Carlos Jereissati Filho, o presidente do grupo, conta ao NeoFeed como teve de repensar a forma de alcançar o consumidor e como acelerou suas plataformas digitais no meio da pandemia. Ao mesmo tempo, os lojistas também têm se reinventado. E isso cria um dilema para os shoppings em busca de novas receitas.
Carlos Jereissati Filho, presidente do grupo Iguatemi, dono de 14 shoppings e dois outlets, diz que a maior lição que a crise causada pelo coronavírus traz para a sociedade é “a necessidade de planejamento, de estar preparado, de ter caixa”.
Por uma “feliz coincidência”, afirmou o executivo ao NeoFeed, o shopping estava, de certa forma, preparado. Pelo menos, para a transformação digital acelerada pela Covid-19. Afinal, o grupo tinha lançado seu marketplace para vendas digitais, o Iguatemi 365, em outubro do ano passado.
Com isso, quando suas unidades foram fechadas e a casa teve de ser reorganizada, negociando com lojistas, funcionários e fornecedores, a empresa conseguiu minimizar o baque com a adição das vendas online. O faturamento da plataforma, que conta com 100 lojistas e 240 marcas, foi multiplicado por dez no mês de abril.
Jereissati não revela os números, mas admite que está muito distante das vendas físicas. “Imagina que as vendas nos nossos shoppings atingiram R$ 14,2 bilhões no ano passado. O que passa pela plataforma ainda é uma parte ínfima”, diz ele. Em 2019, o grupo faturou R$ 754,3 milhões.
Na visão do executivo, entretanto, o mais importante foi estar bem posicionado – algo que ajuda neste momento e que fará a diferença no futuro. Até porque, mesmo que os shoppings voltem a abrir, o comportamento dos consumidores será diferente.
“As pessoas hoje estão em casa por causa de um vírus da natureza, mas não me surpreenderia se, daqui a dois anos, tivermos de estar na rua por causa de um vírus cibernético. Mais do que nunca, para mim, a realidade mostra que a simbiose entre os canais físico e o online é necessária”, diz Jereissati ao NeoFeed.
Justamente por isso, o grupo tem lançado mão de uma série de ações para reduzir os danos causados pelo fechamento temporário de suas unidades e usado a criatividade para vender mesclando o digital com os espaços físicos, mesmo com seus estabelecimentos proibidos de abrirem para circulação do público.
“Não me surpreenderia se, daqui a dois anos, tivermos de estar na rua por causa de um vírus cibernético”, diz Carlos Jereissati Filho, presidente do grupo Iguatemi
As ações vão desde a chegada de novas marcas na plataforma Iguatemi 365, vendas por drive thru nos estacionamentos dos shoppings, e um projeto piloto de serviço de personal assistant para os clientes do programa de relacionamento Iguatemi One, que reúne mais de 40 mil afiliados.
No caso do Iguatemi 365, o que passou a acontecer foi a aceleração da entrada de novos lojistas na plataforma voltada, sobretudo, para o mercado premium. “Antes, eu falava com os lojistas para eles entrarem e diziam que iam estudar. Hoje perguntam quando podem plugar. Subimos mais de 30 marcas em poucos dias”, diz Jereissati.
Para alcançar milhares de views e impulsionar as vendas, o Iguatemi criou um canal de conteúdo. “Foi a nossa virada de chave”, diz Jereissati. “Temos uma programação de quase quinze conteúdos diferentes por dia, entre lives e programas já gravados.”
Em cada venda, o marketplace fica com o que o mercado chama de take rate. O Iguatemi não revela a porcentagem, mas, no geral, os marketplaces existentes cobram cerca de 20% de cada negócio realizado em suas plataformas.
“Os shoppings estão chegando atrasados nesse mercado de marketplace”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail. BR Malls, Multiplan, Cidade Jardim e o próprio Iguatemi estão incluídos nessa análise.
Varejistas como Magazine Luiza e B2W, por exemplo, foram as primeiras a desafiar players consolidados como Mercado Livre. No caso do Iguatemi 365, a briga acontecerá com concorrentes voltados ao mercado premium, como a poderosa Farfetch, que tem alcance mundial. Mas antes tarde do que nunca.
Por enquanto, o Iguatemi 365 vende 9 mil produtos de marcas como Dolce Gabbana, Ricardo Almeida, entre outras, apenas no estado de São Paulo. A meta, entretanto, é chegar a outras cidades do País até o fim do ano.
Outro formato de venda que tem sido usado pela empresa e que pode virar permanente é o bom e velho drive thru. Adotado experimentalmente para as vendas do “Dia das Mães” em todos os shoppings do grupo, ele tem funcionado de um modo que une o digital e o físico.
