Ir a Disney não é uma escolha orientada por preço ou por conveniência. Ao contrário, quem decide ir ao lugar mais mágico do mundo vai por alguns motivos que passam bem longe disso. “Você vai para a Disney porque quer ter uma experiência mágica”, afirmou Stephen Bender, diretor de clientes USA do Disney Institute, em palestra que fechou o primeiro dia do BR Week 2017, o maior evento de varejo do País, que acontece nesta semana, em São Paulo.
Stephen, ao lado de Heloisa Callegaro, sócia da McKinsey, apresentaram as características que fazem as empresas a entregarem uma experiência de excelência para os consumidores. E a Disney é uma delas. “A barra para uma experiência boa está cada vez mais alta. Hoje, apesar de o cliente falar com a gente, comprar da gente, ele está a todo momento nos comparando com benchmarks de outros setores, como Uber, Airbnb”, afirma Heloisa.
Essa mudança de comparação, explica Heloisa, deve-se ao comportamento cada vez mais digital dos consumidores.
“Os clientes tomam decisões com base no mundo online. Eles querem ser atendidos rápido, 24 horas, sete dias por semana. E têm uma expectativa alta. Para o varejo conseguir ter uma consistência tendo em vista essa nova realidade e criar uma experiência elevada para o cliente é um desafio”, avalia a especialista.
Heloisa explica que oferecer experiência não é detalhe – é uma estratégia que traz resultados efetivos para os consumidores. “Boa experiência se traduz em mais resultados, os consumidores gastam mais. E é assim em qualquer indústria. Existe uma mentalidade de que experiência do cliente é importante, mas custa caro. Mas nem sempre é assim: nem sempre gera custo. Muita coisa não custa um centavo”, afirma a especialista.
Um ponto em que a Disney se destaca de forma geral é olhar para pontos que outras pessoas não olham. “Um segredo que faz a Disney ser tão importante nesse sentido é que pensamos sobre coisas de forma diferente em um nível muito maior do que outras organizações”, afirma Bender. “Colocamos atenção extra em pontos que as outras empresas não colocam”, diz. Um exemplo é o cesto de lixo dos parques da companhia. Eles poderiam ser cestos comuns, mas na avaliação da empresa, isso comprometeria a experiência do cliente em algum nível, seja pela aparência dos cestos, seja pelo cheiro que eles acumulam.
A solução da companhia foi transformar os cestos em elementos que têm relação com o tema dos parques e colocar os cestos a cada 20 passos. “A gente precisa entregar isso o tempo todo”, diz.
6 Características
Para entender o que as empresas fazem para criar momentos mágicos para os consumidores, a McKinsey fez uma pesquisa com empresas globais e chegou à conclusão de que aquelas que são consideradas benchmarks em experiência ao cliente têm seis características em comum. Em todas elas, a Disney consegue ser efetiva.
1 – Proposta de valor
Pensar na proposta de valor e de fato entregá-la é essencial. Na Disney, a proposta de valor é clara em todas as áreas. “Criamos felicidade ao proporcionar o melhor entretenimento. A gente quer que os funcionários saibam como criar felicidade para todos os clientes e a gente precisa entregar isso de forma viva”, afirma Bender.
2 – Jornada do cliente
“Para entregar a proposta de valor, as empresas precisam entender toda a jornada do cliente”, afirma Heloisa. Isso significa entender todas as jornadas que os consumidores têm com uma marca, porque não existe apenas uma jornada – linear – são várias. Na Disney, essa atenção é obsessiva. Um exemplo é o estacionamento dos parques da empresa. Se ao final do dia, depois de ter uma experiência mágica, o consumidor não encontrar o carro, a experiência ficará prejudicada.
A companhia informava onde estava o carro do cliente, mas percebeu que isso não era o suficiente, porque as pessoas simplesmente não anotavam ou esqueciam. “Às vezes não é nossa culpa, mas é nosso problema”, afirma Bender. Uma solução foi criar um mapa do estacionamento, onde o funcionário anotava onde estavam os carros. Quando encontravam uma família andando sem direção pelo estacionamento, o funcionário aborda o consumidor, identifica pelo mapa onde está o carro dele e, com um carrinho elétrico, leva o cliente até o seu carro. “Em muitos casos, você vai precisar fazer um investimento e tem coisas que a gente não consegue controlar, mas é preciso entender do início ao fim a jornada do cliente para resolver pontos que não são necessariamente problemas”, diz.
