Atenção, você que é fã da marca de jeans mais famosa do mundo. A partir da próxima semana, você não precisará mais se deslocar a um dos 90 pontos de venda da Levi’s para fazer suas compras. O plano de expansão da grife deixará de se apoiar apenas na abertura de lojas próprias e franqueadas e contará com a capilaridade da Riachuelo.
A Levi’s contará, a partir de novembro, com um espaço dentro da Riachuelo, em que as peças estarão expostas sobre uma mesa e em uma arara, com a sinalização acima do célebre logo em vermelho com fundo branco. Nessa primeira fase, a marca de jeans estará presente em 26 das 318 lojas da Riachuelo pelo Brasil. O sortimento, a princípio, será de jeans (principalmente o modelo 511, mais slim, o mais vendido no país), camisetas com o logo, camisas polo, camisas jeans, jaquetas trucker, bonés.
Quem conta os detalhes da ação é Rui Araújo Silva, managing director no Brasil da Levi’s. Durante um almoço no restaurante no prédio da sede da marca, na zona sul de São Paulo, ele conta: “Os preços praticados lá serão os mesmos das nossas lojas, o que em média é quase o dobro das mesmas peças da Riachuelo. Achamos importante manter em respeito ao nosso cliente.” Mas a maior parte das peças será diferente. “O que vai ter na Riachuelo é 90% exclusivo. As cores das camisetas, por exemplo, não serão as mesmas das que estão nos nossos pontos de venda.”
Um outro detalhe: por ora, os corners na Riachuelo não coincidirão com as lojas nos mesmos shopping-centers. “A maior loja da Riachuelo fica em Natal, onde o grupo Guararapes nasceu, no shopping Midway, que pertence à família controladora”, diz Rui. “Não temos loja lá, e isso que a cidade tem quase um milhão de habitantes. Vamos sentir a demanda reprimida, será um bom piloto.”
Rui segue o raciocínio. “Maceió tem 800 mil pessoas, Aracaju tem quase um milhão. Belém tem 1,7 milhão de habitantes e sete shopping-centers”, diz. “Também não temos lojas nessas localidades.” Em São Paulo, a Levi’s estará, por exemplo, nas lojas da Riachuelo na rua Oscar Freire, na avenida Paulista e no shopping Ibirapuera, bons centros de comércio, onde a marca de jeans também não tem presença.
“Também estaremos em duas lojas deles com perfil de público diferente ao que temos hoje, os shoppings Aricanduva e Itaquera, na zona leste de São Paulo, ambas com um movimento absurdo”, diz Rui. “Já no shopping Morumbi temos nossa loja conceito, assim como a Riachuelo. Em algum momento poderemos passar a vender lá, e o consumidor vai decidir onde quer comprar.”
No almoço, enquanto saboreia um bife à milanesa com fritas, Rui relembra sua trajetória na Levi’s, até chegar à parceria com a Riachuelo. Nascido em Moçambique, ele passou pela marca em Portugal, Angola, África do Sul, Estados Unidos e Espanha. “Quando cheguei ao Brasil, em 2013, a Levi’s era uma empresa que não crescia havia três ou quatro anos. Tínhamos 96 pessoas no escritório, 50 portas de retail, não dávamos lucro.”
Naquele momento, conta Rui, eles precisaram tomar uma decisão estratégica sobre o negócio: ou licenciavam a marca para algum parceiro local ou investiam. Resolveram continuar. Primeira medida: downsizing. Nesses seis anos, a marca demitiu dois terços dos funcionários. Hoje, são 37 pessoas. Também devolveram um prédio de três andares de 1.500 metros quadrados na Oscar Freire, onde era a sede, e se mudaram para um prédio comercial. Também praticamente dobraram o número de pontos de venda.
