Engenheiro de formação, o empresário Antonio Carlos Pipponzi, 66 anos, encontrou no mercado de farmácias a fórmula para o sucesso. Assumiu, em 1977, o controle da Droga Raia, fundada por seu avô, quando a empresa tinha apenas sete lojas e era conhecida como Droga Pan. Encabeçou a oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da Raia em 2010 e, no ano seguinte, liderou uma das fusões mais bem-sucedidas do varejo brasileiro, que culminou com a criação da Raia Drogasil, rede de 1.849 lojas que faturou R$ 14,8 bilhões em 2018. O grupo farmacêutico assinou, na terça-feira 26, um novo acordo para a aquisição da rede Onofre, controlada pela gigante americana CVS Health.
Quando recebeu a DINHEIRO na sede do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), em São Paulo, Pipponzi estava em uma movimentação atípica. Parou a conversa diversas vezes para falar ao telefone. Do outro lado da linha estava o pediatra Antonio Sérgio Petrilli, cofundador do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc). O intuito era nobre. “Uma mãe que veio do Paraguai para o Brasil nos procurou porque tem uma filha de dois anos que está com quadro de leucemia. Não tínhamos o remédio que essa mãe precisava na 4Bio [bandeira de medicamentos especiais da Raia Drogasil]. A Pfizer também não. Mas o Dr. Petrilli conseguiu. Foi uma história com um final feliz”, diz Pipponzi, que deixará a presidência do IDV em abril, após mais de dois anos em um dos cargos mais importantes para o varejo no País.
DINHEIRO – A Onofre é a rede de farmácias líder em vendas no e-commerce brasileiro. Hoje, 45% da receita dela vêm desse canal. O objetivo da aquisição é ampliar a oferta de serviços digitais da Raia Drogasil utilizando essa expertise?
ANTONIO CARLOS PIPPONZI – Nós temos investido para aprimorar o nosso e-commerce, mas a Onofre já investe nisso há muito tempo. É onde a empresa é forte. Eles têm a capacidade de reunir muitos pedidos numa mesma entrega por conta do volume que vendem na internet. Isso diminui os custos, o que acaba sendo bom para a competitividade. Acho que podemos fazer bom uso do centro de processamento de pedidos que a Onofre tem na Mooca, zona leste de São Paulo. Isso vai alavancar a nossa operação no e-commerce e de entregas de modo geral.
DINHEIRO – Além da operação do e-commerce, a Onofre é uma rede com 50 lojas físicas, sendo que 47 delas operam em São Paulo, principal mercado da Raia Drogasil.
PIPPONZI – As lojas da Onofre estão em bons pontos e são bem localizadas. Nós entendemos que o negócio seria uma grande oportunidade por conta do preço e por termos a possibilidade de usar a estrutura da Onofre para agregar ao nosso e-commerce.
DINHEIRO – A aquisição vinha sendo costurada desde o Natal. A CVS, inclusive, procurou concorrentes e fundos de investimento que pudessem assumir a operação da Onofre no País. Como foi esse processo?
PIPPONZI – Foi um processo direto e muito rápido, tratado na alta cúpula da CVS, lá em Nova York. Começamos a conversar com a CEO da Onofre, Elizangela Kioko, no Brasil e, depois, tivemos duas reuniões nos Estados Unidos. O processo de negociação demorou cerca de 40 dias e foi finalizado na última terça-feira. Foi uma transação interessante. Os valores, infelizmente, nós não podemos divulgar por conta de um pedido da CVS Health.
DINHEIRO – Existem hoje 76 mil farmácias no Brasil. Esse mercado não está saturado?
PIPPONZI – As pessoas enxergam esse mercado como um setor em consolidação, seja pelo aumento da taxa de envelhecimento, o que vai propiciar um crescimento na venda de medicamentos, seja pelo lado da renda, que também ajuda a alcançar um aumento da demanda no segmento de beleza e higiene. É um mercado de tamanho muito expressivo, mas a Raia Drogasil, mesmo na posição de líder, tem apenas 13% de participação. Nos Estados Unidos, a consolidação se deu com dois players que têm 20% de presença cada um. Eu acredito que existem muitas farmácias , as redes partiram para um processo violento de crescimento. Nós fizemos isso organicamente, fomos para outros mercados com cuidado, construímos uma marca e crescemos com muita saúde.
