Varejista investe valores recorde em tecnologia e logística; com marketplace e app, empresa quer vencer a batalha de quem oferece a melhor experiência
Por Karina Souza
Olhar para o mundo digital dentro do varejo não é algo necessariamente novo para a C&A. O e-commerce da empresa foi inaugurado em 2015 e, desde essa época, distribuía para todo o Brasil as peças vendidas pela loja de departamento. Até o período pré-pandemia, o canal seguia o planejado e respondia por aproximadamente 5% das vendas totais — ou seja, tudo caminhava bem, mas nada que pedisse a urgência de concentrar investimentos nas vendas pela internet. Em 2020, é claro que tudo isso mudou.
No ano marcado pelo fechamento das lojas e pelo prejuízo bilionário gerado pela falta de circulação de pessoas nelas, a C&A investiu R$ 193 milhões em tecnologia e logística, valor 200% maior do que o aportado em 2019 e que representa mais da metade do total de investimentos para o ano passado, de R$ 302,5 milhões.
Em 2021, a estratégia de olhos atentos ao mundo omnicanal continua. Nos resultados divulgados nesta terça-feira (10), a companhia anunciou investimento recorde nas mesmas frentes, de R$ 141,6 milhões. O valor é 212,6% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado — auge da pandemia e das restrições de circulação no país. Entre os investimentos feitos neste ano, estão infraestrutura de telecom, investimentos em aplicações na nuvem e novo sistema de CRM, que vai permitir unificar as informações de clientes.
“Antes da pandemia, já sabíamos que o cliente omnicanal tem um valor ao longo do tempo muito maior do que aquele que consome em apenas um canal. Mesmo assim, até 2019, apenas 3% do mercado de vestuário era vendido online, então tínhamos projeções de chegar a 10% somente em 2024, dentro da estratégia pré-pandemia. Nesse trimestre, chegamos próximo de 17%. Ou seja, aquilo que já era interessante ganhou um valor cada vez maior aos olhos dos consumidores”, diz Paulo Correa, CEO da C&A, à Exame.
A força-tarefa de migrar operações para o digital trouxe resultados — não só para a empresa, mas para o setor de varejo digital como um todo. Um reflexo da mudança de comportamento do consumidor durante a pandemia pôde ser medida no primeiro semestre de 2021: o e-commerce movimentou R$ 53 bilhões, cifra recorde para seis meses, segundo dados da Ebit|Nielsen. A categoria de moda e vestuário continua exercendo papel principal dentro desse ecossistema, principalmente em volume de pedidos realizados.
Dentro da C&A, a mudança foi sentida de perto. A receita líquida da operação de e-commerce, só neste trimestre, foi de R$ 191 milhões, aumento de 36,9% em relação ao mesmo período do ano passado — em que as vendas online registraram forte crescimento no país.
Concorrência digital
Para garantir resultados como esses, a companhia investiu ao longo de 2020 em uma série de iniciativas: o aplicativo da C&A, o mais baixado da categoria de vestuário em 2020, com 12,4 milhões de downloads e 3,4 milhões de usuários ativos por mês, foi um dos pilares dessa mudança. Para efeito de comparação, o volume de usuários representa cerca de 10% do total do Magalu — que se propõe a ser um marketplace que vende de tudo um pouco, o que não é exatamente a estratégia da C&A.
Outro ponto importante dessa transformação foi o marketplace Galeria C&A, que contava com cerca de 20 vendedores no início de 2020 e hoje já ultrapassa os 400 vendedores. Nomes como Vivara, Etna, Karsten, Mormaii e Usaflex fazem parte da plataforma da varejista e ampliam a gama de produtos ofertados, funcionando como uma espécie de ‘parada única’ para quem procura por artigos de moda — seja para usar no próprio corpo, dentro de casa ou até para os pets.
A estratégia é semelhante à da Amaro, fashion tech focada no digital e em vestuário, por exemplo, que passou a comercializar itens de beleza dentro da própria plataforma também em 2020 e já conta com 300 vendedores.
Outras varejistas com atuação semelhante, como Renner e Riachuelo, também investiram nos próprios marketplaces. A primeira tem cerca de 100 vendedores cadastrados na própria plataforma e a Riachuelo ainda não divulga quantos sellers já estão cadastrados, por ter inauguraod o marketplace em maio deste ano.
Ambas as concorrentes cresceram de forma significativa no último ano no ambiente digital. A Renner cresceu 126%, segundo informações divulgadas em seu balanço, e a Riachuelo, que também aumentou as vendas digitais no último ano graças a um robusto investimento em tecnologia, de R$ 252 milhões — dos R$ 365 milhões investidos ao longo do ano.
Até mesmo quem atua com pequenas empresas conseguiu tirar seu filão desse crescimento todo. a Ozllo, plataforma de serviços para varejo de moda e bem-estar viu um aumento de 20% no número de vendedores cadastrados em seu marketplace a cada mês em 2020 e já planeja lançar novos serviços para 2021. Ao todo, tem 600 vendedores cadastrados.
Com a pulverização dos marketplaces entre as lojas de moda, a C&A aposta em inteligência de dados para continuar na frente da concorrência. Essas informações são disponibilizadas em um portal exclusivo para os vendedores, com ferramentas que vão fornecer inteligência de dados para a tomada de decisões. Informações como o que e quanto venderam, além de números e detalhes de pedidos e automação financeira estão cobertos dentro dessa estratégia.
Para se manter atualizada constantemente, a C&A faz melhorias a cada quinze dias nas plataformas digitais. “Todo mundo quer site cada vez mais rápido, muitos investimentos foram feitos e continuam sendo feitos e quando a gente fala dessa agilidade que a consumidora pede a gente também usa o marketplace para atendê-la”, diz Flávia Navas, diretora de marketplace da C&A.
