Se os números mais recentes já mostravam dificuldades na rentabilidade, agora, com o rombo de R$ 20 bilhões, varejista terá o desafio de se redesenhar
Por Talita Nascimento
A Americanas tem muitos desafios pela frente. Um deles é provar ser viável economicamente. Depois de revelado um rombo contábil de cerca de R$ 20 bilhões da empresa, o que se questiona é que o passado documentado em balanços pela companhia não é confiável. Assim, explicar no laudo de viabilidade econômica da recuperação judicial que o modelo de negócios da companhia para em pé quando se coloca a dívida no lugar certo é um desafio. Se o s números mais recentes já mostravam dificuldades na rentabilidade, agora, o grupo terá o desafio de se redesenhar, provavelmente com uma estrutura mais enxuta, inclusive de lojas físicas.
Desde o anúncio de inconsistências contábeis, feito em 11 de janeiro, a situação da companhia piorou rapidamente. O caixa, que estava em cerca de R$ 7,8 bilhões, caiu a cerca de R$ 800 milhões até o dia em que a companhia deu entrada no pedido de Recuperação Judicial. Foram determinantes para isso o fato de BTG Pactual e Banco Votorantim terem retido mais de R$ 1,4 bilhão do montante que a empresa contava e de R$ 3 bilhões em adiantamento de recebíveis de cartão terem sido cortados. No pedido de recuperação, a companhia dizia ter acesso a apenas R$ 250 milhões, depois de bloqueios do Banco Bradesco, Safra e Itaú.
No terceiro trimestre de 2022, o último que a companhia divulgou, a XP, por exemplo, classificou os resultados como fracos, com receita em queda na comparação anual e R$ 2,1 bilhões de queima de caixa. No período, a empresa registrou prejuízo de R$ 212 milhões, após um lucro de R$ 241 milhões no mesmo trimestre do ano anterior.
Até mesmo no primeiro trimestre do ano passado, quando a companhia se mostrou à frente dos pares por manter vendas fortes em um período de maior restrição de renda do brasileiro, já havia ressalvas de analistas sobre a sua saúde financeira. “Apesar do cenário desafiador para itens discricionários, continuamos vendo a empresa ganhar participação devido ao seu sortimento. Do lado negativo, Americanas apresentou um aumento significativo na alavancagem e, consequentemente, maiores resultados financeiros”, disseram os analistas João Pedro Soares, e Felipe Reboredo, do Citi à época.
Varejo digital sob análise
Para André Pimentel, sócio da Performa Partners, o caso Americanas vai colocar em análise todo o setor de varejo digital. “Algumas empresas, como o Magazine Luiza, estão mais estruturadas. Ainda assim, têm desafios de rentabilidade com os juros no patamar em que estão. O Brasil, porém, historicamente não é um País de juros baixos”, diz. Ele chama a atenção para o fato de que a concorrência ferrenha no setor baixou as margens de lucro das empresas que, agora, têm de voltar à racionalidade. Com a Americanas, claro, o desafio é maior. Já que os números do passado podem ser revisados para baixo.
O agora ex-CEO da companhia, Sergio Rial, que passou nove dias no cargo antes de trazer a público o escândalo, disse no dia 12 de janeiro a investidores do BTG Pactual que a linha de perdas e ganhos passados da empresa será impactada “em alguma envergadura”. Além disso, uma fonte ouvida pela reportagem afirma que a gestão da empresa agora trabalha para entender qual o real estado da operação da companhia e que, para provar sua viabilidade, a estrutura terá de ser revista.
Para especialista, empresa tem de ser analisada em partes
Para Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Consumo e Varejo (SBVC), vai ser preciso, daqui para frente, olhar a empresa por partes. Ele acredita que a operação física da empresa é mais madura e mais fácil de ser arrumada. Nessa unidade de negócios, o maior desafio no momento é manter o fornecimento em uma situação de caixa escasso. Ainda assim, há menos parafusos a apertar.
No comércio digital, em sua visão, os descompassos são maiores. As vendas online da empresa se dividem em duas partes: o estoque próprio da companhia e as vendas de lojistas virtuais. Segundo Terra, a venda de estoque próprio, apesar de depender de negociações para manter o abastecimento, tem uma estrutura financeira melhor, enquanto o shopping virtual é um desafio maior. “Nessa parte os investimentos em marketing são altos e há uma competição forte, o que reduz as margens”, diz. No negócio de lojas físicas e na venda digital de seu sortimento de produtos, a empresa tem mais condições de redimensionar suas margens do que no e-commerce, acredita Terra.
Operação de lojas físicas deve diminuir
É consenso, porém, mesmo da parte de executivos que estão dentro da operação para reorganizá-la, que a operação de lojas físicas deve diminuir para parar em pé. Daqui para frente lojas sem rentabilidade devem ser cortadas e deve haver diminuição de custos na operação, o que deve levar a cortes de pessoal e outros gastos. Em suas peças apresentadas à Justiça, a Americanas afirma e repete ser viável e relevante para a economia brasileira. A representatividade de uma companhia com 45 mil funcionários é realmente difícil de ser questionada. A viabilidade, porém, está à prova.
Fonte: Estadão