DINHEIRO – O que o IDV pode fazer para melhorar o País? Como está sendo o trabalho junto à equipe econômica liderada por Paulo Guedes?
PIPPONZI – Nossa atuação com o governo está relacionada a três temas: o tributário, o financeiro e o tema de simplificação. Em linhas gerais, essas são as nossas pautas. Ao mesmo tempo, estamos trabalhando com o Centro de Liderança Pública (CLP) em outros temas, como o da Previdência e o da reforma do Estado. Uma vez que nós estabelecemos o que iríamos defender, marcamos uma conversa com o Paulo Guedes e fomos muito bem recebidos. Já foram dois encontros, um no dia 26 de dezembro e outro mais recente, há poucas semanas.
DINHEIRO – O que tem sido discutido com o novo governo?
PIPPONZI – O governo tem uma pauta enorme de reformas, é liberal e ciente das travas que precisam ser retiradas do País. Minha sensação é de que nós temos uma equipe econômica extraordinária, capaz de reformular esse País dentro de uma tese liberal. Não sei se “reconstruir” seria uma palavra forte, mas precisamos mudar a ordem econômica do Brasil. O que nós percebemos do Paulo Guedes, do discurso liberal dele, é que ele é pró-descomplicação, pró-revogação de medidas que hoje emperram o crescimento. Nossa intenção é participar desse movimento de retomada do País com o novo governo. Levamos uma pauta dividida em três temas: o de simplificação, o tributário e o financeiro. Expusemos isso em linhas gerais e estamos procurando cada um dos secretários para apresentar essas propostas em detalhes, para que possamos construir juntos.
DINHEIRO – Vários empresários estão atuando mais ativamente na política hoje. Você também pretende aderir a esse movimento?
PIPPONZI – Acho que já estou na política. Quando você está à frente de um instituto que representa os interesses do varejo, isso já significa uma atuação política. Admiro muito o Salim Mattar, que é apaixonado pela Localiza. Convivo muito com ele no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Acho admirável ele ter deixado sua empresa para enfrentar o desconhecido, numa fase em que poderia estar gozando de um conforto muito maior. Estou procurando exercer uma influência sobre a classe empresarial do varejo. Mas nunca pensei em ter um cargo no Poder Legislativo ou no Executivo. O meu grande aprendizado foi o do empreendedorismo. Isso é o que eu quero devolver para a sociedade. Hoje, eu divido a minha vida entre a Raia Drogasil, como presidente do conselho de administração, e trabalhando sem qualquer tipo de remuneração em vários institutos.
DINHEIRO – Qual é a sua visão sobre a proposta de reforma da Previdência apresentada?
PIPPONZI – Eu acho que é a reforma adequada, é agressiva. Está falando em economizar R$ 1 trilhão. Ela se baseia no equilíbrio entre o setor público e o privado. Acho que existe um grande discurso para mobilizar a sociedade, para entender que nós temos um desnível que precisa ser corrigido. É preciso entender que o País vai envelhecer. Vamos ter uma etapa difícil de negociações, porque existe um corporativismo muito grande no Brasil e cada grupo vai procurar se defender. Mas acho que ela, de uma forma geral, está sendo bem tocada. Estamos em contato com o secretário especial da Previdência e Trabalho, procurando entender de que forma nós podemos apoiar. Estamos prontos para exercer o nosso papel.
DINHEIRO – Em 2018, a taxa de desemprego caiu em 18 das 27 unidades da federação, segundo números do IBGE. Isso é reflexo da reforma trabalhista?
