Por Adriana Mattos | Houve um novo descolamento entre o valor vendido e o volume comercializado de produtos nas lojas do país entre maio e junho, mostra levantamento da empresa NielsenIQ obtido pelo Valor. Trata-se de um efeito direto da aceleração dos preços na economia, e, nesse ambiente mais pressionado, o mercado vem ajustando para cima as suas projeções de inflação.
Inclusive, ontem, o diretor de política monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, reforçou a necessidade de usar todas as ferramentas possíveis para perseguir a meta de inflação do ano.
Segundo o levantamento “NIQ Total Store”, feito semanalmente em cerca de 1 milhão de pontos de venda, a receita em supermercados, farmácias e atacarejos cresceu mais rapidamente que a quantidade vendida no início de junho. Se o volume (em unidades) subiu 10,8%, a venda acelerou 14,4% de 3 a 9 de junho.
“[Esse gap] nada mais é que aumento de preços”, disse Jonathas Rosa, executivo de varejo da NielsenIQ. “Eventualmente, pode ter influência do ‘mix’ de produtos vendidos mais caro, e da retirada de produtos de promoções, mas pelo nosso conhecimento na área, em 90% dos casos, isso é variação de preços”.
A diferença entre as taxas é o maior desde a Páscoa – quando a expansão em valor vendido cresceu num ritmo duas vezes maior que o volume. Nos últimos dez dias de maio, essa lacuna entre os indicadores permaneceu elevada, sem sinalização de fechamento dos índices até o dia 9 de junho (ver tabela acima).
Outro cálculo elaborado a pedido do Valor pela CNC, a confederação nacional de comércio e turismo, trata do impacto da valorização do dólar nos preços ao consumidor, assim como a relação entre os preços no atacado e no varejo. Ambos são outros movimentos de pressão no mercado, e que vêm sendo monitorados pelo BC.
Segundo Fábio Bentes, economista da CNC, os efeitos da valorização do dólar frente ao real, assim como eventual alta no atacado, chegam na ponta ao consumidor de forma inevitável. No acumulado deste ano, o real já perdeu 12% de valor frente ao dólar.
“Cerca de 85% da variação de preços de alimentos é efeito do câmbio e do atacado”, diz. “Houve uma pressão maior nos preços no atacado em abril, versus março. E o câmbio que estava adormecido pela Selic mais alta após 2021, acordou e não há um fluxo de divisas ao país para acomodar isso”.
A expectativa é de preços se acelerando até o fim do ano, o que pode afetar as expectativas de crescimento do varejo, diz ele.
O executivo Hélio Freddi, diretor dos supermercados Hirota, diz que, em média, há uma alta de 4% nos preços de alimentos nas lojas de abril para cá, e com a taxa em curva crescente. Produtos como aves, frutas, legumes, verduras e frios, tem alta superior a 10%.
Neste momento, os efeitos na safra com a tragédia nas cidades gaúchas, o cenário fiscal mais nebuloso e a alta do dólar levaram economistas a elevar a projeção para a inflação do ano.
O Boletim Focus, divulgado na segunda-feira (24) pelo BC, mostrou uma leve alta nas previsões do IPCA para este ano, de 3,96% para 3,98%. Para 2025, a estimativa foi de 3,80% para 3,85%.
Além da questão inflacionária, o desastre das chuvas no Estado gaúcho ajudou a embaralhar todo o abastecimento e a logística das empresas na região, e gerou uma alta volatilidade na demanda. A crise local pode até parecer pouco relevante dentro dos indicadores nacionais, mas o Sul é a segunda região em termos de consumo no Brasil, à frente do Nordeste.
Na metade de maio, quando as enchentes começaram, a venda de itens como alimentos, bebidas, higiene, limpeza e medicamentos no Rio Grande do Sul cresceram impressionantes 25,4%, em valor. Nas duas semanas seguintes, o avanço foi de 13%, em média, e voltou a subir para 16,3% na semana terminada em 9 de junho.
Ao se comparar com volume vendido no Estado, a alta é menor – a velocidade cai quase pela metade. Se a receita vendida avançou 16,3% de 3 a 9 de junho, o volume subiu 9,4%. No semana anterior, a diferença é mais gritante: a quantidade vendida recua 0,8%, mas a receita subiu quase 5% na região, sinalizando aceleração nos preços.
Segundo Manoel de Araújo, sócio da consultoria Martinez de Araújo, com sede em Porto Alegre (RS), as redes retiraram as promoções das lojas após maio, pelo receio de não ter reposição depois da crise no abastecimento.
Araújo diz que os municípios gaúchos, assim como o Brasil, foi impactado pela aceleração da inflação alimentar, mas a diferença é que esses reajustes “pegaram” o Estado no meio de um desastre ambiental. O consultor não vê esse avanço da inflação local como um movimento especulativo.
“Especulação é segurar estoque para provocar subida de preço. O que houve foi retirada de promoção, porque se fizessem ofertas iriam ficar sem produto”.
Água, papel higiênico e embutidos foram afetados pela escalada de preços. “Macarrão também sentiu, porque as pessoas ficaram com receio de não ter arroz, e compraram macarrão com o preço cheio mesmo, sem ofertas”, diz o diretor comercial de uma atacadista. A NIQ ainda cita alta forte na demanda no Estado por “air-fryer”, aspirador de pó, microondas, inseticidas, vassouras e bebidas em pó.
Os números também mostram que o atacarejo (com preços, em média, 10% a 15% inferiores aos supermercados) retomou o crescimento no país e no Sul, porque o canal surge como uma opção de compra mais econômica.
Entre o fim de abril e o início de junho, essas lojas crescem mais que todos os outros canais de venda, inclusive acima das farmácias, segundo a NIQ.
As redes de atacarejo perderam receita com a deflação de alimentos em 2023, e voltaram a crescer em 2024 ancoradas, em parte, na volta dos reajustes. Apesar de a inflação tirar dinheiro da economia, e afetar a venda, ela também eleva a receita nominal das cadeias.
O CEO de uma rede de atacarejo de São Paulo, com 40 unidades no Estado, diz que, em parte de junho, chegou a ocorrer uma “ressaca” nas vendas. Isso porque clientes de cidades fora da região Sul anteciparam certas compras para maio, pelo temor de desabastecimento de itens, como arroz e água. Mas a situação já se normalizou, com a demanda se acelerando no atacarejo após a metade deste mês.
Fonte: Valor Econômico