Nesse período, as campanhas de marketing foram direcionadas para projetos artísticos, principalmente musicais, e causas como diversidade. Collabs com outras marcas, uma estratégia cada vez mais comum no universo da moda, são feitas apenas pontualmente. Atualmente, existem três dessas iniciativas no mercado: com a série Strange Things, que inclui product placement com os atores, Hello Kitty e Star Wars.
Outro movimento importante da Levi’s foi partir para a produção nacional. A medida foi impulsionada pelos altos impostos de importação, de 60% para o segmento, e pela alta do dólar no fim de 2017. Os fornecedores foram então selecionados e capacitados. “Todos os fabricantes locais são auditados pela matriz a cada seis meses. Tudo é verificado, de condições de trabalho ao uso da água”, afirma Rui.
A Levi’s trabalha hoje com 15 empresas nacionais, e metade das peças vendidas tem o selo Made in Brazil. “É um balanço bom, que nos dá autonomia. Para decidir a importação de uma peça, precisamos de oito meses de antecedência. Já uma produção local demanda 60 dias. Se uma jaqueta vende ou não, temos uma facilidade maior para aumentar a tiragem ou suspender a venda”, conta.
Os resultados de todas essas medidas apareceram: hoje com 28 lojas próprias e 62 franqueados, a Levi´s fatura no Brasil cerca de 500 milhões de reais por ano, três vezes mais do que em 2013. Desde a chegada da marca no país, em 1972, o melhor ano foi 2018. A empresa apresentou no ano passado 38% de crescimento nas vendas e 39% na rentabilidade. Para este ano, a previsão é crescer ao menos 22%.
“Até que chegamos em um ponto de inflexão: como crescer mais?”, conta Rui. “Abrir loja requer investimento, e temos um real state dos mais caros do mundo. Um imóvel em São Paulo ou no Rio de Janeiro são quase mais caros que Paris e Londres. O e-commerce cresce, mas com limitações. Foi dessa necessidade econômica que surgiu a ideia de parceria com a Riachuelo.”
A Levi’s precisava de um parceiro para ganhar essa capilaridade. Rui conversou com José Galló, CEO da Renner até abril deste ano, com Paulo Correa, CEO da C&A, e Flávio Rocha, dono e presidente do conselho da Riachuelo. O acordo então foi fechado com este último.
A Levi’s foi fundada em 1853 por um minerador alemão, Levi Strauss. Ele não teve filhos, mas os descendentes de seu irmão, a família Hass, em sua quinta geração, estão ainda hoje com o controle da empresa. “Em 1995 éramos maiores que a Nike”, lembra Rui. Seguiram-se alguns anos de maus resultados, até que em 2007 a empresa voltou a ficar no azul, graças a investimentos em novos mercados e ao rejuvenescimento dos consumidores. Este ano a empresa passou por um IPO, com o qual seu valor de mercado subiu 31,82%, atingindo 8,64 bilhões de dólares.
No ano passado, a Levi’s cresceu 14% globalmente, atingindo um faturamento total de 5,6 bilhões de dólares, um tamanho próximo ao de outro ícone americano, a Harley-Davidson. No mundo, a marca tem cerca de 820 lojas próprias e cerca de 500 lojas dentro de lojas, além de ter seus jeans, jaquetas e camisetas distribuídos em 50 mil varejistas.
Nos Estados Unidos, a grife tem um market share de 12,1%, à frente da Lee, segundo colocado, com apenas 4,8%. Por lá, a Levi’s firmou uma parceria parecida a de sua filial brasileira com a Riachuelo, no caso com o Walmart, para o qual criou uma linha exclusiva.
Terminado o almoço, na hora do café, Rui diz que um detalhe importante do acordo com a Riachuelo ainda estava sem definição: que marca viria primeiro no anúncio? Seria Levi’s e Riachuelo, ou Riachuelo e Levi’s? “Quem foi fundada primeiro?”, brinca Rui. Para emendar logo em seguida: “De qualquer jeito estaremos satisfeitos. E muito confiantes no resultado dessa expansão.”
Fonte: Exame