Em meio à correria dos compromissos decorrentes do anúncio da aquisição mais importante de sua gestão à frente do banco, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, recebeu o Valor para 40 minutos de conversa na sede do banco, na Cidade de Deus, em Osasco. Na entrevista, Trabuco disse que a aquisição do HSBC Brasil representou um atalho para a expansão do banco. “Crescimento orgânico é maravilhoso, mas demora mais, custa dinheiro”, afirma. Ele disse que o negócio reforça a posição do banco no Brasil e descartou movimentos expressivos no exterior. “Ainda achamos que o país oferece taxas de retorno muito condizentes com a indústria financeira.”
O presidente do Bradesco deixou transparecer que vislumbra a retomada da liderança entre os bancos privados brasileiros, perdida em 2009 para o Itaú. Mas reiterou que a aquisição não teve relação com a disputa. “Nossa convicção é que precisamos cada vez ter mais escala, escala, escala. Para o momento em que o Brasil der certo, a taxa de juro for mais baixa.” A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O que mais interessou ao Bradesco na plataforma do HSBC no Brasil?
Luiz Carlos Trabuco Cappi: Desde 1943, o Bradesco vivenciou 48 aquisições, entre bancos, financeiras, assets, cartões e promotoras. E todas essas aquisições foram por incorporações. Esse talvez seja um dos motivos pelos quais tenhamos hoje a mesma marca, as mesmas cores e com administração contínua. Quando chegou a decisão do HSBC de colocar a unidade no Brasil à venda, verificamos que era um ativo com certa escassez no mercado. E nós temos a vocação de ser brasileiros por excelência e ainda achamos que o país oferece taxas de retorno muito condizentes com a indústria financeira. Não temos nenhum planejamento de ter presença mais forte no exterior. A opção de dar um salto no nosso crescimento era por essa aquisição, que representa ao redor de 20% do nosso tamanho.
Valor: Mas o momento da economia brasileira não é favorável…
Trabuco: Nós continuamos com uma visão otimista. O PIB não será bom neste ano, mas o potencial é positivo. Então, quando o HSBC se colocou no processo de venda, verificamos que o grau de complementariedade era muito grande.
Valor: Há números? O senhor pode dar um algum exemplo?
Trabuco: O HSBC tem 1 milhão de clientes de alta renda. E nós não somos identificados como um banco de alta renda, porque o processo de segmentação é recente, tem menos de dez anos. Nós precisávamos crescer nesse mercado. E o HSBC, que teve uma opção estratégica de ser um banco de varejo mais elitizado, nos ofereceu essa possibilidade. Agora, tão importante quanto isso é a rede de agências. Nossa participação na região Sul sobe de 18% para 23%, e no Sudeste vai de 20% para 24%.
Valor: Vocês identificaram que havia uma lacuna nessas regiões?
Trabuco: A nossa logística, a nossa franquia de distribuição precisava ter alguma aceleração no Sudeste e no Sul. Os outros bancos optaram por centrar a competição nos mercados de maior renda, já que não conseguiam concorrer em todo o país. E quando analisamos os números [do HSBC], veio a pergunta: qual o valor potencial de um banco com 500 agências [número de postos do HSBC na região] com clientes? Quanto custa abrir cada agência?
Valor: Quanto custaria abrir cada agência?
Trabuco: Vou te dar esses números aproximados. Fora o aluguel, para mobiliar uma agência custa uns R$ 2 milhões.
Valor: Mas vocês agora vão precisar trocar essa mobília…
Trabuco: Na verdade, não. Perceba, o layout das agências do HSBC é muito adequado. Nós praticamente só precisaremos trocar a placa. Então, quando houve a oferta, chegamos a algumas conclusões sobre os ganhos com o ativo: a logística, a capilaridade e o alto no número de clientes de alta renda. Uma aquisição dessas envolve também um capital humano que ajuda a desenvolver o nosso próprio quadro. Evidente que o banco também tem patrimônio, ativos, captação e produtos. E daí vem o cálculo das sinergias, que vocês logo devem me perguntar…
Valor: Sim, de onde virão as sinergias?
