Saída do 3G Capital do controle acionário equilibra a estrutura de comando da empresa. Mas a varejista ainda precisa provar sua capacidade de se manter relevante no setor
Por Beatriz Pacheco
Após 40 anos na gestão operacional, Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles (a partir da esquerda), sócios da 3G Capital, tiveram a participação acionária diluída para 29,2% na nova Americanas. Movimento é resposta ao mercado, que pedia mais equilíbrio no quadro societário. (Crédito: Webb Chappell)
Os bilionários fundadores do fundo global de private equity 3G Capital, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, que por 40 anos mantiveram o controle sobre a Lojas Americanas, abriram mão do poder de decisão sobre a companhia. A Americanas SA (ex-B2W) vai incorporar a controladora na fusão definitiva da empresa, o que deve diluir a participação do trio para 29,2% na nova Americanas, que prepara sua abertura de capital na bolsa de Nova York para 2022. Os investidores do 3G se tornam “acionistas referência”, mas, com teto de 50% do capital votante, na prática não terão a mesma facilidade de antes para definir os rumos da operação.
O movimento se dá após meses de pressão de minoritários e investidores para simplificação da estrutura societária. Em abril, o anúncio de unificação das estruturas — até então desmembradas entre os mundos on e off-line — havia configurado a Lojas Americanas como holding. Mas a manutenção da base acionária tinha desagradado o mercado, que chegou a derrubar as ações em mais de 50% na B3, uma das piores performances no Ibovespa neste ano. A atual estratégia da companhia tenta reduzir a lacuna que a separa das líderes no setor, gigantes já com os dois pés no universo digital como Magazine Luiza e Mercado Livre. O processo ainda terá à frente o desafio da integração. “O anúncio resolve as questões sobre concentração do poder nas mãos dos controladores”, afirmou Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail. “Mas ainda falta apontar qual será a nova arquitetura de governança.” Neste sentido, o episódio coloca em xeque a característica pela qual o trio de investidores é conhecido, focado em cultura eficiente e, principalmente, rentável.
No caso da Lojas Americanas, a rede afundava em 1982, quando foi comprada pelo banco Garantia, que pertencia a Lemann. Dos três sócios, Sicupira foi incumbido de assumir a varejista. Começou pela demissão em massa, revisão do plano de investimentos e enxugamento da operação. Seis meses depois, a empresa valia ao menos quatro vezes mais do que o valor pelo qual havia sido comprada. A transformação da companhia, fundada em Niterói por um austríaco e quatro norte-americanos (daí o nome), foi inspirada no caso do Walmart, que se tornou um sucesso por oferecer uma enorme variedade de produtos a preços baixos, o que só era possível graças ao acompanhamento obsessivo dos gastos. O executivo carioca seguiu nessa trilha, até se afastar da presidência em 1993, quando a rede tinha 50 pontos de vendas no País e um balanço decolando no azul. Mesmo depois, o trio jamais largou o controle da operação — até agora.
“DINOSSAURO APAVORADO” Uma questão levantada há anos por analistas é sobre a capacidade do trio de acompanhar tendências de mercado. Ainda que sempre tenham conseguido se recuperar, a gestão deles não parece afiada em inovação de negócio. O próprio Lemann, durante participação no evento Brazil Conference, admitiu ter falhado nessa frente, e já se definiu certa vez como um “dinossauro apavorado” diante da tecnologia. O erro do 3G estaria em olhar apenas para números operacionais, o que o tornou alheio às mudanças do mercado. No caso da Americanas, ter perpetuado até 2021 a divisão entre digital e lojas físicas era uma bandeira vermelha para investidores. “Essa estrutura impedia explorar as sinergias dos canais com o olhar voltado para o cliente”, disse Serrentino. A margem líquida média da operação estava negativa em 1,6% até junho.
A nova era de consumo demanda uma definição de compromissos da empresa. A agenda ESG (ambiental, social e governança) e a transparência são questões inerentes ao posicionamento no mercado corporativo hoje, especialmente para as varejistas. Aquém da rivais na rentabilização do comércio eletrônico, a Americanas ainda não se destaca em dois pontos fundamentais para atrair o consumo no século 21: propósito e inovação. Segundo pesquisa da consultoria KPMG, 16% dos consumidores no mundo já levam em conta ao menos um aspecto de consciência socioambiental das marcas no momento de compra. Em 2020, o grupo de brasileiros nesta categoria cresceu 9%. Por mais que siga no rol das gigantes no País, em uma corrida disputada como a do varejo, qualquer centímetro de diferença faz a (des)vantagem.
Fonte: IstoÉ Dinheiro