Quando aportou no Brasil, em 2008, a grife francesa Longchamp, especializada em bolsas, deixou surpresos seus gestores com uma inesperada corrida de clientes à loja do shopping Cidade Jardim.
A procura por alguns modelos era tamanha -principalmente pela peça Le Pliage-, que a loja se viu obrigada a criar uma lista de espera. Quase dez anos depois, é a Longchamp que está correndo atrás de clientes.
A empresa fechou recentemente duas de suas três lojas -nos shoppings Iguatemi e JK-, em São Paulo, e mantém aberta, por enquanto, somente a do shopping Cidade Jardim.
Fundada há quase 70 anos em Paris por Jean Cassegrain, a Longchamp não é a única que está revendo seus planos de negócios no Brasil.
A clássica marca britânica de camisetas polo Fred Perry, no mercado brasileiro desde 2013, acaba de fechar as portas de sua loja no shopping Cidade Jardim e se prepara para fechar também a do Fashion Mall, no Rio de Janeiro, tão logo o estoque acabe.
Outra rede francesa, Vilebrequin, conhecida pelas bermudas coloridas de cerca de R$ 1 mil, que estreou no país há nove anos, fechou, no ano passado, suas duas lojas nos shoppings Iguatemi e Cidade Jardim.
Também desistiram do mercado brasileiro, ao menos por enquanto, as marcas Kate Spade (bolsas), Lanvin (roupas), Vacheron Constantin (relógios) e Laudurée (doces).
A lista de grifes de luxo que perderam o interesse pelo mercado brasileiro não para de crescer desde no ano passado, de acordo com especialistas do setor. E a culpa, dizem eles, é da falta de perspectiva para os negócios no Brasil.
“As marcas vieram em bando e agora estão indo embora em bando, infelizmente”, afirma Freddy Rabbat, presidente da Abrael (Associação Brasileira das Empresas de Luxo), entidade que reúne cerca de 30 redes de luxo.
Antes de 2007, segundo afirma, havia cerca de 15 marcas internacionais no Brasil. Em 2012, mais de cem delas disputavam o mercado de luxo no país. “Dessas, cerca de duas dezenas já foram embora.”
As rede de luxo, de acordo com Rabbat, acreditaram que o mercado brasileiro seria promissor, e se frustraram . “E não há sinais de que isso possa mudar, que o governo vá tomar medidas que possibilitem o consumo”, diz.
Renda nunca foi exatamente um problema para clientes habituados a comprar bolsa Chanel por R$ 25 mil, tênis da Christian Louboutin por R$ 7 mil ou relógio da Tag Heur por R$ 5 mil, no mínimo.
Um levantamento do Crédit Suisse revelou que há no país 25,5 mil multimilionários com patrimônio acima de US$ 5 milhões (cerca de R$ 15,5 milhões) e 172 mil detentores de US$ 1 milhão (cerca de R$ 3 milhões), dos quais dez mil entraram na lista em 2016.
Detalhe: imóvel de residência não está contabilizado nesta conta.
Para entender por que o consumo começou a frear justamente na ponta mais elevada da pirâmide de renda é necessário conhecer as motivações que impelem os endinheirados rumo às compras.
Entre os termos citados por especialistas do mercado de luxo destacam-se disposição, confiança, motivação, entusiasmo, e estado de humor.
Pesquisa conduzida pelo instituto Ipsos, por encomenda da Luxury Marketing Council (LMC), associação que reúne mais de 800 empresas que atendem esse público, evidencia que mais de 70% dos consumidores compram produtos caros para recompensa pessoal. Veja abaixo detalhes da pesquisa.
“Em dois anos de crise, os indicadores de todos os sentimentos que estimulam o consumo das classes mais abastadas estão em níveis baixíssimos”, resume Rabbat. “Quando esse consumidor vê o vizinho, que também mora em uma casa linda, fechar a empresa ou demitir em massa, passa a gastar de forma bem mais discreta.”
O mercado brasileiro de artigos de luxo movimenta cerca de R$ 1,5 bilhão por ano, considerando os bens pessoais que podem ser adquiridos em shoppings, como vestário, sapatos, joias e perfumes, de acordo com a Abrael.
É uma fração dos 250 bilhões de euros -cerca de R$ 808,5 bilhões -que esses segmentos movimentam globalmente, de acordo com estudo da consultoria Bain.
Incluídos automóveis, imóveis, bens como barcos e aviões, viagens e serviços o valor deste mercado no Brasil sobe para R$ 12 bilhões anuais.
PLANOS AMBICIOSOS
Em 2007 e 2008, com a perspectiva de expansão da economia, grifes globais aterrissaram no país, algumas com planos ambiciosos.
