O conselho de administração é um importante elemento da governança corporativa que ainda tropeça para cumprir o seu papel no Brasil. Pensamento homogêneo demais, efeito manada, falta de preparação dos conselheiros e pouca discussão com opiniões divergentes são alguns dos fenômenos notados pelos próprios membros de colegiados no País.
O diagnóstico é de Sandra Guerra, especialista de longa data no papel do conselho dentro da governança das empresas. Consultora e conselheira há duas décadas, Sandra foi parte do grupo que fundou o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) em 1995, e foi presidente de seu conselho por quatro anos.
Ela lançou recentemente o livro “A Caixa-Preta da Governança” (editora Best Business), que tem como base uma pesquisa realizada junto com Rafael Liza Santos, com a participação de 102 conselheiros brasileiros. Da amostra, a maioria possui mais de dez anos de experiência no papel e atua em dois ou mais colegiados, e cerca de metade têm como principal atuação a de membro independente.
Para a especialista, o papel de um conselho se divide em três categorias: direcionar a estratégia, controlar e monitorar a empresa, atuando como supervisor da gestão de risco e como “motor” da governança corporativa, e aconselhar a gestão da companhia. Esse papel está, no entanto, em constante evolução.
Alguns dos acontecimentos que mais marcaram a maneira de se pensar governança no Brasil e no mundo foram grandes escândalos do meio corporativo, como o da empresa americana de energia Enron, a crise financeira de 2008 e os atuais desdobramentos da Operação Lava-Jato. “Hoje as empresas estão sob escrutínio 24 horas por dia, ao redor do mundo, e isso requer um repensar de tudo isso”, diz.
O equilíbrio que garante a eficácia do conselho, para Sandra, é delicado. “Há uma dinâmica muito desafiadora na relação de um conselho com os executivos. Quando os executivos têm receio do monitoramento, não abrem informações e acabam sem uma relação que permita o aconselhamento”, diz.
A maioria dos conselheiros diz, na pesquisa, já ter testemunhado fenômenos que se colocam entre a tomada de decisão e os melhores interesses da empresa. Mais de 70% dizem ver efeito manada acontecer com frequência – ou seja, os conselheiros, sem informações suficientes, se deixam levar pela opinião de determinados membros, sem uma discussão profunda da decisão. Mais de 60% também percebem, com frequência, a formação de pensamentos em grupo, que evitam o conflito e ignoram informações externas em busca de consenso.
Outras tendências observadas por mais da metade dos conselheiros são a propensão a conselheiros superestimarem sua própria opinião (59%) e de refutarem sugestões de fora do colegiado (56%), bem como um viés em causa própria que faz com que o colegiado sempre atribua a culpa por fracassos a influências externas e credite o sucesso ao próprio grupo (52%).
Para Sandra, são fenômenos que colocam em risco a eficácia dos conselhos, e que ainda não são levados a sério pelas empresas ou pelos próprios conselheiros. “São elementos subestimados por causa dessa visão de uma pretensa racionalidade do ‘business man’. Eles precisam ser considerados e tratados com a mesma seriedade que se dá a planilhas”, diz.
Entre os erros que os conselheiros mais admitem ter cometido, o mais citado é ter confiado demais na proposição trazida por um executivo (17%), e ter-se deixado pressionar pela urgência imposta por ele (13%). Mais da metade também diz ver com frequência conselheiros que se desviam dos melhores interesses da companhia por se preocuparem mais com a própria reputação do que com a da empresa, e por não quererem prejudicar os laços sociais com controladores.
Isso se agrava por problemas na própria dinâmica do conselho. Entre razões que se colocam no caminho para o bom funcionamento do colegiado, na avaliação dos próprios membros que participaram da pesquisa, estão a falta de preparação antes de reuniões, presidentes que não abrem espaço para visões diferentes, conselheiros que não escutam e que falam demais, e outros que não são assertivos o suficiente em suas colocações.
Além do desenvolvimento de uma consciência desses riscos, para Sandra as soluções para minimizar essas questões passam pela já recorrente discussão da importância de mais diversidade nos colegiados. “A diversidade é importante para fazer frente ao pensamento de grupo, para ter perspectivas diferentes e mitigar possíveis tendências que podem estar cegando ou direcionando o conselho”, diz.
Ela destaca, também, o papel do conselheiro independente – sem relação com os grupos controladores -, que Sandra ainda considera pouco difundido no País. “Nossa mentalidade está muito focada em assegurar o poder político dos controladores sobre as decisões, seja em assembleia ou no conselho. O que não se percebe é que agir assim pode diminuir a possibilidade de gerar valor, porque as outras partes interessadas e fontes de capital podem duvidar que as decisões são feitas para o benefício de todos, e acabam precificando isso. A empresa paga um preço por essa desconfiança”, diz.
Fonte: Supermercado Moderno