A abertura de uma nova sede de R$ 105 milhões reflete o melhor momento da história do Mercado Livre, que comemora crescimento de 61% da receita no Brasil, neste ano. O fundador da empresa, o argentino Marcos Galperin, contou os detalhes à DINHEIRO
Alheios ao fim do processo de impeachment da Presidente da República que se desenrolava em Brasília, os principais executivos da empresa de comércio eletrônico Mercado Livre apresentavam, na quarta-feira 31, para parceiros e representantes do mercado de tecnologia, a sua nova sede no Brasil. Nem a preocupação com a possível concorrência por atenção fez a empresa mudar a data do evento que comemora uma de suas grandes conquistas desde a fundação, em 1999, pelo argentino Marcos Galperin.
Para o empreendedor e para os mais de 1,2 mil funcionários que antes se amontoavam em três prédios de escritórios em Alphaville, na cidade de Santana do Paranaíba (SP), o fundamento naquele momento era celebrar a mudança da subsidiária brasileira para um terreno de 33 mil m2 e com dois galpões que somam 17 mil m2 de área construída na divisa entre São Paulo e Osasco. Mais importante do que o espaço, a empresa ganha uma sede moderna e sustentável – o número de 2 mil painéis solares no teto do prédio principal só é menor, na iniciativa privada brasileira, que o dos instalados no Estádio Mineirão.
O prédio ainda conta com todos os luxos a que as grandes referências do Vale do Silício possuem: academia de ginástica, salas de “descompressão”, espaço para jogos e diversão, dezenas de salas de reunião, áreas arborizadas e diversos grandes painéis artísticos nas paredes. A obra, desenhada pelo escritório de arquitetura Athié Wohnrath e que envolveu 1,5 mil pessoas, custou R$ 105 milhões e levou um ano para ficar pronta. “Na verdade, demorou 17 anos”, afirma Galperin, em referência ao tempo de existência de sua companhia, que historicamente tem metade da sua receita líquida – US$ 652 milhões, em 2015 – vinda da operação brasileira. “Desde o começo do Mercado Livre, provamos que a América Latina pode ter uma empresa com os mesmos recursos das melhores companhias do Vale do Silício.”
O objetivo também é se ver livre das soluções temporárias. O número de funcionários no Brasil subiu de 700 para 1,2 mil pessoas no último ano. “Mudávamos de espaço e, logo, ele já não era mais suficiente”, diz o fundador. “Agora, podemos crescer por muito tempo. A ideia é ter uma sede parar durar 40 anos.” Dessa forma, o escritório atual tem capacidade de abrigar mais de 2 mil pessoas, e há terreno para expansões. Por trás de todo esse cuidado está um ciclo especial de negõcios para a empresa. “O último trimestre foi o mais forte da nossa história”, afirma Stelleo Tolda, vice-presidente executivo e que estudou com Galperin na universidade de Stanford, na Califórnia, no fim da década de 1990, quando surgiu a ideia de criar um portal de comércio eletrônico para a América Latina.
Em plena crise econômica de seu maior mercado, o Brasil, e, em especial, do setor varejista local, os números do segundo trimestre do Mercado Livre chamam a atenção. Foram vendidos 57% mais itens pelo portal entre janeiro e junho deste ano, em comparação com o mesmo período de 2015. Isso causou um crescimento da receita em reais de 61% e ajudou a empresa a registrar um faturamento líquido total de US$ 199,6 milhões. Isso acontece num momento de arrefecimento do comércio eletrônico. Uma pesquisa da consultoria de comércio eletrônico E-bit, divulgada na quinta-feira 1, apontou uma expansão de 5,2% do e-commerce no Brasil, no primeiro semestre do ano, em comparação com o mesmo período de 2015.
É a primeira vez em 16 anos que a expansão desse setor fica abaixo dos 10%. “Há um movimento de retração do consumo e dos jovens buscarem a revenda e o reúso”, diz Sandra Turchi, professora de estratégias de marketing digital na Escola Superior de Propaganda e Marketing e sócia da consultoria Digitalents. “Esse movimento beneficia os portais de negócios entre consumidores, como o Mercado Livre e o OLX.” Tal cenário dá espaço para projeções bastante audaciosas. Galperin afirma que o Mercado Livre vai criar 5 mil empregos, nos próximos cinco anos, sendo que metade deles estará no Brasil. Ou seja, a nova sede não deve ficar muito tempo sem receber expansões.
Tanto otimismo está baseado em algumas tendências de mercado. A primeira delas é a migração de consumidores do varejo físico para o digital. “O varejo eletrônico é bem mais eficiente”, diz Galperin. “O consumidor não tem de gastar gasolina, encontra tudo o que procura e pode fazer trocas.” A melhoria das conexões banda larga e a popularização dos smartphones também ajudam. Outro trunfo tem sido a expansão do Mercado Pago, o meio de pagamento do Mercado Livre, que dobrou em número de transações feitas no último trimestre. Hoje, 100% dos negócios feitos no site no País acontecem por meio da tecnologia, e ela está sendo expandida para plataformas rivais, o que fez da companhia uma concorrente do PayPal, o meio de pagamento mais popular da internet.
O sucesso dessa ferramenta ilustra a estratégia da companhia de controlar toda a cadeia de comércio eletrônico. Se anteriormente ela era apenas um marketplace de compra e venda de produtos, hoje ela detém também meios de pagamentos e serviços de entregas. No ano passado, 40% da receita já veio de negócios que vão além da remuneração pelo uso do portal para a comercialização de itens. Mas, para evitar surpresas ou ser atropelado por novas tecnologias, o Mercado Livre sabe que não pode se acomodar. “Muito do crescimento de funcionários da empresa acontece nas áreas de desenvolvimento e em logística”, afirma Galperin.
Nos últimos meses, a companhia investiu R$ 76 milhões para comprar as brasileiras KPL e Axado que atuam nessas duas atividades, respectivamente. Novas tecnologias também estão no horizonte. Até por isso, o fundador não mais costuma gastar o seu tempo viajando pelos 19 países em que a companhia atua. Ele deixou essa função para Tolda e agora passa a maior parte do tempo dividido entre as sedes argentina e brasileira, e viajando aos Estados Unidos para acompanhar as novidades do Vale do Silício.
O desafio, argumenta, é adivinhar quando novas tecnologias estarão maduras para serem aplicadas na América Latina. O timing é de difícil previsão, mas Galperin não teme arriscar de onde virão as transações do futuro: pagamentos por dispositivos móveis, aparelhos domésticos com acesso à internet e interface para fazer pedidos de compras por meio de voz. É provável que boa parte das 2,5 mil pessoas que o Mercado Livre vai contratar nos próximos cinco anos para trabalhar na sua nova e moderna sede brasileira precisará saber como criar esse futuro.