Dolce & Gabbana, Gucci, Ermenegildo Zegna, Dior, Chanel, Burberry, Louis Vuitton, Cartier, Vacheron Constantin, Tag Hoer, Longchamp, se já não estavam por aqui, reforçaram ou fizeram planos para expandir os negócios no mercado brasileiro.
Muitas dessas marcas já havia testado a reação dos consumidores (as) por meio da Daslu.
“O mercado brasileiro está muito difícil. Quem não saiu está revendo os planos”, afirma Carlos Ferreirinha, presidente da MCF, consultoria especializada no mercado de luxo.
Convém lembrar que São Paulo concentra 60% das vendas do mercado de luxo, seguido pelo Rio de Janeiro, com 25%.
Com 65 lojas no país, 33 próprias e 32 franquias, a rede Swarovski de cristais colocou o pé no freio nos planos de expansão no Brasil.
Nos últimos cinco anos, a rede abriu de oito a dez lojas por ano no país. Em 2013, a empresa chegou a abrir 15 pontos de venda entre próprios, franqueados e corners em lojas de departamentos.
Para este ano, a previsão é abrir mais sete lojas – seis franquias e uma própria.
“Estamos com projeção mais conservadora. O número de transações das lojas dos shoppings caiu 4% em 2016”, afirma Carla Assumpção, diretora da divisão de varejo da Swarovski no Brasil.
Essa queda se traduz em quase 10 mil transações a menos para a rede, o que é muito, de acordo com Carla.
A cada ano, a Swarovski vinha registrando expansão anual de vendas de dois dígitos. No ano passado, o crescimento ficou próximo de 2%.
Pior do que a redução de vendas, de acordo com Carla, foi a queda de rentabilidade da rede, fortemente abalada pela combinação de desvalorização cambial, aumento de custos e manutenção de preços dos produtos.
“Na média das lojas, até que as vendas continuam positivas, mas imagine o impacto em uma operação que crescia 18% a 20% ao ano e agora cresce um dígito”, diz Ferreirinha.
Plano elaborado pela Swarovski há quatro anos previa atingir 70 lojas no Brasil até 2017, o que deve ocorrer com as novas inaugurações. Mas, de acordo com Carla, a grife poderia crescer muito mais por aqui.
Em Portugal e Espanha, mercados com escala menor que o brasileiro, a marca possui 250 lojas.
“Nenhuma marca de luxo sobrevive com uma loja só, por isso é importante estar em um mercado que propicia a expansão”, diz Rabbat, que é também diretor-executivo da Tag Heur, marca suíça de relógios presente no país desde 1990 como distribuidora.
A Tag Heur está naquele grupo de grifes que se animou com as perspectivas para a economia brasileira. Em 2012, a empresa abriu a sua primeira loja no shopping Cidade Jardim, em São Paulo.
Cinco anos depois, neste ano, a empresa decidiu abrir o segundo ponto de venda no Village Mall, shopping de luxo localizado na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. A Tag Heur está na lista das exceções?
A explicação é a seguinte: a decisão de entrar em um mercado e depois executar o plano leva tempo. Se há lojas de luxo abrindo em plena crise é porque a decisão ocorreu anos atrás, na avaliação de Ferreirinha.
A marca britânica Jo Malone, especializada em perfumes e velas, que faz parte do grupo Estée Lauder (Clinique e MAC), abriu no ano passado duas lojas em São Paulo – no shopping Iguatemi e no shopping Pátio Higienópolis.
“Uma vez que um projeto de entrada em um país é feito não dá para abortar. Agora, os planos de expansão das marcas, em geral, serão mais contidos ou até interrompidos. É o que dizem os executivos das redes”, diz Ferreirinha.
Apesar de o público que consumo produtos de luxo estar desmotivado para gastar, esse é um mercado com potencial para crescer no país.
Fátima Merlin, especialista em comportamento dos consumidores, diz que o mercado de luxo no Brasil pode ser considerado em desenvolvimento, pois está concentrado em São Paulo (60%) e Rio de Janeiro (25%).
O desafio deste mercado, de acordo com ela, é lidar com a imprevisibilidade da economia, comportamento do dólar, impostos e os custos das lojas.
Como esse público tem poder aquisitivo alto e costuma viajar com frequência para o exterior, o receio é que as lojas do Brasil se tornem apenas showrooms. Ou seja o cliente namora o produto nas lojas brasileiras, mas concretiza a compra no exterior.
De acordo com Rabbat, as redes que atendem o mercado de luxo estão tentando entender o que vem por aí na economia brasileira.
Enquanto o cenário não fica claro, elas estão achando melhor por o pé na estrada e buscar mercados mais estáveis e promissores.
Fonte: Textile Industry