é um dos principais focos do plano de investimento de R$ 4 bilhões do Mercado Livre para o Brasil nesse ano. Assim como concentrou uma parcela significativa dos recursos injetados no País nos últimos anos. Em 2017, o aporte total foi de R$ 1 bilhão, seguido por R$ 2 bilhões, em 2018, e R$ 3 bilhões no ano passado.
“O Mercado Envios é o segmento no qual temos mais investido”, afirmou Stelleo Tolda, cofundador e diretor de operações do Mercado Livre, em entrevista recente ao NeoFeed. “É a frente que tem feito uma grande diferença. Nós criamos uma rede própria e vamos seguir estendendo essa malha.”
No segundo trimestre de 2020, a divisão entregou 157,5 milhões de itens vendidos pela plataforma, alta de 124,2% sobre o mesmo intervalo de 2019. E foi crucial para atender a explosão na demanda gerada pela pandemia e pelos 51,5 milhões de usuários únicos ativos e os mais de 11 milhões de vendedores da plataforma.
Com esses e outros indicadores, o Mercado Envios surge como um forte candidato a ser o próximo Mercado Pago, fintech do grupo que já tem vida própria. Entre abril e junho, a divisão financeira movimentou US$ 11,2 bilhões, sendo US$ 6,1 bilhões fora do ecossistema do marketplace.
Hoje, o Mercado Envios está disponível em países como Argentina, Chile, México e Colômbia. No Brasil, principal operação do grupo, com uma fatia de 53% da receita líquida total de US$ 878,4 milhões no período, a unidade opera 96% das vendas do marketplace. Já nas ofertas da malha logística da divisão, essa participação é de 51,6%.
“Há dois anos, essa fatia era incipiente”, diz Fernando Yunes, vice-presidente sênior e líder do Mercado Livre no Brasil. “Em dois anos, nós criamos um negócio de logística.”
O período citado por Yunes coincide com o momento em que a oferta do Mercado Envios evoluiu para o modelo de fulfillment, propagado por gigantes do setor como a Amazon. Nesse formato, a divisão responde por toda a logística dos vendedores do marketplace. Desde a coleta e o estoque até a separação, o empacotamento e a entrega final dos produtos.
Com essa abordagem, o Mercado Livre amplia sua atratividade junto aos vendedores. Para esse público, além dos processos logísticos, o Mercado Envios fornece um pacote com ofertas como maior acesso a crédito e atendimento e pós-venda aos clientes desses sellers.
Ao mesmo tempo, o Mercado Livre tem mais controle sobre o nível de serviço, em especial, sobre os prazos de entrega, um elemento essencial na equação do e-commerce. Hoje, mais de 70% das encomendas dos vendedores que contratam o fulfillment do grupo são entregues nas mãos dos consumidores em todo o País em menos de dois dias. Há um ano, esse índice era de 55%.
“Em dois anos, nós criamos um negócio de logística”
O CD em Lauro de Freitas opera justamente nesse formato. Essa é a terceira estrutura do grupo, que conta ainda com unidades em Cajamar e Louveira, no estado de São Paulo. “Nós precisávamos ir para o Nordeste”, diz Yunes. “Queremos levar os mesmo prazos e níveis de serviço para a região.”
Atualmente, em cidades como São Paulo, as entregas no dia seguinte são garantidas para as compras realizadas na plataforma até às 23 horas.
De olho nessa métrica, a nova estrutura tem capacidade para atender mais de 100 mil clientes e abrigar 500 funcionários. E está em linha com a representatividade da região no e-commerce brasileiro. Segundo a consultoria Ebit Nielsen, o Nordeste já responde por 16% das vendas do setor, atrás apenas do Sudeste, com 54%, e da região Sul, com 17%.
Programado ainda para 2020, o próximo centro de distribuição do Mercado Livre será instalado justamente na região Sul. A cidade que sediará o projeto, no entanto, ainda não está definida. Esse não será o único aporte destinado à logística. O grupo prevê contratar cerca de 2,7 mil funcionários no País até o fim do ano, boa parte deles para esse segmento.
Na última milha
Na corrida dos marketplaces para reduzir prazos, o Mercado Livre não é o único que está se movimentando para fazer da logística um componente estratégico no País. Especialmente em tempos de pandemia. Os caminhos adotados pelos principais rivais do grupo, no entanto, têm alguns atalhos diferentes. O principal deles, o fato desses competidores contarem com o apoio de lojas físicas.
