Professor da Universidade de Duke fala com exclusividade à revista Shopping Centers sobre economia comportamental
Quem nunca fez uma compra difícil de justificar? Afinal, como funciona o processo de decisão? Existem formas de identificar boas escolhas antes que elas aconteçam? São essas algumas das questões que Dan Ariely procura responder no seu dia a dia. Professor de psicologia e economia comportamental da Universidade de Duke, no Estado norte-americano da Carolina do Norte, onde fundou o Centro de Imprevidência Avançada, Ariely é palestrante ilustre do TED – organização sem fins lucrativos que tem como missão espalhar boas ideias pelo mundo, e autor de best-sellers aclamados inclusive pelo jornal “The New York Times”, como “Predictably Irrational” (2008) e “The Upside of Irrationality” (2010), bem como sua última obra, “The Honest Truth about Dishonesty” (2012).
Em “Predictably Irrational”, ele explica o fenômeno da dominância assimétrica, o chamado “efeito isca”. Um dos exemplos mais conhecidos disso é a página de assinatura da revista norte-americana “The Economist”. Para testar a hipótese, Ariely pediu a alunos do Massachussets Institute of Technology (MIT) que escolhessem entre três tipos diferentes de assinaturas mensais. Resultado? Os consumidores tendem a experimentar uma mudança específica na preferência entre duas opções quando é apresentada uma terceira alternativa, desde que ela seja uma “isca”.
Descendente de israelenses, Ariley nasceu em Nova York e retornou a Israel com sua família aos três anos de idade. Enquanto se preparava para uma cerimônia, o professor sofreu um acidente com produtos inflamáveis que lhe causou queimaduras de terceiro grau em 70% do seu corpo. Em seus escritos, ele descreve como a experiência o levou a pesquisar melhores maneiras de realizar tratamentos dolorosos e inevitáveis a pacientes.
Em entrevista exclusiva à revista Shopping Centers, o professor de 48 anos revela como descobriu a economia comportamental e quais são as forças que definem as decisões de compra das pessoas.
Revista Shopping Centers – Como alguém sai da área de matemática e física e se torna professor de psicologia?
Dan Ariely – Foi muito simples. Por conta do acidente não conseguia utilizar muito bem minhas mãos, e era bem difícil estudar física e matemática sem contar com elas. Tentei encontrar uma formação que não exigisse tanto o uso das mãos, e aí cheguei à conclusão de que filosofia e psicologia dariam conta do recado. Não escolhi pensando que encontraria a minha paixão, mas, sim, em algo que poderia estudar para enriquecer um pouco minha vida enquanto me recuperava no hospital. No fim, a psicologia acabou se revelando minha paixão, por tentar compreender o comportamento humano e fazer as coisas de uma maneira melhor.
Revista Shopping Centers – O que significa economia comportamental?
Dan Ariely – Economia comportamental é melhor entendida em contraste à economia tradicional. Na tradicional pensamos que as pessoas são sempre racionais, corretas, tomam a decisão certa e pensam em todas as opções. Já a economia comportamental não faz muitas presunções sobre os seres humanos, ela apenas os coloca em situações diferentes. E quando os colocamos em situações diferentes eles apresentam todo tipo de mau comportamento. Contudo, o mais importante não é somente o mau comportamento dos indivíduos, mas as implicações para isso acontecer. Se imaginarmos um mundo construído para pessoas perfeitamente racionais teríamos instituições diferenciadas, sejam bancos, escolas, hospitais etc. Isso é o mais importante para a economia comportamental: quando você passa a avaliar as falhas das pessoas você também quer descobrir o que pode fazer para ajudar.
Revista Shopping Centers – Mas a economia não foi sempre influenciada pelo comportamento humano?
Dan Ariely – Sem dúvida. Porém, nossos modelos de economia não levaram o comportamento das pessoas em consideração.
Revista Shopping Centers – Quais são os elementos ocultos que definem nossas decisões?
Dan Ariely – Existem muitas. Provavelmente as mais claras são as emoções, uma vez que não enxergamos de que forma elas emoções dentro de nós. Os conflitos de interesses também, pois quando somos amigos de alguém vemos o mundo a partir de sua perspectiva, sem perceber como ele (a) está nos influenciando. De forma geral, outras forças incluem se importar com os outros, a dificuldade em pensar sobre dinheiro e o orgulho.
Revista Shopping Centers – A mudança de preferência provocada pelo “efeito isca” pode se tornar insatisfação no curto prazo?
Dan Ariely – Certamente é uma ideia interessante, mas não acho que seja o caso. Acredito que o que acontece é que somos tão bons em criar histórias sobre por que nossas escolhas são de fato boas que, no momento em que tomamos uma decisão em particular, começamos a pensar que foi uma ótima decisão. Ela se torna o ponto de partida para decisões futuras, embora na realidade nós não olhemos para trás para examiná-la.
Revista Shopping Centers – Como você definiria uma decisão baseada na irracionalidade?