Conciliar tudo isso depende de investimentos — e, também, de um certo toque de quem está no meio digital há mais tempo. Pensando nisso, a empresa se uniu recentemente a sete startups para acelerar sua transformação digital e resolver problemas de seus canais digitais.
Investir no marketplace faz mais do que total sentido. De acordo com dados da Neotrust|Compre&Confie, o faturamento dessa categoria cresceu 173% em 2020, com volume de compras 187% maior. Dentro dessas métricas, mais da metade dos pedidos (64%) e do faturamento (60%) está concentrada em grandes players. Segundo dados da Ebit|Nielsen, essa modalidade já ocupa 78% de participação no comércio eletrônico B2C.
“O consumidor teve que transformar a realidade residencial na profissional. Com mais tempo diante das telas, empresas tiveram de manter experiências de compra em níveis elevados para aumentar compras e evitar desistências”, diz Rodrigo Bandeira Santos, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm). Com o objetivo de fidelizar consumidoras, C&A investe cada vez mais em experiência de usuário
O físico não ficou para trás
Fato é que ficar dentro de casa mexeu com os hábitos de consumidores — e outras varejistas também estiveram atentas a essa mudança, para além do ambiente digital.
De olho em capturar quem queria redecorar o próprio lar, a Riachuelo inaugurou a vertical “Casa Riachuelo”, totalmente dedicada à venda de itens para serem usados dentro de casa, e a Renner reforçou os investimentos na Camicado, loja do grupo especializada nas vendas no mesmo setor.
E a C&A, também planeja entrar no mundo físico dentro dessa categoria? “A gente tem hoje uma agenda enorme de modificações estruturais da companhia e que a gente trata delas com muita dedicação. Temos outras prioridades agora, mas entendemos que existe uma oportunidade nessa categoria e decidimos começar dentro do nosso ambiente online. Já estamos aprendendo bastante para que, no futuro, se fizer sentido, a gente também possa ter uma versão dela offline”, diz Paulo.
Ainda assim, as vendas da empresa não sugerem que é necessário ter pressa para incorporar as novas categorias. No segundo trimestre deste ano, as vendas totais de mercadorias mesmas lojas tiveram aumento de mais de 300% na comparação ano a ano, e a categoria de vestuário sozinha avançou mais de 370% sob a mesma comparação.
Dentro da categoria de vestuário, a C&A anunciou no início do ano que vai passar a vender a coleção Mindset fora das próprias lojas, em um espaço para grifes independentes no shopping Villa Lobos, em São Paulo. Além disso, deve testar entregas no mesmo dia, com bicicletas e patinete.
“A gente quer ser cada vez mais omnicanal. Para nós, isso é positivo, já que o cliente passa a ter um tempo de interação muito mais longo com a C&A, além da possibilidade de fidelização com a marca. As lojas físicas continuam sendo um ponto fundamental dessa estratégia e vamos conciliar isso com o investimento digital. Somos, cada vez mais, a C&A Fashion Tech, uma empresa digital com lojas físicas”, diz Flávia.
Daqui para frente
Dentro dessa estratégia de “usar o digital para dar vazão ao físico”, a empresa ressalta que serviços e produtos devem ser valorizados. O crédito, por exemplo — a estrela da vez para varejistas em todos os setores — deve ter cada vez mais olhares dentro da C&A. Sem explicitar valores, a varejista afirma que metas como melhorar toda a parte de autonomia e expansão de crédito farão parte da estratégia para 2021, ajudando a consumidora a comprar de forma mais fácil.
“A gente sabe que as vendas a crédito dos nossos concorrentes estão em torno de 45% e na C&A isso está em 25%. A gente sabe que o cliente com o cartão da loja consome mais, tem uma relação mais profunda em termos de valor ao longo do tempo. Essa é uma estratégia muito importante para a gente retomar a capacidade de dar crédito de uma maneira competitiva em relação à concorrência. Estamos buscando soluções para isso”, afirma Paulo.
Outro pilar para o desenvolvimento é o de serviços. Pontos como o “Clique e Retire” e drive-thru devem ultrapassar o período de pandemia e continuar a marcar presença dentro da empresa, ao lado da modernização da cadeia de suprimentos e da logística de entregas.
Na pandemia, esse segmento cresceu bastante. A empresa Clique Retire, especializada em armários para esse fim, firmou recentemente uma parceria com a Linx para ampliar a rede de locais que podem receber armários como esse. Entre abril e julho do ano passado, a empresa cresceu 101% e, recentemente, recebeu um aporte de R$ 32 milhões com o objetivo de triplicar a capacidade de produção.
Os planos são, é claro, acompanhados por investimentos. Para 2021, a varejista pretende investir cerca de R$ 600 milhões na operação brasileira como um todo — e pelo menos metade desse valor na operação digital — triplicando o que foi investido em 2020.
Pensando nisso, e com uma experiência de anos de lojas em shoppings e na rua, a C&A não está nem perto de abandonar essa vertical. Com mais de 300 lojas físicas em todos os estados brasileiros, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro, a empresa aposta na integração entre todos os canais para ser a queridinha das brasileiras na era do consumo de moda pós-pandemia.
Em uma disputa cada vez mais acirrada entre todos os players do setor, uma coisa é certa: a volta ao “novo normal” vai incluir muito mais tecnologia e foco na experiência de usuário para quem quiser vencer. E a C&A mostra apetite para comprar essa briga.
Fonte: Exame