3 – Desenho das jornadas centradas nos clientes
Em uma empresa, o cliente tem vários pontos de contato. Mais do que identificar as jornadas, é preciso desenhá-las e entender em quais pontos dessa jornada o cliente tem problemas e em quais pontos a jornada flui. “Como empresa, queremos ter lucro e precisamos mover barreiras para os clientes comprarem”, afirma Bender.
Nessa jornada, algo comum entre empresas de qualquer segmento é deixar a etapa ruim para o final da jornada. Mas isso compromete a experiência. “Precisamos enaltecer os pontos verdes e não deixar os pontos vermelhos para o final. Mais importante: precisamos dar opção para os clientes”, afirma Heloisa.
4 – Expectativas dos clientes bem gerenciadas
E quando a empresa entrega menos do que o cliente espera? Na Disney, esse ponto foi “fácil” de resolver. “Intencionalmente, não prometemos muito – exatamente para entregar acima do que ele espera”, afirma Bender. Um exemplo são as filas dos brinquedos dos parques. Normalmente, a companhia passa uma expectativa de espera – e eleva esse tempo intencionalmente.
Para alinhar as expectativas, a companhia também fica atenta à criação de conexões emocionais. Aqui, afirma Bender, é preciso entender a diferença entre o que o cliente precisa – hospedagem, alimentação – e o que ele deseja – uma experiência mágica. Como identificar isso: de novo, atenção aos detalhes. Um exemplo, segundo Bender, são as perguntas que os clientes fazem para os funcionários dos parques. As três mais comuns são: “Onde encontro o Mickey?”; “Onde ficam os banheiros?”; “A que horas é a parada das 3 horas?”.
A última pergunta não é uma pegadinha. Segundo Bender, é preciso identificar a intenção por trás de perguntas que não parecem fazer sentido. Neste caso, no fim, o cliente não quer apenas saber o horário da parada – ele quer mais informações que nem ele mesmo sabe que precisa. “Não existe um script. Os funcionários podem responder da forma mais livre possível, mas precisam responder mais do que o horário”, afirma. É neste momento que o funcionário cria uma conexão emocional com o cliente – ele diz qual é a melhor posição para ver a parada, o melhor ponto, o que esperar. Ele entrega mais do que o consumidor perguntou. “E podem ter certeza, existem muitas perguntas dessas todos os dias”, diz.
5 – Sólidas capacidades de execução
E como é possível entregar mais do que o consumidor espera e colocar em prática todo o desenho de jornada do cliente? Não tem jeito, todas as etapas passam pelas pessoas. E elas são fundamentais para que a Disney consiga entregar a mágica que representa a proposta de valor da empresa. “Tudo começa colocando as pessoas certas dentro de casa, por treinamento, por cultura, gestão. É isso que faz com que a Disney entregue a experiência que eles querem entregar”, afirma Heloisa.
A companhia tem um alto nível de excelência quando se fala em gestão de pessoas. Os investimentos em treinamento são constantes e as lideranças são próximas. “Treinamento é tudo, porque são os funcionários que criam felicidade na ponta”, afirma Bender. Um exemplo são os funcionários da limpeza. Eles poderiam simplesmente limpar os parques, mas fazem mais do que isso: dão informações da forma mais lúdica e assertiva possível. “Muitas vezes, eles precisam parar para fazer algo que está além do essencial porque existe um propósito maior, que é a felicidade do cliente”, diz Bender.
Nos parques, quatro coisas são essenciais para que a execução seja impecável: segurança, cortesia, eficiência e show. “É focar nos processos e ter a certeza de que isso está na cultura. E isso começa no modo como a gente contrata. Contratamos por atitude e não por habilidade, porque posso ensinar a servir, mas não posso ensinar uma pessoa a ser amigável”, afirma Bender.
6 – Melhoria contínua
De nada adianta fazer tudo isso se, em algum momento, a empresa não acompanha os processos para a melhoria contínua do método. “As empresas que vão bem, medem tudo e as empresas que oferecem boas de experiência olham indicadores”, afirma Heloisa. Na Disney, um dos principais indicadores é o nível de satisfação dos clientes. Eles estão desde o início ao fim da linha do processo. Eles traduzem se tudo o que a empresa está fazendo dá certo. É que no fim “mágica é uma linguagem universal”.
Fonte: BRWeek