Para Eduardo Terra, essa seria uma operação maior que a maturidade da maioria das grandes varejistas brasileiras
A decisão do governo de fazer uma privatização total do capital dos Correios, sem divisões por região, gera uma dúvida no mercado: quem vai ficar com a estatal? Especialistas consultados pelo Estadão/Broadcast divergem, mas as bolsas de apostas envolvem empresas de varejo – setor em que a logística de entrega se tornou tão importante quanto a variedade de produtos ou o número de lojas – e empresas de logística pura, que prestam serviços para as varejistas ou para outros setores.
Segundo o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, o governo decidiu privatizar 100% do capital dos Correios. A informação foi revelada pelo jornal O Globo e confirmada pelo Estadão/Broadcast. Tanto o segmento de entrega de encomendas quanto o serviço postal, hoje um monopólio público, serão vendidos. A União não ficará com nenhuma ação da empresa. O modelo, porém, ainda precisa passar pelo Congresso.Está gostando da notícia? Fique por dentro das principais notíciasAtivar notificações
Em 2010, a maior fonte de receita dos Correios era o envio de correspondências por empresas. Hoje, companhias e pessoas físicas enviam e recebem menos cartas, e compram muito mais pela internet. Os Correios já entregam boa parte dessas compras – empresas como o Mercado Livre têm parcerias com a estatal.
Essa proximidade coloca as varejistas entre as potenciais compradoras da empresa. “O potencial interesse seria de um e-commerce como a Amazon, uma empresa que faça essa logística de ponta a ponta, mas não como negócio principal”, diz José Alves Neto, gestor da TRX Investimentos, que investe em galpões logísticos. “A capilaridade é fundamental, a proximidade das agências com o público. Talvez aí esteja o valor intrínseco (dos Correios).”
Desafios
Entretanto, os Correios carregam desafios tão grandes quanto sua presença geográfica, como o contingente de funcionários – até o ano passado eram cerca de 100 mil pessoas – e os prejuízos acumulados, que estavam em R$ 859 milhões no final de 2020. As dificuldades para “digerir” uma empresa com números tão expressivos podem afastar parte dos potenciais interessados.
Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), acredita que, entre as varejistas, as mais interessadas nos Correios poderiam ser companhias que já atingiram o patamar de ecossistemas de varejo consolidados, como a Amazon e a chinesa Alibaba. Ele avalia que varejistas como Magazine Luiza e Mercado Livre, nome importante no mercado brasileiro, ainda não estão nesse estágio.”Seria uma operação maior do que a maturidade dessas empresas. Para qualquer uma delas, hoje, seria um salto”, avalia.
Segundo ele, haveria mais sentido numa compra por Mercado Livre e Amazon, que não têm o apoio das lojas físicas para chegar mais perto dos clientes. “Ainda assim, o ‘match’ (combinação) não é total”, diz Terra.
Werner Roger, CIO e gestor da Trígono Capital, acredita que um cenário provável seria o da associação entre um nome de e-commerce e um de logística para comprar os Correios. “Um grupo que vejo como candidato é o Simpar. Seria interessante uma associação entre uma empresa com e-commerce e outra que faz o serviço de logística”, diz ele. A Trígono detém investimentos na Simpar e na Movida, subsidiária do grupo.
Em nota, o Mercado Livre afirmou não ter interesse nos Correios, e que segue ampliando sua rede logística. “Entretanto, a empresa acompanha as discussões sobre a privatização da estatal e está aberta a contribuir com os agentes públicos para que o processo de privatização seja eficiente para o Brasil e para os nossos usuários”, acrescenta em seu posicionamento.
A Amazon, que já havia negado a existência de conversas sobre uma possível compra dos Correios em setembro, disse em nota que “não comenta rumores e especulações”.
Procurado, o Magazine Luiza também preferiu não comentar. A Simpar, que sinalizou publicamente interesse nos Correios no ano passado, não respondeu até a publicação desta nota.
A DHL, por sua vez, disse que não comenta sobre especulações de mercado sobre potenciais fusões e aquisições. “No momento, não temos planos para atingir o crescimento de nosso negócio postal por meio da participação no processo de privatização de outros serviços postais no exterior”, complementou.
Já a FedEx escreveu em nota que monitora continuamente o mercado por oportunidades para expandir os negócios no Brasil e em outras regiões, mas, por política da empresa, não comenta especulações referentes à estratégia de negócio.
Em setembro do ano passado, o ministro das comunicações Fabio Faria havia dito que a varejista Magazine Luiza, a gigante do e-commerce Amazon, e as empresas de logística FedEx e DHL estariam interessadas
Faturamento
No ano passado, os Correios faturaram R$ 17,2 bilhões, com lucro de R$ 1,5 bilhão. Ao longo da última década, a estatal viveu altos e baixos em termos operacionais. Entre 2010 e 2020, as receitas cresceram um dígito todos os anos – exceto em 2017 e 2020, quando recuaram. Especialistas afirmam que, com a atual estrutura de capital, a empresa não tem como investir, e seria estrangulada pela concorrência com empresas privadas.
O impacto da pandemia se fez sentir no faturamento da estatal no ano passado, mas ajudou a consolidar a tendência que aponta seu possível futuro: a receita com correspondências caiu, e a de encomendas foi uma das poucas que subiram. A entrega dos pacotes, impulsionada pelo varejo online, já responde por mais da metade do faturamento dos Correios.
Fonte: Terra