É o que afirma a holandesa Natascha van Boetzelaer, que lidera o segmento digital na consultoria global de seleção de executivos Egon Zehnder. Ela ainda aponta as habilidades essenciais de um diretor
O executivo que chega na empresa para liderar um processo de transformação digital é temido, encontra vários tipos de barreiras e, em alguns casos, abandona o projeto em poucos meses. Sai frustrado e cansado de dar murro em ponta de faca. Isso porque, ao ser contratado, o CEO lhe deu apoio e incentivo, mas pouco depois, ele está sozinho.
Mesmo assim, especialistas acreditam que o poder dos diretores digitais ou “chief digital officers” vai crescer e em breve eles estarão no comando das organizações. O perfil é raro e bastante disputado, diz Natascha van Boetzelaer, holandesa que lidera o segmento digital na consultoria global de seleção de executivos Egon Zehnder. Ela passou vários anos no escritório de Hong Kong da consultoria e já comandou diversos processos de transformação digital pelo mundo.
Para ela, os diretores que vêm de empresas digitais têm muito o que aprender com as companhias tradicionais. “Eles precisam entender a cultura e não ir tão rápido com a implementação”, disse ao Valor em sua passagem por São Paulo. A seguir trechos da entrevista:
Como saber se é preciso contratar um diretor digital?
Natascha van Boetzelaer: A transformação digital é um tópico para todo mundo. O senso de urgência depende do setor. Os que estão mais próximos dos consumidores estão pisando na chapa quente. No outro extremo, estão as indústrias que ainda não sentem dor, mas percebem que podem aumentar sua eficiência se usarem mais tecnologia para otimizar os negócios. A urgência da mudança para elas é menor, mas existe. O diretor digital é o agente que vai liderar essa transformação.
Quais são as habilidades essenciais de um diretor digital?
Natascha: Como vai estar à frente das transformações, ele precisa ser um profissional magnético, estratégico e capaz de atrair talentos digitais. Também vai ter que ser forte para convencer o conselho de administração a fazer as mudanças. Esse poder é critico. No começo, o diretor digital se reportava ao de marketing ou ao de tecnologia, mas a chave para ele é estar ligado a negócios.
Onde buscar um diretor digital?
Natascha: A demanda por esses profissionais é maior do que a oferta. Você compete com muitas organizações, porque tanto faz de onde eles vêm ou para onde vão já que a função é mais importante que o setor. Um banco não precisa necessariamente encontrar alguém de banco. O essencial é que o CEO se envolva, sem isso eles não vêm. Eles vão perguntar muito, vão entrevistar o CEO, ver se existe dinheiro disponível para montar o time porque sabem que as mudanças custam. Os processos de contratação para eles também precisam ser ágeis e o pagamento deve incluir incentivos de longo prazo.
É possível definir qual o melhor perfil para o seu negócio?
Natascha: Quase sempre o CEO quer trazer alguém da área digital do Google, do Facebook ou da Amazon. Mas essas pessoas, no geral, só trabalharam nessas empresas. Então, elas sabem bem o que é ser digital mas nunca lideraram mudanças. Muitas vezes, elas não têm respeito pelo negócio ou pelos sistemas que já existem. O bom diretor digital tem que ser paciente, respeitoso, aproveitar a tecnologia existente, construir outra ou até ter as duas ao mesmo tempo. O importante é ter equilíbrio.
Por que tantos processos de transformação digital não são bem aceitos nas empresas?
Natascha: Uma razão é a falta de respeito à questão cultural. O diretor digital tem que ouvir todo mundo, ser colaborativo e forte para dizer que as coisas vão mudar e que ele vai trabalhar com as pessoas, e não contra elas. Elas geralmente têm medo porque acham que ele vai destruir tudo. Ninguém gosta de mudanças. No varejo, por exemplo, se você traz alguém de comércio eletrônico, a pessoa pensa que ele vai roubar as suas vendas, então diz que a companhia não está preparada para a mudança. As pessoas estão protegendo seus empregos. O diretor digital deve convencê-las de que quanto mais digital a companhia se tornar, melhor será para todo mundo.
O diretor digital também pode não se adaptar?
Natascha: Quem não for determinado e não tiver paciência simplesmente vai embora. A questão cultural é um dos maiores desafios. A transformação digital demora dois anos para acontecer. Então uma coisa é contratar um diretor digital, outra é mantê-lo. Em muitas companhias, ele vai embora em seis meses porque fica frustrado e sente que o resto da companhia bloqueia seu trabalho. No começo, o CEO diz que ele é super importante, mas depois de algumas semanas, o deixa sem apoio. Se o CEO mostrar a estratégia e der uma visão para a companhia, todo mundo segue, então o sucesso do diretor digital depende muito dele.
Nesses processos é mais fácil para o diretor digital trazer pessoas de fora para sua equipe?
Natascha: Não se trata de incluir pessoas digitais e mandar outras embora, é preciso ter um mix. O próprio diretor digital não precisa estar totalmente pronto ao ser contratado. Ele precisa saber fazer conversões e ter construído experiências interessantes. Ele tem que ser curioso para saber para onde o consumidor está indo. Tem também que ser resistente porque vai passar boa parte do tempo tentando convencer as pessoas.
Qual a formação mais comum do diretor digital?
Natascha: A maior parte estudou matemática, econometria, engenharia mecânica ou estatística. Eles são bons em tomar decisões baseadas em números.
Por que alguém que fez carreira em uma empresa digital iria para outra mais tradicional?
Natascha: Porque eles querem ter um impacto. Se ele for para um banco, por exemplo, poderá dizer que fez parte do grupo que construiu o “banco do futuro”. As pessoas querem ter um propósito.
Por que as companhias falham na transformação digital?
Natascha: Porque elas não têm muito claro o que significa ser digital para elas ou porque contrataram a pessoa errada para conduzir o processo. Os melhores diretores digitais equilibram metas de curto e longo prazo. Se ele está em um grupo internacional, um erro comum é diluir rapidamente a digitalização por toda a organização. Se ele começar na matriz, outras partes vão vendo como o processo pode ajudar os seus negócios e vão querer aderir. Assim, ele pode mostrar o impacto e construir a sua credibilidade.
Os diretores digitais devem ganhar cada vez mais poder nas empresas?
Natascha: Dizem que eles podem ser os CEOs de amanhã. Mas eu acho que os diretores digitais não querem isso. Eles preferem fazer a transformação de um banco em uma organização do futuro do que assumirem o cargo de CEO. Eles gostam do que fazem, mas depois querem voltar para uma startup. Se o diretor digital fez carreira em uma empresa digital como a Amazon, por exemplo, ele sabe que é muito especializado e que se quiser se desenvolver em diferentes funções e aprender como liderar mudanças uma boa decisão é ir para uma companhia tradicional, por mais difícil que isso pareça.
Fonte: Supermercado Moderno