Por onde começar a reestruturar uma grande empresa para que ela volte a crescer? Claudio Galeazzi, ícone das reestruturações no Brasil, responde sem pestanejar:
“Sabe aquele funcionário insubstituível, que sabe tudo sobre a história, os números e os valores da companhia? Pois é ele o primeiro a ser cortado”, disse ele, durante o HSM Expo 2016, que acontece em São Paulo.
Em sua opinião, os insubstituíveis são os que, com tanto conhecimento, poderiam ter feito alguma coisa para salvar o negócio e não o fizeram por falta de competência ou por apego.
“Muitas vezes é difícil reconhecer que o que fazíamos e dava certo no passado, hoje já não funciona mais”, afirmou ele. “O duro é quando o insubstituível é o fundador”, brincou.
Depois de identificar – e demitir essas pessoas – o próximo passo é buscar os líderes da empresa. Não são diretores ou gestores, nem os que mais produzem.
“São aqueles com carisma e liderança que, quando compram a ideia do turnaround, são como religiosos convertidos, capazes de entenderem todo o plano e engajarem toda a equipe a acreditar na empresa de novo”, explicou.
Geralmente, conta Galeazzi, os melhores líderes e, principalmente, a mudança de postura frente aos desafios surgem do segundo escalão das companhias e não da gerencia e diretoria.
“As pessoas que estão ali sabem dos problemas cotidianos, apesar de não saberem como resolver ou não terem coragem de dar a opinião sobre as mudanças necessárias”, contou ele.
Para o consultor, quanto mais alto o nível hierárquico em uma empresa, maior o medo do novo, do desconhecido. “O que é um problema para um negócio que precisa se renovar”, garantiu.
Nunca linear
Galeazzi ganhou o “carinhoso” apelido de Mãos de Tesoura depois de trabalhar no turnaround do Grupo Pão de Açúcar, em 2008, quando a varejista cortou muitas pessoas como parte de sua reestruturação.
“Naquela época, quase apanhei do Abilio Diniz e de alguns diretores por reduzir o capex em R$ 700 milhões, com grandes cortes de gente e custos, para investir em abertura de lojas, aumento de estoque e alongar a dívida”, contou ele.
No fim, deu certo. A rede conseguiu mercado em um momento complicado para a concorrência e a economia.
Para ele, esse é um bom exemplo de como as empresas precisam prever crises mesmo que sejam em horizontes distantes. “A vida empresarial nunca é linear”, comentou.
Outra regra de ouro, segundo ele, é sempre estar atento aos sinais de que a empresa vai mal. Queda nas vendas, aumento de estoque, dívida, custos e despesas são os mais óbvios.
“Me surpreende que muitas companhias sabem que vão mal, mas preferem arranjar justificativas válidas, como colocar a culpa no tempo, na crise, no governo”, afirmou ele. “Isso é mais fácil do que assumir que não souberam ou não quiseram resolver seus problemas”.
A visão da empresa tem um papel importante na estratégia, mas nunca pode se sobrepor ao negócio em si, defende Galeazzi.
“Não existe cultura que resista a três tapas bem dados”, disse ele. “Não acredito que ela prevaleça em uma empresa em declínio”.
Como exemplo, o consultor citou a BRF, a gigante do setor de alimentos que ele comandou por um bom tempo. Fusão entre a Perdigão e Sadia, a empresa determinava o que era para ser produzido, de qual jeito e com qual preço, de acordo com o setor em que atuava.
“Tivemos de reverter isso rapidamente, porque o mercado quem define são os consumidores”, afirmou ele.
As estratégias, então, passaram a serem desenhadas pelas áreas de marketing, pesquisa e consumo – e a BRF voltou a liderar o setor.
Ego e escolha
Antes de abrir sua consultoria de reestruturação, há mais de vinte anos, Galeazzi atuou como executivo e presidente de multinacionais.
Quase viu seu negócio ruir antes de começar a estudar profundamente como dar uma guinada novamente. “Aprendi na prática”, diz ele.
Além de saber exatamente o que sugerir para as empresas que o procuram para pedir ajuda, o consultor conta que o desafio é também o de lidar com o ego dos empresários.
“A vaidade deles é alta e justificável porque, em grande parte, construíram suas empresas do nada e passaram por muitos percalços, o que lhes dá a sensação de invencibilidade”, disse.
A dificuldade dessas pessoas está em aceitar ideias diferentes e vindas de alguém de fora, naquele momento delicado por qual estão passando.
“A mudança só é possível quando existe neles uma real vontade de resolver”, conta.
Para ele, os empresários que vivem de um passado bem sucedido – e um presente incerto – têm de aceitar ajuda. “É preciso se atualizar e também saber das suas limitações como dono ou presidente de um grande negócio” afirma.
O ego também pode atrapalhar as grandes companhias na busca de um líder dentro delas – em especial, nas familiares.
“O erro de empresas familiares é que muitas vezes o DNA do empreendedor fundador não é transmitido aos herdeiros”, afirma.
Na opinião de Galeazzi, o ideal é promover pessoas que já estão na corporação e são bem preparadas, com mentalidade aberta. “Mas, se a escolha for ruim, seja ágil”, alertou.
Ninguém é tão bom
A premissa de entrar mudo e sair calado de reuniões é adotada há anos pelo consultor que orienta os presidentes das empresas que atende a fazer o mesmo.
A vontade de muitos executivos em contribuir com reuniões estratégicas acaba por fazer com que poucos consigam concluir ideias do começo ao fim, disse Galeazzi.
Além do que, saber que não se sabe de nada é uma lição e tanto, ele garante.
“Um CEO que pensa saber todas as respostas, está ou estará com um negócio em crise”, afirmou. “Por mais que você pense ser bom, te asseguro, você não é”.
A capacidade de renovação foi o que motivou GE e Apple, por exemplo, a seguirem em frente, se modernizarem, argumentou o consultor. A falta dessa habilidade foi o que fez grandes negócios do país, como Mappin e Mesbla, desaparecem.
“Reconhecer suas limitações é importantíssimo para a superação”, afirmou ele. “Saber se transformar é essencial para a vida de qualquer gestor”.