O cliente entra no site do shopping, escolhe a loja dentre as mais de 80 participantes, manda uma mensagem via WhatsApp, escolhe o produto, a forma de pagamento, agenda um horário e retira no estacionamento do shopping, sem a necessidade de sair do carro.
“Foi uma modalidade criada dentro dessa crise”, diz Jereissatti. “Está se mostrando extremamente interessante.” O executivo pensa, inclusive, em manter esse formato mesmo depois que os shoppings reabrirem. “Pode ser importante para pessoas com mais de 60 anos que não queiram ter o contato e se arriscar a entrar num ambiente fechado.”
Uma terceira modalidade de venda alternativa corre em paralelo em um projeto piloto. Trata-se de disponibilizar um personal assistant para os clientes Gold e Black, que fazem parte do programa de fidelidade Iguatemi One.
É como se fosse um concierge. O cliente acessa o profissional por meio da plataforma, diz o que deseja e o personal assistant faz a compra e leva na casa do consumidor. “Estamos impulsionando esse serviço”, diz Jereissati.
Mudança definitiva
Provavelmente, quando os shoppings reabrirem, esses outros canais de venda permanecerão ativos, principalmente, porque os hábitos dos consumidores mudarão para sempre. Como as reaberturas serão, aliás, ainda é uma incógnita.
Jereissati estima que dentro de quatro meses, com os shoppings abertos novamente, a circulação atingirá entre 70% e 80% do patamar anterior à crise. Será, na opinião dele, um processo lento. E ele já tem um exemplo dentro de casa.
O primeiro empreendimento do grupo a reabrir foi o outlet em Santa Catarina. Por enquanto, o índice de visitação está na casa dos 30%. Há, evidentemente, ainda muito temor por parte da população e uma dificuldade em se acostumar com as novas regras.
Enquanto não surgir um remédio eficaz ou uma vacina contra a Covid-19, todos os protocolos de visitação terão de ser rigorosos. Jereissati diz que a temperatura de cada visitante será medida, máscaras serão obrigatórias, um distanciamento mínimo será exigido. Mas nada que as pessoas não se acostumem com o passar do tempo.
“Esse é o grande barato do ser humano”, diz Jereissati. E compara com um reality show. “Olha o Big Brother. Você entra naquela casa e, na primeira semana, sabe que está num jogo. Depois de um mês, nem lembra mais que tem câmera. Então, eu acho que as pessoas vão se acostumar a essa nova realidade.”
Um novo modelo de negócio
Os shoppings também terão de se acostumar com a nova realidade pós-pandemia. “É um momento muito complexo para essa indústria”, diz Serrentino, da Varese Retail.
Ele explica que o que faz o ponteiro dos shoppings mexer é o aluguel percentual. Quando o lojista vende acima do aluguel mínimo estipulado, o shopping recebe um percentual sobre as vendas. “Geralmente, varia entre 5% e 7%”, diz o dono de uma rede de lojas de acessórios. Como as operações estão fechadas, os shoppings não estão recebendo nem o aluguel mínimo. E, quando voltarem a operar, o varejo trabalhará de forma diferente.
Muitos lojistas que não usavam ferramentas como o WhatsApp ou outros canais digitais para vender, passarão a intensificar o uso e isso vai gerar uma grande discussão no setor. “O modelo de negócio terá de ser repensado”, diz Serrentino.
Um movimento que vinha acontecendo em marcha lenta foi acelerado pelo novo coronavírus. “O problema é que hoje é difícil identificar o que é uma venda realizada no shopping”, afirma o consultor. E indaga. “Você faz um click and collect, o cliente foi só buscar o produto. É uma venda feita no shopping ou não?”.
A mesma dúvida surge em outros modos de venda. O cliente, por exemplo, entra na loja, o vendedor pega o tablet, faz a venda e o produto é entregue na casa dele. O shopping poderia contar essa negociação no percentual variável do aluguel? E se o lojista usa o estoque daquele ponto de venda e manda entregar na casa do cliente que nem pisou no shopping?
“O shopping vai argumentar que usa a estrutura física. É uma discussão infinita”, diz Serrentino. O fato é que os consumidores, ainda mais agora, transitarão entre vários canais de venda, o que coloca em xeque o modelo atual. Por isso, será necessário encontrar um ponto de equilíbrio e novas formas de trazer receita partindo da premissa que o shopping tem cliente, equipamento e fluxo.
O grupo deverá intensificar a conversão dos projetos para uso misto. “Temos muitos projetos comerciais, de escritórios, nos nossos shoppings. Agora, residenciais, inclusive de multifamily, que são aqueles prédios residenciais para aluguel. Temos muita coisa bacana que aumenta a densidade dos nossos projetos”, diz Jereissati. “Está desenhado para um futuro próximo, estamos esperando só sair dessa situação (crise do coronavírus).”
Fonte: Neofeed