Trabuco: A sinergia não vem só de contenção de despesas, mas também da rentabilização de estruturas e operações. Tecnologia da informação, por exemplo é muito onerosa. E, no caso do HSBC, as plataformas eram rodadas fora, na matriz. Também é possível ter ganhos importantes de redução de despesas em uma série de contratos. A sinergia virá do ganho de produtividade, da estrutura de custo, mas virá também das receitas. Nós temos uma força de venda dirigida para a colocação de produtos extremamente azeitada. Aí entram seguros, previdência, capitalização e consórcios, que no HSBC praticamente não havia.
“O HSBC tem 1 milhão de clientes de alta renda. E nós não somos identificados como um banco de alta renda”
Valor: O grande problema da operação do HSBC é uma estrutura cara, da qual o banco não consegue extrair valor…
Trabuco: É uma questão de escala. Seria preciso dobrar a estrutura do banco com a mesma estrutura de custos. O HSBC possui 21 mil funcionários para 5 milhões de clientes. Nós temos 94 mil funcionários para operar 26 milhões de clientes. E não esqueça que, nesse número, estão incluídos o quadro de 2,5 mil funcionários da Bradesco Saúde. Também temos 1,2 mil pessoas da maior empresa de odontologia do país, a Odontoprev. Quando se compara as linhas de negócio você vai perceber porque nós temos índice de eficiência bom: temos força de venda e produtos. Por que ter uma empresa de saúde dentro do banco? Porque é um bom negócio, quem compra é o cliente do banco.
Valor: Como o Bradesco imagina reter os clientes do HSBC? A concorrência se arma para atraí-los. O cliente corporate do HSBC queria uma plataforma global, e, quanto ao cliente de alta renda, o senhor mesmo disse que o Bradesco não é reconhecido por esse segmento.
Trabuco: Você retém clientes por meio de pessoas. Banco é, fundamentalmente, gente e tecnologia. Nosso desafio é reter essas pessoas e acolhê-las. Nós temos uma tradição de acolhimento das pessoas, em todos os bancos que incorporamos, e que seguem a carreira. Para os clientes, a retenção se fará pela oferta de produtos e serviços já existentes do HSBC – não vai se subtrair nenhum produto que o cliente tenha – e das pessoas, dos gerentes de contas.
Valor: A aquisição do HSBC pelo Bradesco não chegou a ser uma surpresa. Mas o preço, sim. Faz sentido avaliar o banco pelo mesmo múltiplo pelo qual o próprio Bradesco é negociado?
Trabuco: Primeiro, foi um processo competitivo, até o último momento. Da nossa parte, havia um interesse na aquisição. E nós chegamos a um preço que “vestia” bem para os nossos recursos. Em cima de quais variáveis? Fizemos uma avaliação do banco, do setor financeiro, analisamos o múltiplo do grupo segurador e, por fim, os ganhos de sinergia. Se no primeiro ano o banco rodar de um jeito, você acumula lucro por ação a partir de 2017. O banco é viável, mas de baixo retorno sobre o patrimônio – ou pelo capital excedente ou pela falta de escala. Colocamos tudo isso no preço. E concluímos que os ganhos de sinergia, seja por custo, por receita ou pelos dois, são facilmente atingíveis.
Valor: O Bradesco assume o capital e todos os riscos do banco?
Trabuco: Assumimos todo o capital. E também os passivos. O contrato é complexo. Os riscos muito diferenciados que absorvemos possuem garantias, e os ligados à operação, como provisões, rating de clientes, passivos fiscais e trabalhistas, têm limites.
Valor: E contingências relativas aos problemas do HSBC com contas não declaradas na Suíça, como ficaram?
Trabuco: Existem eventuais passivos que são operacionais e o normal é haver limites para o comprador assumir. E tem outros que são diferenciados, não ligados à operação, e há uma garantia muito grande, sem limites.
Valor: Entraria nisso?
Trabuco: Sim, entraria nisso. são condições contratuais sujeitas a um sistema de garantias.
Valor: Em outros negócios que vimos anteriormente, o Bradesco chegou a ser o comprador mais provável e acabou superado na reta final. Porto Seguro, BMG e talvez o próprio Unibanco, que sabe-se que teve negociações com o Bradesco antes de fechar com o Itaú. Desta vez vocês entraram decididos a não deixar escapar?