É o caso do Magazine Luiza. Com boa parte de suas lojas fechadas na quarentena, a varejista, entre outras práticas, passou a usar parte de sua rede de pontos de venda como dark stores e estoques avançados. No segundo trimestre, 700 das 1,1 mil unidades da empresa foram convertidas nesse formato. E ajudaram a empresa a alcançar o índice de 35% das entregas realizadas em até 24 horas.
Com 110 mil metros quadrados, a unidade de Cajamar é um dos três centros de distribuição do Mercado Livre
Ao mesmo tempo, o Magazine Luiza, que ainda não conta com uma oferta de fulfillment, tem investido na formação de uma estrutura própria de entregas na última milha, com o apoio da Logbee, startup de logística comprada em 2018. Hoje, essa rede conta com 4 mil micro transportadores e motoristas.
Já a estratégia da B2W passa pela LET’s, plataforma de logística e distribuição que inclui 17 operações no formato de fulfillment, além de alternativas como clique e retire, que envolvem os pontos de venda da Lojas Americanas. Com esse direcionamento, no segundo trimestre, a empresa alcançou um patamar de 30% das entregas totais realizadas no mesmo dia do pedido.
“O Mercado Livre não precisa de lojas físicas para avançar. A empresa é sustentável, lucrativa, cresce de forma acelerada e tem uma avenida de crescimento ainda pela frente”, afirma Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese.
Nesse contexto, ele ressalta que o Mercado Envios foi um fator primordial para a evolução do grupo, justamente ao lado do Mercado Pago. “A logística foi o que permitiu que eles saíssem do modelo peer to peer e escalassem como um marketplace completo”, afirma Serrentino. “Isso demandou tempo e muito dinheiro, com aportes anuais de mais de R$ 1 bilhão, mas está mostrando resultados.”
Fernando Yunes, vice-presidente sênior e líder do Mercado Livre no Brasil
Yunes também não enxerga as lojas físicas como um componente imprescindível nessa disputa. Ao contrário. “Essas empresas falam muito de serviços como clique e retire como uma vantagem. Mas isso é só uma inovação incremental do varejo tradicional”, afirma. “O fato de o consumidor ter que sair de casa tira toda a conveniência. Na prática, é quase como uma compra física.”
Sob a ótica de “100% conveniência”, o Mercado Envios, além de usar os CDs como estoques avançados, investe em outro formato para ganhar velocidade na última milha. O modelo em questão começou a ser testado em meados de 2019 e também está ampliando sua escala.
A estratégia passa por pontos de venda de terceiros, batizados de Places, que são habilitados pelo Mercado Livre para receber pacotes de encomendas feitas no marketplace. Esses produtos são retirados por uma equipe da empresa e levados até o seu destino final, em um esforço que conta também com a estrutura de 70 parceiros de logística, entre eles a startup Kangu e os Correios.
Hoje, essa rede já inclui 1,3 mil unidades, distribuídas em quatro estados do País. E responde por mais da metade da fatia de 51,6% da logística gerenciada pelo Mercado Livre. “Temos toda uma frente analítica e de inteligência artificial para definir qual o portfólio ideal por região”, diz Yunes. “Esses recursos também ajudam a complementar a busca por novos parceiros no Places.”
“Essas empresas falam muito de serviços como clique e retire como uma vantagem. Mas isso é só uma inovação incremental do varejo tradicional”
Com essa e outras estratégias, o executivo diz que o Mercado Envios também tem sido fundamental para atrair cada vez mais vendedores para a plataforma, incluindo as grandes empresas. Nesse último grupo, Adidas, Ambev, Samsung, Nissan e BMW estão entre as marcas que abriram suas lojas recentemente no Mercado Livre.
Paralelamente, companhias como Apple e Whirlpool, que até pouco tempo, destinavam poucos recursos ao marketplace do grupo, passaram a ampliar substancialmente seus investimentos nessa frente.
“Cerca de 75% dos usuários que entram na plataforma buscam genericamente o produto, não a marca”, diz Yunes, que não revela números da receita de publicidade do grupo. “Eles tomam a decisão dentro do Mercado Livre. Por isso, cada vez mais as marcas estão investindo em mídia dentro da plataforma, já que a bola está na marca do pênalti.”
Fonte: Neofeed