Cinquenta dias após assumir a Via Varejo, o comando da companhia, cujo maior acionista é a família Klein, acabou com o modelo de gestão implementado pelo ex-sócio, o Grupo Pão de Açúcar. Esse sistema definia a remuneração dos vendedores. A empresa ainda fechou o braço de venda por atacado, deu maior autonomia para cada loja definir preço e está fazendo o carnê da Casas Bahia ganhar importância, disse seu presidente, Roberto Fulcherberguer, ao Valor.
“Se pudesse resumir numa frase, eu diria que estamos voltando a fazer varejo […] Pegamos uma empresa que, por sete anos, não era uma varejista, era a subsidiária da subsidiária, com mudança de rumo a cada ano”, afirmou. “Foi criado um caminho de venda ruim, a gente mesmo dificultava a venda […] A concorrência via a empresa como uma brincadeira.”
“Há muito ainda a se fazer, mas temos visto uma reação nas lojas. O jogo começa a ficar mais divertido nos fins de semana [dias de maior demanda]”, acrescentou.
O GPA, controlado pelo grupo francês Casino, era o maior sócio da Via Varejo. Em junho, sua participação de 36% foi vendida à família Klein e a um “pool” de fundos. Os fundadores da Casas Bahia passaram a ser os maiores acionistas, hoje com 27,5% das ações, seguidos da XP Asset, com 7%.
Projeções de receita, investimento e lucro operacional definidas pela gestão anterior para 2019 não serão mais perseguidas. A estimativa de 80 novas lojas também pode ser menor — houve 40 inaugurações de Casas Bahia até junho. Os números estão em fase de revisão. “O que aconteceu nos dois primeiros trimestres não conversa com nada que começamos a fazer. Não sei se teremos novos guidances [projeções] logo. Talvez fiquem para 2020. Serão 60 dias para ter um mapa geral dos números, quando já será o último trimestre”, disse Fulcherberguer.
A intenção é retomar um crescimento um pouco mais forte a partir do ano que vem, afirmou, sem abrir números. De abril a junho, a venda líquida caiu 6,5%, para R$ 6 bilhões. Houve prejuízo de R$ 154 milhões, ante lucro de R$ 14 milhões um ano antes.
Uma das primeiras medidas do novo comando foi interromper o modelo operacional das lojas, chamado Movve, adotado em 2016. Na época, funcionários foram treinados para vender mais crediário e serviços financeiros, como garantia estendida, para ampliar as margens. No fim de 2016, a empresa vendia R$ 23,2 bilhões com margem bruta de 31,4%. Em 2018, as vendas atingiram R$ 26,9 bilhões e a margem foi de 29,3%.
Fulcherberguer conta que, no sistema anterior, a equipe de loja identificava, diariamente, problemas que a impediam de atingir metas de vendas e debatiam soluções. “O gerente ficava três horas discutindo por que não vendeu no dia anterior, quando devia estar tentando vender naquele momento. Descobrimos que os gerentes tinham grupos no Whatsapp e trocavam justificativas entre si para não repetir as desculpas.”
A remuneração era atrelada diretamente à venda de serviços. Se o funcionário batesse essa meta, não tinha incentivo para continuar vendendo produto . “Se entrasse um novo cliente na loja e o vendedor já tivesse atingido a sua meta [de serviços], ele não se mexia”, afirmou. “Desde julho, as metas não estão mais vinculadas.”
A nova direção deu maior poder às lojas. “Se eu vendia uma geladeira a R$ 999 e o meu concorrente na vizinhança começasse a vender a R$ 979, tinha que contatar a equipe de ‘pricing’ para mudar. Não pode funcionar assim. No sábado não dá para perder um minuto de venda. O poder tem que estar na loja. E a loja não era prioridade. A loja não acessava o comercial, que era inatingível.”
Questionado sobre o efeito da mudança, considerando que no modelo anterior a empresa tinha mais controle sobre as decisões e podia “calibrar” os riscos, ele afirmou que se houver um “descolamento” grande de preços em alguma loja, um sistema em tempo real aciona a equipe responsável.
“Loja é risco, está implícito no negócio. Se eu não confiar no meu gerente, é melhor não abrir a porta”, disse. “Em 15 dias, ganhamos margem bruta, porque destravamos a loja. Antes, você não vendia e afundava preço em parte do mês para desovar produto.” Ele prevê elevar “um pouco” a margem neste trimestre (em junho foi de 28%). “Mas ainda estamos estabilizando a empresa. Não é para esperar um terceiro trimestre maravilhoso.”
Outra mudança foi o fim da área de atacado, que atendia lojistas menores. “Era um tiro no pé, na relação com a indústria e nosso próprio site”, afirmou. Segundo ele, esse lojista às vezes vendia a mercadoria no próprio “marketplace” da Via Varejo, por um preço menor que a rede.
O tradicional carnê também vem ganhando espaço. “O carnê é uma fortaleza que estava escondida. Estamos flexibilizando o modelo de concessão, que antes era só baseado na análise pelo sistema. Colocamos uma equipe para complementar a análise de crédito, que fica mais humana. Depois disso, o carnê já cresceu nas vendas.”
Em quase dois meses na empresa, Fulcherberguer trocou 13 executivos de alto escalão. Com a nova equipe, abriu negociações com fornecedores de produtos responsáveis por cerca de 70% da receita. Afirmou que a rede se comprometeu a montar um planejamento de compras de longo prazo e segui-lo. O varejo costuma fazer eventuais ajustes nos pedidos às marcas.
“O problema é que se você muda o plano sempre, perde a relação de confiança com a indústria. Se você está estocado e decide ‘fechar’ o centro de distribuição, parar de receber [produtos], você quebra eles”, disse. A Via Varejo tinha cerca de 90 dias de estoque em 31 de março — a média são 60 dias no setor. “Voltamos a negociar no fio do bigode. O que combinamos com a indústria, precisamos seguir.”
Para Fulcherberguer, nesse processo de mudanças, foi fundamental a união da operação on-line (antiga Cnova) com as lojas físicas, concluída na gestão do GPA. Desde 31 de junho, a Cnova foi incorporada à rede, num mesmo CNPJ. “Não aconteceu antes por causa dos problemas nos sistemas [de vendas no site e nas lojas]. Tivemos muitas instabilidades no ano passado. Seria impossível tratar das duas coisas.”
Na segunda metade de 2018, a empresa admitiu que seus sistemas estavam com “instabilidades operacionais”, que levavam à perda de vendas. “Isso está se estabilizando. E com a incorporação da Cnova com as lojas, estamos livres para operar tudo numa única plataforma de vendas, com todos os centros de distribuição atendendo todos o canais. Até então, só dois centros atendiam a venda do on-line”, afirmou Fulcherberguer.
Ele ressaltou que a gestão permanece seguindo regras de governança corporativa, sem influência de Klein no dia a dia. “Klein tem nos apoiado e mantido a distância necessária e segura. As questões da empresa serão resolvidas nos comitês e fóruns adequados.”
Fonte: Valor Econômico