Por Todd Woody | No centro de reparos e design Wetsuit Forge da empresa, localizado a algumas quadras da praia em Ventura, na Califórnia, uma roupa de mergulho inédita está sobre uma mesa. O traje tem a aparência e o toque de qualquer outro da marca, mas é parcialmente feito de roupas de mergulho usadas da Patagonia, decompostas em nível molecular.
O traje também será derretido no final de sua vida útil e renascerá como uma nova roupa de mergulho com menor teor de carbono.
O protótipo é o produto de uma iniciativa de anos da Patagonia para eliminar grande parte dos resíduos que se acumulam quando um surfista compra um novo traje.
Embora a varejista de roupas para atividades ao ar livre garanta uma vida inteira de reparos por desgaste, um dia os trajes que estão na fila do conserto em Ventura não podem mais ser costurados novamente. Alguns são reciclados e se tornam tapetes de ioga ou sacolas, mas, inevitavelmente, todas acabam em aterros sanitários.
O número de roupas de mergulho antigas da Patagonia que acabam fazendo parte das versões reformuladas de US$ 500 depende do volume descartado que a empresa coleta. Mas a estratégia está dando início a um ciclo potencialmente repetitivo que produziria a roupa de mergulho definitiva e imortal.
Mercado de US$ 2 bilhões
“Essencialmente, uma roupa de mergulho se torna infinitamente reutilizável”, disse Mackenzie Warner, desenvolvedora de materiais da Patagonia.
O mercado de roupas de mergulho de US$ 2 bilhões é a antítese do fast fashion – roupas baratas e descartáveis, em grande parte responsáveis pela pegada de carbono cada vez maior do setor de vestuário.
Os surfistas tendem a não ser escravos do estilo, pelo menos no que se refere a roupas de mergulho, e geralmente só compram uma nova e cara quando a antiga se desgasta.
Cerca de 7 milhões de roupas de mergulho são vendidas anualmente e a previsão é de que o mercado global chegue a US$ 3,5 bilhões até 2033.
A Patagonia, em particular, transformou a consciência ecológica em uma marca de US$ 1 bilhão ao fabricar roupas para caminhadas, escaladas e surfe com materiais caros, mas sustentáveis, e depois incentivar seus clientes a usá-las até que se desgastem antes de devolvê-las para conserto ou revenda. A empresa vende cerca de 100.000 trajes de mergulho por ano.
“A durabilidade e a possibilidade de conserto afetam o impacto ambiental”, disse Veronica Bates Kassatly, uma analista do setor de moda de Londres com foco em sustentabilidade.
Ela cita o exemplo de uma camisa usada 500 vezes. Se uma peça de fabricação barata for substituída após ser usada dez vezes, 50 camisas precisarão ser produzidas e descartadas.
Mas se uma camisa bem feita e fácil de consertar puder ser usada 500 vezes, o custo ambiental será significativamente menor, mesmo que a fabricação da peça de roupa utilize mais água e energia em um primeiro momento.
Apesar do estilo natural do surfe, a maioria dos trajes de mergulho equivale a um derramamento de petróleo. Eles são feitos de neoprene, uma borracha sintética derivada do insumo.
Muitas roupas de neoprene vendidas na Califórnia trazem até mesmo um aviso de que você pode ser exposto a produtos químicos conhecidos por causar câncer.
A Patagonia coleta roupas de mergulho no fim de sua vida útil para um parceiro que as vaporiza para recuperar o que é conhecido como negro de fumo, um ingrediente fundamental do neoprene e da borracha natural que a Patagonia usa. É o elemento derivado do petróleo que confere às roupas de mergulho sua resistência e cor preta.
A recuperação infinita do negro de fumo virgem ainda não foi validada cientificamente, mas sua reutilização mantém as roupas de mergulho velhas longe dos aterros sanitários.
O material recuperado também evita as emissões de dióxido de carbono da produção de negro de fumo virgem, ingrediente onipresente em pneus, plásticos, tintas e eletrônicos.
O mercado de US$ 19,3 bilhões do material, que deve crescer 66% até 2032, emite até 79 milhões de toneladas de CO2 por ano a partir da combustão de óleo de alcatrão e outras matérias-primas de petróleo, de acordo com um artigo publicado em janeiro no Journal of Cleaner Production.
“A circularidade é sempre uma boa abordagem”, disse Fabian Rosner, principal autor do artigo e professor assistente de engenharia civil e ambiental da Universidade da Califórnia em Los Angeles. “Se você puder recuperar o negro de fumo, reduzirá a quantidade de recursos de que precisa em primeiro lugar.”
Há cerca de uma década, a Patagonia começou a substituir o neoprene por Yulex, marca de borracha natural produzida por árvores Hevea resistentes à seca e plantas Guayule cultivadas em terras não aráveis.
A mais recente linha de roupas de mergulho da empresa, lançada em setembro, é 85% feita de Yulex, e as marcas de surfe rivais também começaram a adicionar Yulex e outros materiais sustentáveis às suas roupas de mergulho. Algumas também lançaram iniciativas de reciclagem.
