Enquanto grandes redes crescem 36,5% no primeiro trimestre do ano, enquanto empresas menores avançam apenas 2%
Por Adriana Mattos
A crise que afetou duramente o varejo vem ampliando neste ano as desigualdades no setor, que já haviam crescido na recessão de 2015 e 2016. Todas as empresas sentiram a piora do mercado, mas nas redes com atuação local, menos digitais que as líderes, isso foi ainda mais forte. Neste cenário, o repasse do aumento de preços aos produtos vem segurando a receita das redes médias e pequenas.
Dados da empresa de pesquisas GfK Brasil antecipados ao Valor, mostram que no varejo regional houve queda de 22,7% no volume vendido de janeiro até a terceira semana de março, sendo que, no acumulado de 2020, a retração havia sido de 7%. Nas grandes redes, a alta no volume perdeu força, mas a taxa se manteve no positivo: cresceu 4,75% no período, frente ao avanço de 9% no ano passado.
Em termos de faturamento, o varejo nacional cresceu 36,5% neste ano, com elevação de preços de 30,3% em média – ou seja, foi ganho em cima de volume vendido e dos reajustes. Porém, nas redes locais a receita avançou menos, 2,1%, mesmo com a alta de 32,1% nos preços, porque o volume encolheu.
Os números se referem às categorias de bens duráveis, como eletrônicos, eletrodomésticos, aparelhos portáteis e itens de tecnologia. Daqui para frente, apesar da reabertura do comércio, que favorece as redes regionais dependentes da loja, a expectativa de um ambiente econômico ainda difícil em 2021 tende a ser novo fator de pressão. Isso abre um cenário de aumento na concentração do mercado.
Entre fatores que explicam esse quadro, redes e consultores citam o menor acesso a capital das empresas regionais num período de crédito escasso, escala reduzida, que limita o poder de negociação, e atuação mais tímida no comércio eletrônico – canal que ajudou muitas companhias a sobreviver na crise. O fato de certas varejistas regionais atuarem em áreas que sentiram mais a crise, sem a vantagem da diversificação geográfica, também pesa no desempenho.
Para Fernando Baialuna, diretor da GfK, o varejo nacional tem conseguido se aproveitar melhor da expansão da operação on-line do que o comércio local. “Eles até correram para se organizar após a pandemia e fizeram avanços, mas as grandes cadeias continuaram expandindo sua logística pelo país em plena crise, reduzindo prazos de entrega e com bom nível de serviço”, disse.
“As redes líderes foram repassando os ganhos de volume e eficiência, o que lhes abre uma vantagem”. Como cadeias regionais, a GfK considera aquelas com atuação em menos de quatro Estados e, como nacionais, acima desse número. Os dados da GfK são obtidos semanalmente com as cadeias.
A pesquisa mostra que aqueles com força no canal digital se sobressaíram após os “lockdowns” deste ano. O volume de bens duráveis vendido on-line de janeiro até a terceira semana de março subiu 67%, mas nas lojas recuou 26%. A receita da operação digital cresceu 105% (acima dos 94% em 2020) e no varejo físico caiu 5%.
Grandes grupos como a Via, dona da Casas Bahia, Magazine Luiza e os hipermercados controlados por redes líderes, como Carrefour e GPA (que vendem itens duráveis) já vinham relatando ganhos de mercado desde 2020. O Magazine, por exemplo, nunca ganhou tanta participação nas vendas em sua história quanto no fim do ano passado. E mais de 60% da venda do Magazine vem do digital. Dias atrás, para analistas, a Via disse que ganhou quatro pontos de fatia de mercado em 2020.
Sobre a questão dos hipermercados, Eugenio Foganholo, diretor da consultoria Mixxer, disse que “na pandemia, muitos clientes correram para essas lojas, de grandes cadeias, para comprar bens duráveis porque os hipermercados ficaram abertos mesmo com os lockdowns, mas as redes regionais não se favoreceram disso”.
Segundo Fabrício Dantas, CEO da Neotrust, que faz pesquisas na área, a expansão dos “marketplaces” (shoppings virtuais), explorado por grupos como Mercado Livre, Magazine Luiza, B2W e Via, teve peso na manutenção dos negócios das redes regionais durante a crise. Os marketplaces dependem da força dos menores para crescer, mas há uma ressalva a ser feita.
“As lojas melhoraram seus sistemas e se plugaram nessas grandes plataformas nos últimos meses, que funcionam de forma mais simples que no passado, graças aos investimentos das líderes em tecnologia”. Porém, muitas redes usam os serviços de logística dessas empresas, que, apesar de mais abertas a negociar termos de contrato após a pandemia, cobram do lojista até 20% sobre o valor da venda, o que afeta margem.
Para Carlos Luciano Ribeiro, CEO do grupo goiano Novo Mundo, dono de 150 lojas de mesmo nome, há uma expectativa de maior estabilidade em preços no varejo, após a falta de insumos na indústria em 2020, que levou a gargalos, com pressão nos custos e reajustes de preços. E isso pode trazer previsibilidade para o setor, o que beneficia as redes menores. “A indústria precisa operar com estabilidade, e isso é bom para o planejamento geral. Nós não sentimos tanto essa piora do mercado desde 2020 porque temos mais de 40% das vendas vindo do on-line”.
Apesar desse quadro, todos os consultores ouvidos fazem questão de reforçar a capacidade de reação das redes de atuação local. “Nunca a força comercial das grandes ficou tão escancarada do que depois de 2020. Mas também é crucial ressaltarmos a resiliência do varejo regional no país”, diz Foganholo. O varejo eletroeletrônico brasileiro é altamente pulverizado, e em certas regiões as marcas nacionais têm dificuldade de penetração. “Há negócios saudáveis e bem geridos, e as vantagens dos médios frente aos grandes, como a relação próxima e de confiança com o cliente, fazem diferença. Na crise, o consumidor quer apoiar a rede da sua região, e elas podem sair disso até mais fortes”, afirmou.
Fonte: Valor Econômico