PIPPONZI – A reforma foi muito positiva. O problema é que ainda existe uma insegurança jurídica muito grande. A atuação do IDV às vezes chega ao nível do Poder Judiciário, porque temos feito esforços para debater com os juízes temas que foram implementados pela reforma, mas que ainda não foram referendados. Um bom exemplo disso é o trabalho intermitente. A informalidade já existe. Quando você vai a um restaurante no fim de semana vê vários garçons trabalhando. Você acha que todos eles são funcionários registrados? Não são. Falar de trabalho intermitente é importante para ajudar a formalizar determinadas atividades em que você tem uma variação da demanda muito grande ao longo da semana. Quem escolhe o horário do varejo não é o dono da loja, é o consumidor.
DINHEIRO – Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a crise fechou 226,5 mil lojas em todo o País. O quanto disso é culpa do mercado informal?
PIPPONZI – A informalidade sempre existiu e se acentua ainda mais em momentos de crise. Temos uma preocupação especial em relação ao varejo virtual, aos marketplaces. Quando falamos num regime de tributação de base, essas novas modalidades de negócios nos preocupam muito.
DINHEIRO – As ofertas agressivas do e-commerce chegam a ser desleais para a sobrevivência das lojas físicas?
PIPPONZI – Nem sempre. É preciso entender que a tecnologia transformou o mundo. O varejo foi um dos primeiros setores a ser impactados com isso. O consumidor está na nossa porta, olhando as promoções e comparando pelo celular com os preços oferecidos na internet. Existe uma percepção, no mundo do varejo, de que o negócio físico não sobrevive sem o negócio virtual, e vice-versa. Um exemplo disso é o Walmart, uma rede extremamente capilar, que começa a investir muito no comércio eletrônico nos Estados Unidos. Do outro lado, você tem a Amazon, que começa a se consolidar e a comprar cada vez mais lojas. Cada um precisa entender a natureza do seu negócio.
DINHEIRO – E como fazer isso?
PIPPONZI – Em cada segmento, existem empresas que estão se destacando exatamente por entender o momento atual do varejo. Acabei de voltar da NRF, maior evento do varejo mundial, em Nova York. Para mim, ficou claro que as varejistas precisam investir para propiciar uma experiência de compra diferenciada. É preciso ser hábil, mapear a jornada do cliente e entendê-lo cada vez mais. Para isso, os dados dos clientes se tornam mais importantes. O desafio do varejo moderno é buscar ofertas cada vez mais customizadas.
DINHEIRO – O Brasil tem amarras que variam de estado a estado. Isso dificulta uma expansão a nível nacional?
PIPPONZI – Existe esquizofrenia entre os estados. O sistema é totalmente remendado e simplificá-lo é fundamental. Isso é percebido pelo secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, com quem nós já tivemos uma conversa. Uma reforma tributária, além de trazer a simplificação, aumentará a base de arrecadação e será eficaz no que se refere ao combate da ilegalidade e sonegação. A primeira medida deve ser cobrar de quem não paga impostos e não cobrar mais de quem já paga.
DINHEIRO – De acordo com o IBGE, o mercado varejista cresceu 2,9% no ano passado, números aquém do que era projetado. O que podemos esperar para 2019?
PIPPONZI – Em 2018, a taxa de crescimento do varejo realmente não foi nada entusiasmante. A nossa taxa de crescimento, das empresas que compõem o IDV, ficou em torno de 4,5%. Acho que, de forma geral, existe um clima muito mais de otimismo do que aquele clima de apreensão, de pessimismo, que tomou o consumidor às vésperas das eleições. Um otimismo maior reflete em uma retomada no índice de vendas.
DINHEIRO – O que falta ser aprimorado na relação entre varejo e indústria?
PIPPONZI – O varejo é um grande captador de dados. E isso dá grandes possibilidades de parcerias, para que a indústria possa formular seus produtos e, ao mesmo tempo, estabelecer sua estratégia de venda com o varejo. A indústria quer saber como está o cliente ante os produtos dela. É necessário avançar o sistema de compartilhamento de dados, para que o varejo e a indústria usem a mesma base e sejam mais competitivos nos pontos de venda.
Fonte: IstoÉ Dinheiro