Por Francisco Aldaya | Sebastián Barrios, vice-presidente sênior (SVP) de Tecnologia no Mercado Livre (MELI), disse à Bloomberg Línea que o avanço na implementação de soluções de Inteligência Artificial (IA) na empresa de e-commerce e fintech não só não implicará menor necessidade de contratação como, ao menos em um primeiro momento, vai alavancar o movimento contrário.
“Não acho que vamos para um mundo em que, se minha equipe, para dar um número aleatório, não for 30% mais eficiente, vou reduzir a equipe em 30%. Em vez disso, minha equipe vai produzir 30% mais e vão surgir ainda mais oportunidades”, afirmou Barrios na única entrevista concedida após sua participação no evento anual BRAVO, organizado em Miami pela Sociedade das Américas e pelo Conselho das Américas.
“No MercadoLivre, estamos contratando e continuamos a acelerar nas contratações porque vemos isso como um acelerador do que podemos fazer”, completou.
Barrios, que chegou ao Mercado Livre depois de vender a sua startup, a Yaxi, para a Cabify, destacou o interesse precoce da empresa pelos temas de IA e automação, uma tendência global que foi rapidamente impulsionada por seu fundador e CEO, Marcos Galperin. A companhia foi uma das primeiras a acertar uma parceria direta com a OpenAI, que desenvolveu o ChatGPT, contou.
O executivo contou que a empresa, que conta com mais de 15.000 desenvolvedores, tem investido em uma série de iniciativas de IA para alcançar melhorias em processos interno e na experiência do usuário, incluindo a personalização no processo de compras para torná-lo mais assertivo. São mais de 200 iniciativas com uso de IA atualmente em execução de forma ativa, segundo ele.
A conversa a seguir foi editada por razões de extensão e clareza.
Marcos Galperin foi um dos primeiros grandes empresários da região a expressar seu espanto com as novas ferramentas de Inteligência Artificial, como o ChatGPT. Como estão absorvendo essa nova tendência e qual impacto mensurável tiveram ao implementar essa solução?
Acredito que fomos impulsionados pela cultura que o Marcos gerou, sendo uma das primeiras empresas a, por exemplo, firmar uma parceria direta com a OpenAI. Percebemos rapidamente o potencial. Como todo mundo, também acho que você teria que estar cego para não perceber naquele momento que algo grande estava chegando. No entanto, combinado com todos os investimentos que fizemos nos últimos anos, conseguimos adotar rapidamente, fazer essa parceria com eles e começar a desenvolver produtos.
Tivemos uma iniciativa divertida em que paramos não todas mas uma grande parte das operações da empresa para fazer um hackathon de experimentação com inteligência artificial.
Estabelecemos todas as proteções em termos de dados e depois deixamos as equipes livres para desenvolver novas ideias, resolver problemas, entender quais processos fazia sentido automatizar e, a partir daí, surgiram cerca de 200 iniciativas que estamos executando ativamente.
Um exemplo é quando você vê uma página de um produto que tem muitas avaliações e nós fazemos um resumo e dizemos “OK, nossa Inteligência Artificial do Mercado Livre pensa que isso é positivo ou isso é negativo sobre esse produto de acordo com o que os usuários comunicam”. Assim, temos pequenas melhorias na experiência em todo o site, em toda a aplicação, que melhoram sua experiência.
Outro exemplo é toda a personalização da experiência para os usuários. Se você está vendo um produto que acha interessante, adicionou ao seu carrinho e o deixou lá, enviamos a você uma mensagem personalizada com base em suas experiências anteriores de compra e na descrição desse produto. Isso é algo que seria impossível fazer para nossos milhões de produtos e milhões de usuários não fosse por meio de automações com uso de Inteligência Artificial.
E, internamente, algum exemplo específico de como a operação se tornou mais eficiente?
Sempre pensamos em processos logísticos, e isso aconteceu. Mas o surpreendente foi na geração e em assistentes de código. Nós temos mais de 15.000 desenvolvedores. Qualquer melhoria que temos se multiplica para toda a organização. Multiplica-se para todos os nossos usuários.
Podemos gerar mais funcionalidades e manter esse ciclo virtuoso em movimento. Iinternamente estamos muito otimistas com o que já está sendo gerado. E, além disso, é apenas a versão 1. As versões dois, três, cinco estão por vir. Em cinco anos, o desenvolvimento de código vai parecer extremamente diferente do que hoje.
Não vimos no Mercado Livre o mesmo movimento de demissões em empresas de tecnologia como Amazon e Meta. Qual é a sua visão sobre a tensão entre o avanço da automação e tecnologias que tornam a operação mais eficiente e as necessidades de emprego?
Não estava tão correlacionado. Esta é uma opinião bastante pessoal, mas acho que quando houve a super contratação no boom durante a pandemia, basicamente quando você estava preso em casa, consumindo mais Netflix, tendo que pedir tudo online, felizmente muitas empresas de tecnologia, incluindo a nossa, já tinham investido há muito tempo para ter a capacidade de fornecer todos esses serviços.
O que foi diferente no MercadoLivre e nas empresas da região é que esse crescimento e essa tendência se mantiveram, diferentemente dos Estados Unidos ou da Inglaterra. Houve retorno, sim, crescimento etc., mas para o mesmo ritmo de antes, enquanto na América Latina houve um boom.
Não tivemos que tomar nenhuma medida e, pelo contrário, continuamos a expandir a equipe. Agora, com a automação e a eficiência nos processos de desenvolvimento, sempre surge a pergunta ‘OK, então você vai precisar de menos pessoas, as equipes serão menores?’ E para mim, a questão é mais “Qual é o mínimo esperado de uma equipe, de uma empresa, em que agora podemos produzir mais?”.