Mas até mesmo as roupas de mergulho Yulex são feitas com negro de fumo. Isso levou o empresário Tony Wibbeler a bater à porta da Patagonia em 2017 com uma proposta de solução sustentável para o problema do insumo e o desafio da reciclagem.
A startup fundada por Wibbeler, a Bolder Industries, sediada em Boulder, estado do Colorado, desenvolveu um processo industrial para recuperar o negro de fumo de pneus velhos chamado BolderBlack.
Ele disse aos executivos da Patagonia que poderia criar uma fórmula própria para fazer o mesmo com suas roupas de mergulho. Wibbeler disse que o método da Bolder é 85% mais sustentável do que a produção tradicional de negro de fumo.
Rosner disse que a economia de CO2 do negro de fumo recuperado depende da eficiência energética do processo de recuperação.
Mas o impacto ambiental pode ser substancial: o negro de fumo é responsável por cerca de 20% da espuma de borracha das roupas de mergulho da Patagonia e também é usado para tingir o forro de náilon reciclado das roupas de mergulho, de acordo com Hub Hubbard, gerente de linha de produtos da empresa para surfe e roupas de mergulho.
Na Wetsuit Forge, Warner aponta para um contêiner cheio de grânulos tingidos do processo BolderBlack. “Para nós, não foi difícil mudar para o BolderBlack, pois ele tem um impacto muito grande sobre a roupa de mergulho como um todo”, afirmou.
A Bolder não é a única empresa que produz negro de fumo recuperado para roupas de mergulho. A Sheico, sediada em Taiwan, que fabrica roupas de mergulho para a Patagonia e outras grandes marcas de surfe, começou a usar seu próprio negro de fumo recuperado de pneus velhos.
A Patagonia é a primeira, no entanto, a obter o material recuperado de roupas de mergulho usadas. A empresa coletará roupas de mergulho em fim de vida útil, removerá os zíperes e as enviará para a Bolder para extrair o negro de fumo. O material recuperado será então enviado ao fabricante da Patagonia.
Impacto também da pandemia
“É uma solução circular, não apenas um material de origem sustentável ou de base biológica”, disse Wibbeler, que também é o CEO da Bolder. “A parte legal disso é que são roupas de mergulho para roupas de mergulho”.
As primeiras roupas de mergulho BolderBlack da Patagonia devem ser colocadas à venda em 2025. A Bolder misturará roupas de mergulho antigas com pneus para que seja produzida uma quantidade suficiente de material BolderBlack para cada traje refeito.
Enquanto isso, a empresa continua aprimorando a durabilidade e a capacidade de reparo de suas roupas de mergulho. A Wetsuit Forge foi inaugurada em 2020, quando a pandemia da covid-19 inspirou uma nova onda de surfistas com mentalidade sustentável a praticar o esporte após o fechamento das academias.
Como os problemas na cadeia de suprimentos levaram à escassez de novas roupas de mergulho, um tsunami de roupas usadas chegou a Ventura para reparos – cerca de 6.000 nos últimos três anos.
A pandemia também encerrou os programas de reciclagem, estimulando um esforço para prolongar a vida útil das roupas de mergulho e fechar o ciclo de reutilização.
“Quando recebemos todos esses trajes, somos realmente capazes de identificar onde estava a falha e rastrear esses pontos para cada geração de traje”, afirmou Buddy Pendergast, engenheiro de trajes de mergulho da Patagonia. “Começamos a traçar essas correlações concretas entre as falhas repetidas que queríamos resolver”.
Para ilustrar seu argumento, Pendergast vai até uma mesa e pega uma roupa de mergulho para mostrar como uma costura foi substituída por outra mais durável e com reparo mais rápido.
Quando os dados indicaram que os punhos dos tornozelos estavam falhando com frequência, a equipe também redesenhou essa parte do trabalho.
Um rack de pranchas de surfe fica em uma das paredes do Forge para que os engenheiros possam testar os ajustes de design na C Street, uma lendária praia de surfe nas proximidades. Todos os aprendizados e atualizações dos engenheiros foram incorporados ao traje refeito.
“Nós a testamos em laboratório, em campo e nos certificamos de que ela passaria em todos os nossos padrões de qualidade”, disse Warner.
A dinâmica do fast fashion rápida fez com que as pessoas frequentemente achassem “mais barato e mais fácil comprar um item novo do que consertar um item existente”, diz Kassatly, analista de moda. A Patagonia já inverteu esse cálculo.
Pendergast disse que a empresa tem uma taxa de reparo de 90%; na maioria das vezes, pelo custo do envio, um surfista recebe uma roupa de mergulho melhorada sem precisar comprar uma nova.
Mas o sucesso da iniciativa BolderBlack dependerá de fazer com que os surfistas enviem suas roupas de mergulho velhas de volta à Patagonia uma última vez em vez de deixá-las mofando no guarda-roupa.
“Nossa esperança é que, depois que isso for divulgado, as pessoas comecem a desenterrar todas as suas roupas de mergulho velhas para nos enviar”, disse Hubbard.
Fonte: Bloomberg