Dan Ariely – Existem várias formas de descrever a irracionalidade, porém prefiro a definição que diz que quando tomamos uma decisão em que não enxergamos o que está nos influenciando, essa é uma decisão irracional. Portanto, quando não entendemos a causa que faz com que nos comportemos de determinada forma, agimos irracionalmente – não compreendemos o que está nos guiando, portanto não temos consciência de que podemos cometer erros muito facilmente.
Revista Shopping Centers – Qual é a maior vantagem da irracionalidade? Quantos efeitos positivos ela tem sobre nossas vidas?
Dan Ariely – Provavelmente a maior é se importar com outras pessoas. Não estou dizendo que nos importamos com as pessoas da melhor maneira possível o tempo inteiro, mas o fato é que nos importamos com os outros e fazemos todo tipo de coisa em benefício de terceiros. Podemos ajudar um cidadão a atravessar a rua, doar fundos para uma instituição de caridade, quando tem alguém chorando perguntamos o que está acontecendo… Tudo isso é muito irracional no entendimento econômico, mas é incrivelmente importante e é uma parte enorme da natureza humana.
Revista Shopping Centers – Você afirma em “Predictably Irrational” que a demanda, que determina os preços do mercado, pode ser facilmente manipulada. No entanto, a escassez não pode ser ainda mais fácil de manipular?
Dan Ariely – Sim, com certeza. A escassez é muito fácil de manipular: pode ser um truque para que as pessoas desejem algo, não porque oferecemos disponibilidade, mas justamente pela sua carência. Ao vermos uma longa fila se formar de repente, pensamos que todo mundo deve querer alguma coisa muito útil, por conseguinte nós também passamos a desejá-lo. Existem muitas formas de manipular a demanda no mercado.
Revista Shopping Centers – Em 2008 você demonstrou que “medicamentos falsos com um preço mais alto funcionam melhor do que medicamentos falsos a um custo menor”. O cérebro humano é mais propenso a cair numa grande mentira do que numa pequena?
Dan Ariely – Essa é uma pergunta muito interessante. Não tenho certeza. Acredito que as pessoas gostam de ter uma visão de mundo, a exemplo da política norte-americana. Os políticos de ambos os lados claramente têm visões diferentes sobre o que é o mundo. O que acontece é que as pessoas compram essas visões de mundo sem olhar mais de perto os detalhes, basicamente apenas aceitando tudo aquilo que vem dos representantes que escolheram. As pessoas simplesmente acreditam no que elas querem acreditar.
Revista Shopping Centers – Que tipo de projetos de pesquisa estão atualmente em desenvolvimento no Centro de Imprevidência Avançada?
Dan Ariely – O que mais estamos trabalhando atualmente é a tomada de decisão relacionada às finanças e à saúde, em maneiras de ajudar as pessoas em ambos os aspectos. Desenvolvemos recentemente um projeto na favela Quibera, no Quênia, onde as pessoas vivem em média com US$ 10 por semana, para ajudá-las a aprender a poupar. Descobrimos que lembretes naturais, intrínsecos ao ambiente em que passamos a maior parte do tempo, são as ferramentas mais eficazes no aumento das taxas de poupança. Estamos num momento muito especial da história, pois quando contávamos apenas com dinheiro físico não havia muito o que pudéssemos fazer. Mas agora estamos mudando para a moeda digital, e ela cria a oportunidade: como queremos viver? Queremos criar uma carteira eletrônica que facilite o gasto e torna menos provável que pensemos em custo de oportunidade? Ou queremos desenvolver uma carteira eletrônica que nos faça pensar em dinheiro com mais cautela? Que nos faça ver no longo prazo e tomar as decisões certas? Espero que escolhamos o segundo caminho.
Revista Shopping Centers – Qual o papel das emoções na tomada de decisão? Como varejistas e shopping centers podem usar essa informação para melhorar os resultados?
Dan Ariely – É claro que os shopping centers tentam mudar nossas emoções com ambiente e aromas agradáveis, para que nos sintamos felizes em estar ali. Gosto dessa abordagem, porém uma das coisas mais interessantes dos shopping centers é que há muitas lojas bem próximas umas das outras, e isso tem a ver com o que chamamos de “esgotamento”. Quando resistimos à tentação ficamos cansados, e quanto mais cansados de resistir, mais nos tornamos propensos a ceder ao impulso. Então imagine que há diversas lojas próximas umas das outras e entramos em uma delas, com o objetivo de comprar algo, mas resistimos à tentação. Passamos à loja seguinte e resistimos ao impulso novamente, e à medida que vamos fazendo isso ficamos “esgotados”, ou menos propensos a resistir à tentação de comprar.
Revista Shopping Centers – Qual o papel da motivação e da recompensa numa compra?
Dan Ariely – Motivação é o poder que nos empurra para frente, que nos faz seguir adiante, que nos faz querer algo de várias maneiras. A recompensa é a sensação boa que temos a partir de algo, ou da posse de alguma coisa. Nessa perspectiva, comprar tem muito a ver com motivação: é em parte motivação e em parte recompensa.