Não acho que vamos para um mundo em que, se minha equipe, para dar um número aleatório, não for 30% mais eficiente, vou reduzir a equipe em 30%. Em vez disso, minha equipe vai produzir 30% mais e vão surgir ainda mais oportunidades. No MercadoLivre, estamos contratando e continuamos a acelerar nas contratações porque vemos isso como um acelerador do que podemos fazer. Felizmente, o que precisamos é de mais pessoas qualificadas para desenvolver mais valor para os usuários.
O mundo não termina na Inteligência Artificial e na automação. Quais outras grandes tendências tecnológicas vocês estão observando de perto para possíveis desenvolvimentos em 2024?
Não termina, mas é claramente o que gera mais atenção, mais investimento e mais crescimento. Outro aspecto, falando de equipes mais produtivas e até mais felizes, é uma tendência chamada Engenharia de Plataforma. Temos investido há muito tempo em nossa plataforma interna, que é o que também nos permitiu adotar todas essas novas tecnologias com boa velocidade.
Portanto, vejo essa tendência agora, impulsionada também por um mercado que demanda eficiência e talvez mais lucro do que crescimento. Ter ferramentas internas que permitem controlar custos e ao mesmo tempo ajudar suas equipes a serem mais eficazes, acredito que essa seja outra tendência muito clara para o próximo ano.
Quais lições você observa do que foi a pandemia e os desenvolvimentos feitos no Mercado Livre e na América Latina para economias como a dos Estados Unidos, por exemplo?
É bastante surpreendente para os latinos que vêm ocasionalmente para os Estados Unidos, ou para as pessoas que vivem aqui, ouvirem: “Ei, mas eu poderia fazer transferências instantâneas, de graça, entre contas ou amigos, e aqui tenho que depender do Cash App ou Zelle”, ou que não haja uma tecnologia universal que claramente esteja avançando nessa direção.
Isso ocorre por duas razões: uma é a história de maior desenvolvimento histórico. Mas em todos os países em desenvolvimento, tivemos um salto tecnológico.
A Índia, obviamente, é o exemplo mais claro, que pulou todas as etapas intermediárias e foi direto para ‘você pode fazer pagamentos a qualquer pessoa, praticamente de graça, quase instantaneamente, a qualquer hora do dia, e não precisa esperar o banco estar aberto ou fechado, ou um ACH [código usado para transferências nos EUA] que pode demorar três dias’.
Acredito que, aos poucos, os países que historicamente tiveram mais desenvolvimento estão incorporando isso. Nos EUA, está chegando o FedNow, embora nem todos os bancos o tenham adotado.
Mas essa é uma característica bastante única da América Latina.
Osvaldo Jiménez (presidente do MercadoPago) contou sobre tudo que aprenderam na época da aliança com o eBay. Qual é a empresa que vocês estão acompanhando de perto nos EUA hoje?
Acredito que retornaria à IA. Claramente vemos que é o principal polo em que estão ocorrendo os avanços. OpenAI, o artigo sobre Transformers que saiu do Google, certo? A Meta está liberando muitos códigos open source com uma estratégia diferente, mas claramente ajudando a avançar a tecnologia. E bem, você sabe perfeitamente qual é um dos nossos principais concorrentes e também existem coisas que eles fazem muito bem, há coisas que fazemos melhor, mas há coisas que eles fazem muito bem. E é um excelente concorrente para elevar o padrão entre nós dois.
O ambiente de altas taxas de juros pode limitar o investimento em tecnologia das empresas na região em 2024?
Acredito que seja possível. Havia previsões alguns meses atrás, uma manchete que dizia 100% de probabilidade de recessão em 2023, e, bem, acabou que não aconteceu. Acho que é difícil prever, mas claramente existem projeções em que as coisas não parecem tão boas.
Eu adoraria que as economias não fossem feitas em tecnologia, porque há um efeito de composição muito forte em que talvez o investimento que você faz hoje não lhe traga retorno imediatamente, mas em um, dois ou cinco anos, justamente quando esses ciclos que sobem e descem se recuperam. Seria ideal que a região estivesse mais preparada para aproveitar esse ciclo positivo.
No MercadoPago, serviços de criptomoedas foram lançados em vários países. Qual é a sua visão desse mercado após os escândalos e o crash desde a pandemia? Como vê a adoção da tecnologia na região, olhando para o futuro?
Acredito que estamos acostumados no Mercado Livre a observar ciclos, tanto econômicos quanto políticos, em diferentes países e sempre investimos a longo prazo. Nunca entramos em esquemas de enriquecimento rápido em criptomoedas e nunca oferecemos nada parecido aos nossos usuários.
Gostamos de alguns dos fundamentos tecnológicos e acreditamos que, a longo prazo, eles terão um impacto positivo na região, especialmente quando falamos das diferenças entre, talvez, os Estados Unidos ou países com moedas mais estáveis e a América Latina.
Mas isso mudou, certo? Agora vemos o “superpeso” [mexicano], e mesmo isso é difícil de prever. Mas claramente há mais transações internacionais nos países menores. Uma vantagem que os EUA têm é que, talvez, as transações levem tempo, mas é uma única moeda usada por milhões e milhões de pessoas.
Se eu quiser enviar dinheiro para alguém em outro país da América Latina, é um pouco mais complicado porque passamos por diferentes moedas, diferentes países e diferentes fronteiras. Portanto, vemos um futuro para as criptomoedas independentemente de onde estejam no ciclo de altas e baixas. Nosso investimento é a longo prazo.
Fonte: Bloomberg Linea