Trabuco : Foi bom você ter colocado isso. Nós fomos vítimas de uma versão. Não existe isso. Foram modelos de negociação que não nos interessavam. No BMG, era uma aquisição integral e virou uma venda de 70%. Não era o nosso modelo. O outro [Unibanco] era um processo de fusão e essa não era a opção do conselho, do seu Brandão. O da Porto Seguro era diferente. Nós achamos que um grupo segurador multilinhas é linha de negócio, não faz sentido dividir, tirar do balanço. Eu quero consolidar, quero ter a sinergia comercial. Mas ficou consolidada no mercado essa imagem de que o Bradesco não faz, não gosta de sócios. Nós não fazemos negócios para diluir. Mesma marca, mesmos controladores, mesma cor desde a fundação é um modelo de negócios. O núcleo duro de controle do Bradesco tem quase 60% das ordinárias. Isso tem um valor, não tem?
“Concluímos que os ganhos de sinergia, seja por custo, por receita ou pelos dois, são facilmente atingíveis”
Valor: Mas fazer um negócio que não envolva troca de ações é mais simples dentro dessa estrutura acionária do banco.
Trabuco: Sim, é mais simples. Mas não seria nenhuma heresia fazer uma diluição [dos controladores] se não houvesse condições de fazer diferente. Mas não há necessidade de fazer diluição. O HSBC foi um objeto de desejo, o desejo precisava envolver um certo esforço, fez-se os cálculos e chegamos a esse resultado. Os negócios na área financeira no Brasil nos últimos anos saíram a 3,25 vezes o patrimônio líquido, em média. O HSBC tem agência, tem clientes, tem ativos, tem patrimônio. Podia ser mais barato? Tudo podia. O Bradesco tem um capital excedente e precisava colocar para funcionar.
Valor: E não há mesmo uma capitalização à vista?
Trabuco: Não tem. O nosso resultado apresentado é robusto, o banco rodou em seis meses com R$ 8 bilhões de lucro. Qualquer valor que digam que pagamos acima representa o quê? Três meses do nosso resultado? Não é algo que envolva muito risco. A oportunidade apareceu. Crescimento orgânico é maravilhoso, mas demora mais, custa dinheiro. Fizemos um atalho para esse crescimento. E tem um lado de confiança no país. A gente confia nas instituições.
Valor: Vocês ultrapassaram a Caixa Econômica Federal em ativos e encostaram no Itaú. O sr. considera factível recuperar a liderança entre os bancos privados?
Trabuco: Isso tende a acontecer, né? Mas atingir a liderança é consequência, não foi o que nos motivou. Esse direcional não é preponderante. Nossa convicção é que precisamos cada vez ter mais escala, escala, escala. Para o momento em que o Brasil der certo, a taxa de juro for mais baixa. O custo de capital será mais baixo e temos que estar preparados. A busca de escala é uma obsessão dentro do Bradesco.
Valor: Qual a conta que vocês fizeram sobre corte de custos?
Trabuco: Como o banco tem um alto grau de complementariedade, não é um número assustador, não.
Valor: Mas e de funcionários e agências, que é o tema sensível?
Trabuco: Temos uma série de coisas para serem avaliadas. O HSBC tem uma empresa que a agente aprecia muito, que faz o back office do banco e o desenvolvimento de sistemas. O nosso nível de terceirização é maior que o dele. Podemos fazer uma troca, internalizarmos determinados serviços. Algo de curto prazo, de dois anos. Eu não tenho muito tempo para esperar, não.
Valor: O processo de absorção do Unibanco pelo Itaú e do Real pelo Santander penalizou bastante os bancos. Como será o processo de absorção do HSBC?
Trabuco: O nó dessas operações é a plataforma tecnológica. Nós começamos em 2004 um projeto de nova arquitetura de sistemas, e ela é extremamente flexível. Temos segurança que, de todas as incorporações, esta terá a migração tecnológica mais rápida possível. Gastamos anos e redesenhamos tudo, foi um avanço para melhorar a produtividade do banco, e não pensando nesse momento. A visão que temos é que a migração não terá nenhuma complexidade.
Valor: Vocês estimaram em três a quatro anos para o HSBC operar com o mesmo grau de eficiência do Bradesco. Nesse período o HSBC vai puxar para baixo os indicadores?
Trabuco: Fizemos cálculos com três e com cinco anos. Numa incorporação de cinco anos, o preço fica menos vantajoso. O preço fica mais atraente com o prazo de três anos. Ele não destrói resultado a partir de 2017, em 2016 assume o banco, faz as provisões de reestruturação e vida que segue.
Valor Econômico – SP